Opinião
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16 de abril de 2018
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22:08

Só poderia ser em abril (por Jorge Branco)

Por
Sul 21
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Ato reuniu centenas de pessoas no Teatro Capitólio, em Lisboa. (Divulgação)

Jorge Branco (*)

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Chico Buarque de Holanda

Mandando um cheirinho de Alecrim ao povo brasileiro, o Professor e sociólogo Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra, encerrou sua intervenção em um ato em “Defesa da Democracia no Brasil” neste 12 de abril último, no Teatro Capitólio, em Lisboa. Este ato reuniu centenas de pessoas em uma expressão da unidade democrática e antifascista tão necessária ao mundo todo. No auditório, portugueses, espanhóis e brasileiros, gente do Bloco de Esquerda (BE), do Partido Socialista, do Partido Comunista, dos “Capitães de Abril”, do Podemos, da Comissiones Obreras, do PSOL, PCdoB e do PT, gente da universidade, das artes, jovens e veteranos de vários combates.

O ex-governador e ex-ministro do Governo Lula, Tarso Genro, fez um didático e detalhado apanhado de todo o processo persecutório e da instrumentalização das instituições judiciais no processo do golpe e da crise da democracia no Brasil. Pablo Iglesias, Guilherme Boulos, Manoela D´Avila (por vídeo), a deputada do BE, Catarina Martins, Pilar Del Rio, Presidente da Fundação Saramago, foram unânimes, o que ocorre no Brasil é um processo fraudulento de perseguição política a Lula. Lula é um preso político e a existência de presos políticos é incompatível com a democracia.

Por uma dessas convergências, quis o destino que o ato ocorresse no mês de abril. Não por acaso, com emoção e esperança, o ato em defesa de Lula e da democracia brasileira foi encerrado com um coro de todas as vozes presentes, cantando “Grândola, Vila Morena”, o hino da esperança e democracia, senha para a Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974.

Em defesa da democracia brasileira: no palco, Tarso Genro, Guilherme Boulos, Pablo Iglesias, Catarina Martins e Boaventura Sousa Santos. (Divulgação)

O mundo sabe, e os que não sabem desconfiam, que Lula está sendo perseguido por razões eminentemente políticas. As correntes neoliberais são incapazes de apresentar uma alternativa política de distribuição de renda, diminuição das desigualdades e crescimento econômico ao povo brasileiro. São incapazes, inclusive, de apresentar um combate efetivo e sincero à corrupção e à sonegação. Sua solução, ao contrário, foi criar um processo fraudulento e antidemocrático cujo objetivo é a eliminação da força de Lula para desobstruir o caminho das reformas neoliberais e a implementação do ajuste fiscal. Por isso Lula é um preso político, a despeito da inexistência inequívoca de comprovações que tenha cometido qualquer crime, está encarcerado para não obstaculizar o butim das elites nacionais e do rentismo mundial.

Se no Brasil, há um bloqueio do oligopólio privado da mídia, na Europa a tradição democrática permite que as informações reais do que ocorre no Brasil circulem. O resultado é que há no mundo uma perplexidade com o autoritarismo brasileiro e uma crescente disposição de enfrentar o crescimento do fascismo e a defesa da democracia e da igualdade.

Durante o mesmo dia 12, em um colóquio reunindo vários intelectuais e ativistas da democracia e dos direitos humanos, organizado pelo CES-Universidade de Coimbra e Fundação José Saramago, de Portugal, e o Instituto Novos Paradigmas, do Brasil, pude identificar mais convergências, agora interpretativas, sobre o quadro.

A democracia está em crise no mundo e o fascismo, assim como nas primeiras décadas do século XX, se alimenta desta crise para, apresentando propostas fáceis que buscam “organizar” os piores e mais torpes sentimentos humanos, aprofundar a crise até o ponto da destruição da própria democracia e do que, desejamos presumir, venha em seu bojo, a igualdade, a liberdade e a diversidade.

A democracia e o neoliberalismo são incompatíveis. O processo de concentração econômica e a ampliação da desigualdade social que resultam das ideias e práticas neoliberais, põe por terra qualquer vínculo entre o neoliberalismo e os preceitos liberais democráticos. Chamar de neoliberalismo a essa corrente política é uma concessão hermenêutica sem sentido.

Lula é um preso político, sua condenação não é resultado de um processo judicial justo e impessoal, mas uma articulação de tipo “lawfare”, sua condenação tem claro objetivo político e eleitoral. A inexistência de provas é a prova do caráter persecutório contra Lula.

O Brasil não vive uma democracia plena, os preceitos democráticos do estado de direito foram desconstituídos desde a construção política do impeachment sem motivação sem causa da Presidenta Dilma e teve continuidade nas operações do aparato jurídico-policial do estado ao arrepio da lei, com a coerção coercitiva indevida do Lula, a divulgação ilegal dos áudios entre Lula e Dilma por parte do juiz julgador, com a condenação sem provas de Lula e, finalmente, sem direito à responder em liberdade apesar de não haver trânsito em julgado, pilar básico dos direitos humanos e da democracia.

Enfim, o mundo ainda guarda, renitente, algum cheirinho de alecrim.

(*) Sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política


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