Opinião
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17 de maio de 2018
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22:45

Brasil: do domínio de cima para baixo à libertação de baixo para cima (por Jacques Távora Alfonsin)

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Sul 21
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Brasil: do domínio de cima para baixo à libertação de baixo para cima (por Jacques Távora Alfonsin)
Brasil: do domínio de cima para baixo à libertação de baixo para cima (por Jacques Távora Alfonsin)
Leonardo Boff: refundação do Brasil, de baixo para cima e de dentro para fora. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Jacques Távora Alfonsin (*)

   Leonardo Boff não cansa de escrever e, como sempre acontece, a publicação dos seus estudos sai na hora certa. Um dos mais recentes é deste 2018, tem por título uma interrogação oportuna: “Brasil. Concluir a refundação ou prolongar a dependência?” (editora Vozes). A começar pela dedicatória, o autor já previne leitoras/es sobre quem inspirou o  seu trabalho: “A todos os que sonharam com um outro Brasil, aos movimentos sociais populares e às suas lideranças, aos partidos que resistiram e lutaram contra todas as ditaduras e guardam em sua mente e corpo os sinais de sua coragem”.  

   O prolongamento da dependência mereceu do autor um sobrevoo sobre a nossa história, com lembrança de várias análises anteriores (páginas 131 e seguintes especialmente), de Marilena Chauí, José Honorio Rodrigues, Capistrano de Abreu, Darcy Ribeiro, Jesse Souza, Edson Teles; desde as causas motivadoras das alianças aqui dominantes entre “os donos do dinheiro e do poder”, responsáveis, inclusive, pela “fragilização da nossa democracia” até os golpes que ela sofreu em 1964 e 2016.

   Compara os dados estatísticos da desproporção escandalosa entre os números da fortuna acumulada por 6 biliardários brasileiras/os igual ao da  riqueza de 100 milhões de brasileiros mais pobres; identifica os estratos médios das população  já conquistados e tão aliados ao poder econômico dos mais ricos que nem se dão conta da manipulação – aqui a responsabilidade da mídia –  e da exploração a que estão sujeitos. Lembrando palavras do Papa Francisco quando deu resposta à pergunta sobre “quem governa?” afirmando ser o dinheiro, Leonardo afirma: “Uma razão a mais para nos convencermos de que não há futuro para o Brasil inserido dessa forma na globalização econômico-financeira, excludente e destruidora da esperança, como está sendo imposta com a máxima celeridade pelo novo governo ilegítimo.”

    Há uma certa semelhança entre o pensamento deste conhecido pensador, a quem o Brasil tanto deve, com o que Michael Hardt e Antonio Negri escreveram há décadas atrás, no livro “Império”, publicado pela Record no Brasil. Em 2001, já em terceira edição, lê-se: “O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato governa todo o mundo “civilizado.” {…} “Do ponto de vista  do Império, é assim que as coisas serão hoje e sempre –  assim sempre deveriam ter sido.” {…} “O Império não só administra um território com sua população mas também cria o próprio mundo que ele habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza humana. O objeto do seu governo é a vida social como um todo, e assim o Império se apresenta como forma paradigmática de biopoder.”

 Alguém, com um mínimo de senso crítico, pode duvidar de o Brasil – povo, território e governo – estar hoje completamente dominado por esse monstro?  Hardt e Negri parece ter respondido antecipadamente esta pergunta, recordando a duríssima advertência de Spinoza, contida em outra pergunta: “Por que os homens lutam obstinadamente por sua servidão, como se ela os fosse salvar?” A servidão, aqui, é a do prolongamento da dependência, feito com a cumplicidade das elites brasileiras, ardorosamente convencidas de que elas são as verdadeiras “salvadoras” e esse continua sendo o principal obstáculo a uma verdadeira refundação do país, como denunciou Boff.

A resistência popular, entretanto, já demonstrada em nosso passado, repetidamente esmagada pela dominação do Império aliado ao poder econômico nativo, não deixa morrer a esperança. Leonardo sintetizou esse sentimento coletivo, na forma de um diagnóstico preocupante da nossa realidade atual é verdade, mas, ainda assim, não impeditivo de um futuro construído sob muito diferentes fundamentos e valores humanos:

  “Até hoje o Brasil foi construído de cima para baixo e de fora para dentro: a partir dos poderes coloniais, depois das elites proprietárias e a seguir pelo Estado, em sua ação mobilizadora e intervencionista. Essa lógica sedimentou as desigualdades e agravou as exclusões. Agora importa construí-lo de baixo para cima e de dentro para fora: a partir do povo brasileiro mesmo, que, organizado, toma as rédeas de seu destino, criando aqui uma nação soberana e aberta ao diálogo amplo das civilizações no arco do processo de globalização. É o conteúdo concreto da refundação do Brasil.”

  Na trilha de Milton Santos, seria necessário esclarecer aí não se confundir essa globalização solidária, universal, com a do Império-capital- dinheiro-mercado, antissocial do ponto de vista do povo, predatório da terra e dominador do governo, justamente os três componentes de qualquer Estado. Se o Estado brasileiro quer ser reconhecido como, efetivamente, de direito, não pode continuar sob tal dependência. Tem de ser refundado mesmo.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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