Opinião
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10 de maio de 2018
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10:30

Mudanças tecnológicas e inovação: tendências mundiais atuais e o RS (por Iván G. Peyré Tartaruga)

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Sul 21
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Com a proposta de extinção das fundações de ciência e tecnologia do RS, o governo estadual segue um caminho contrário ao preconizado pelos principais países desenvolvidos. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Iván G. Peyré Tartaruga (*)

Há alguns anos vem se propalando, mundialmente, a ideia de que estamos em uma Economia do Conhecimento e, em consequência, pertencemos a uma Sociedade do Conhecimento. Perspectiva que coloca o conhecimento científico e tecnológico como o principal recurso e o ativo número um para um país ou região desenvolver-se social e economicamente. Portanto, a capacidade de aprendizagem das pessoas e das empresas tornou-se primordial para um desenvolvimento com base na geração de inovações tecnológicas. Ao lado dessa constatação, diversos estudiosos, de diferentes campos do conhecimento, apontam que estamos passando por uma importante mudança tecnológica em escala global, como foi a da microinformática e das telecomunicações iniciada na década de 1970.

Ao verificar os investimentos globais em pesquisa e desenvolvimento (P&D), percebe-se a manutenção e, muitas vezes, o aumento desses gastos, alguns deles muito pronunciados como no caso da China (Figura 1). Além dos chineses, ressaltam-se os Estados Unidos na dianteira desse tipo de investimentos, mas também a União Europeia (28 países), com destaque para a Alemanha, e o Japão. Com respeito ao topo dessas despesas, mantendo-se constantes as tendências de crescimento dos montantes da China e dos EUA (cada um com valores acima dos 400 bilhões de dólares no último ano), os chineses devem ultrapassar os norte-americanos já em 2019 (projeção da Organização Para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)).

Figura 1 – Despesas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em países selecionados e na União Europeia — 2000-2016

FONTE DOS DADOS BRUTOS: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Gross domestic spending on R&D (indicator). 2018. Disponível em: <https://data.oecd.org/rd/gross-domestic-spending-on-r-d.htm>. Acesso em: 14 mar. 2018.
NOTA: Valores expressos em US$ bilhões. A preços constantes.

Nesse contexto, alguns dos principais especialistas em mudanças tecnológicas defendem que a próxima revolução ou transição tecnológica ocorrerá no âmbito das tecnologias “limpas” ou “verdes” (materiais recicláveis, gestão de resíduos, eficiência energética, etc.). Para além das despesas generalizadas em tecnologia, há um tipo específico de investimentos que vem sendo apontado, por esses mesmos especialistas, como a principal base dessa transição tecnológica: as energias renováveis (solar, eólica, etc.). Nesse quesito, os principais atores internacionais são a China, a Europa e os Estados Unidos, que, no ano de 2016, alcançaram, respectivamente, os 78,3, 59,8 e 46,4 bilhões de dólares em investimentos; seguidos, com valores bem abaixo, pela Índia (US$ 9,7 bilhões) e pelo Brasil (US$ 6,8 bilhões) (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Investimento global em energias renováveis, em países selecionados e na Europa — 2004-2016

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FRANKFURT SCHOOL OF FINANCE & MANAGEMENT. Global Trends in Renewable Energy Investment 2017. Frankfurt, 2017. Disponível em: <http://fs-unep-centre.org/publications/global-trends-renewable-energy-investment-2017>. Acesso em: 14 mar. 2018.
NOTA: Referente ao destino dos investimentos.

Como toda transição tecnológica para um patamar mais avançado, há mudanças econômicas, institucionais e sociais necessárias para seu desenvolvimento pleno. A exemplo da Alemanha e dos países nórdicos que, para além dos investimentos, vem adotando uma visão que entende a transformação tecnológica “verde” não somente em termos tecnológicos, mas, também, como uma mudança na economia e na sociedade — produção e estilo de vida “verdes” —, essa uma orientação que estabelece a sustentabilidade (controle da poluição e dos desperdícios) como uma vantagem competitiva. Nesse mesmo sentido, como já alertado (ver Carta de Conjuntura FEE de outubro/2017), as estruturas e os órgãos estatais possuem um papel fundamental, como agentes apoiando, direta e indiretamente, as mudanças necessárias e promovendo políticas tanto pelo lado da demanda – como normas ambientais impactando o padrão de consumo de energia – como da oferta – como créditos fiscais, subsídios e financiamentos para tecnologias específicas. Um bom exemplo disso, são os bancos de desenvolvimento como o KfW do Estado alemão, que, de tão proeminente no apoio aos processos de inovação em seu território, inspirou a criação do Banco de Desenvolvimento da China (BDC). No caso brasileiro, vale destacar o banco de desenvolvimento estatal (o BNDES), elogiado na literatura especializada por seu apoio a projetos de investimentos em tecnologias limpas e em biotecnologia.

Para exemplificar a importância do papel do Estado na inovação, foi criado, na Inglaterra e no início do ano passado, o Instituto para a Inovação e o Propósito Público (Institute for Innovation and Public Purpose) na University College London. Tem como objetivo discutir e promover, internacionalmente, as atribuições estatais nos processos de inovação, para tanto reunindo pesquisadores de várias partes do mundo. Entre as principais linhas de pesquisa dessa Instituição está, justamente, a da economia “verde” para o crescimento sustentável.

No âmbito gaúcho, podemos citar boas iniciativas no campo da inovação, mesmo que pontuais, mas válidas, como os parques científicos e tecnológicos, as incubadoras e as universidades (com suas unidades de transferência tecnológica). São experiências que promovem a cooperação dos entes estatais com outro ator imprescindível nos processos de inovação, as empresas privadas. Infelizmente, com a proposta de extinção das fundações de ciência e tecnologia do RS, em andamento, o Governo estadual segue um caminho contrário ao que é preconizado pelos principais países desenvolvidos e em desenvolvimento: estabelecer ambientes de inovação com forte apoio de instituições estatais, como as instituições de pesquisa. Portanto, abrir mão de institutos como a Fundação Zoobotânica do RS (FZB/RS), a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) e a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), as duas últimas já extintas, é uma atitude incompreensível no atual momento histórico de mudanças tecnológicas, quando os especialistas apostam justamente nas tecnologias verdes (ou ambientais) (ver texto de opinião As Fundações gaúchas são importantes para o desenvolvimento de inovações tecnológicas no Estado?). Muito ao contrário, ao invés de extinguir estas instituições, e as outras de semelhante caráter, seria preciso pensar em formas inovadoras de fortalecer essas estruturas estatais, aproximando-as do setor privado, seguindo assim os modelos dos EUA e dos países europeus mais desenvolvidos tecnologicamente (Alemanha, Reino Unido, Finlândia, França, Dinamarca e Noruega).

(*) Geógrafo, especialista em Geografia Econômica. Professor no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT-RS) e no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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