Opinião
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5 de junho de 2018
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11:09

O ecólogo de Nazaré (por Frei Sérgio Görgen)

Por
Sul 21
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Frei Sérgio: “Sem risco de exagero, Jesus foi um ecólogo de seu tempo”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Frei Sérgio Görgen (*)

“Olhem os Pássaros do Céu, Aprendam com os Lírios do Campo e Bem Aventurados os Mansos” (Mt 6, 26;28 e 5, 4)

Jesus demonstra nos Evangelhos uma familiaridade e uma naturalidade impressionantes com o ambiente natural de seu tempo, sejam eles os vegetais, animais, minerais, biológico e climático. Quando prestamos atenção ao ambiente de fundo em que se dão os acontecimentos narrados pelos Evangelhos e garimpamos as expressões usadas por Jesus, as comparações, as parábolas, a linguagem, as referências, percebemos nele, além de alguém integrado ao seu ambiente, um profundo conhecedor da natureza ao seu entorno. Sem risco de exagero, um ecólogo de seu tempo.

Jesus recomenda que olhemos, enxerguemos – muitas vezes olha-se e não se enxerga – e aprendamos com as flores do campo e as aves do céu, como exemplos de como podemos confiar na gratuidade da Mãe Natureza que tudo nos dá. Transparece na prática do Jesus Ecólogo a convivência, o respeito, a observação constante, a contemplação, o aprendizado, o diálogo e o cuidado na relação com o meio ambiente de seu tempo.

Fala constantemente da água e do vento e vê neles não apenas seu vigor natural, mas a manifestação do Espírito de Deus. (Jo 3,5-8)

Fala do mundo vegetal como se dele fosse parte. Compara-se com a videira, com a água, com o pão, com o vinho, com o pastor das ovelhas. Compara o Reino de Deus com o grão da mostarda e os discípulos com o sal. Mostra conhecimento sobre o cultivo do trigo e as dificuldades com a contaminação do joio. Mostra conhecimento sobre a necessidade de podar as videiras e de adubar a figueira que não dá frutos e quando a figueira brota é porque o verão chegou. Demonstra saber com precisão qual plantio de sementes será frutífero e quais serão tempo perdido: em solo raso, o sol mata; plantio superficial, os pássaros comem; no meio do inço, os espinhos sufocam. Conhece bem a fisiologia da mostarda, o tamanho minúsculo de sua semente e o crescimento de seu pé e folhas. A arruda e a hortelã entram naturalmente em suas conversas, assim como o armazenamento de grãos em celeiros e a relação entre o tamanho da messe e da colheita e a necessidade de trabalhadores.

Da mesma forma, suas referências ao mundo animal de seu tempo. Diz o Evangelho de Marcos que ele, quando se retirou no deserto, conviveu naturalmente com os animais silvestres (Mc 1,13). O mundo animal de então faz parte do universo mental e sentimental de Jesus e se refere a ele de forma constante, valendo-se dele constantemente no simbolismo de sua pregação. Chama a atenção não apenas a familiaridade como a precisão do conhecimento. Jesus se refere às raposas (compara Herodes a elas), a pombas e cobras (recomenda aos discípulos que sejam simples como as pombas e espertos como as cobras), a ovelhas, cabritos e lobos (também de pastores e mercenários), a jumentos (monta num deles e demonstram que os judeus quebram a lei do sábado para tirar um jumento do atoleiro), cachorros (é um deles que vem tratar das feridas do pobre Lázaro enquanto o rico esbanjador lhe nega abrigo e pão), mosquitos, camelos, gafanhotos (que servem de comida para João Batista), refere-se aos ninhos e tocas dos bichos (pois tinham lugar determinado para reclinar a cabeça, ao contrário d’Ele), e até ao comportamento dos urubus, aos quais o Pai garante o sustento e se juntam onde há carniça. Sabe como se tratam porcos com lavagem e de seu comportamento coletivo quando assustados jogando-se todos juntos no lago. E também sabe que mesmo no sábado sagrado pela lei, os animais precisam de água para matar sua sede. Conhecia peixes, sabia onde era melhor pescar, conhecia barco e como navegar e sabia até como cozinhar um peixinho gostoso à beira do lago.

Jesus é bom observador do clima. Com nuvens no ocidente, vem chuva. Com vento sul, o clima esquenta e vem onda de calor, sol avermelhado de manhã, tempo bom, sol avermelhado de tarde, sinal de chuva.

Jesus conhece propriedades terapêuticas da natureza. Conhece terapias com argila e saliva, pois usa barro com saliva para curar alguém com doença nos olhos, provavelmente alguma infecção bacteriana, muito comuns na época. Da mesma forma em relação às terapias com água, pois orienta doentes para que se banhem e ficam curados, numa época em que a falta de higiene corporal era causa de muitas doenças. Refere-se ao azeite e ao vinho no tratamento das feridas do que foi socorrido pelo bom samaritano. O vinho higieniza e o óleo contribui na cicatrização. Jesus fala com propriedade que o nardo e o alabastro podem ser usados para embalsamar cadáveres.

Jesus demonstra saber as potencialidades e os limites do mundo mineral em seu tempo e os efeitos do clima e dos fenômenos da natureza. Recomenda a construção das casas sobre terreno firme, rochoso, pois o terreno arenoso não resiste às enchentes e aos ventos. A pedra dá solidez, a areia esvai. Entram naturalmente em suas conversas as paisagens de seu tempo: montanha, deserto, mar, rio, fonte, vento, chuva, caminhos cheios de pedras, caminho tortuosos, sombras para proteger do sol, lugares adequados para passar a noite….

A função das leveduras de fermentação (micro-organismos) no crescimento do pão e no armazenamento de vinhos novos, ainda em fermentação, estourando pipas velhas com madeira já enrijecida, não são estranhas ao Mestre Nazareno. “Vinho novo, pipas novas”, dirá.

Até em relação ao sal, chega a detalhes impressionantes, pois se o mesmo perder as funções de conservar e dar sabor, não servirá para mais nada, nem para a terra, nem para o esterco. Ora, o sal no solo provoca salinização e é um problema para a produção de alimentos e no esterco, esteriliza e impede a ação dos decompositores impedindo que se transformam em fertilizante orgânico disponível.

Temos ainda a impressionante cena narrada nos Evangelhos em que Jesus conversa com a ventania e com as águas revoltas e elas se acalmam. “Quem é este que até as águas e os ventos atendem seus pedidos? ” – Comentam entre assustados e admirados os discípulos.

O Apocalipse seria, na simbologia evangélica, uma bagunça generalizada da natureza, da convivência humana e do cosmos: terremotos, tempestade marítimas; fome e medo; abalos no espaço, no sol, na lua e nas estrelas. (Mt 24, 29-30; Mc 11, 24-26; Lc 21, 25-26).

Mas a Pedra de Toque, a Chave Mágica, a Regra de Ouro da Ecologia de Jesus, está na Bem-aventurança da Mansidão.

“Bem-aventurados os mansos, porque terão acesso à Terra”. (Mt 5, 4)

É com mansidão, amor, ternura, carinho, respeito e cuidado que se pode acessar os segredos da Mãe Terra.

Com violência, agressão, exploração, desrespeito, imposição, destruição a Mãe Terra se fecha e se protege, se fere e sangra.

A Mãe Terra não se vinga, como pensam alguns. Mas se esconde, se protege, se retrai. Sente-se ferida e ferida não consegue nos dar o que tem de melhor.

É a mansidão do filho cultivador terno, generoso e respeitoso que encontra na Mãe Terra os mais maravilhosos de seus frutos, em alimentos saudáveis, água limpa, ar puro, alívio para as dores e feridas, prazer, beleza, saúde, fartura, vida plena, felicidade.

(*) Frei Franciscano, militante do MPA.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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