Opinião
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28 de abril de 2018
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22:16

Roteiro de cinema para uma ditadura (por Jorge Branco)

Por
Sul 21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jorge Branco (*)

Plano fechado:

O noticiário de um programa de rádio informa que o Tribunal de Justiça do Estado determinou que a Avenida da Legalidade e da Democracia volte a se chamar Avenida Presidente Castello Branco. O âncora do programa diz “nunca deixei de chamar Castello Branco”, na sequência o jornalista assistente lê uma mensagem de um ouvinte “as coisas estão voltando ao seu normal”. Corte.

Entram imagens reais:

Polícia invade casa de jovens de periferia do movimento popular na madrugada, prende a todos sob a lei antiterrorismo, sem mandado judicial; vereadora Marielle, de esquerda, é assassinada em emboscada e a polícia não consegue apurar quem são os criminosos; justiça persegue líder de esquerda com o objetivo de impedi-lo de disputar as eleições enquanto condenados vinculados aos partidos neoliberais e retrógrados são julgados com leniência ou simplesmente não são julgados; tiros são disparados contra caravana de ex-presidente de esquerda e Senadora do Rio Grande do Sul saúda as milícias ruralistas que agridem ativistas de esquerda; mais de 20 de tiros foram disparados contra as pessoas que participam do acampamento “Lula Livre” em Curitiba, um sindicalista está em risco de morte. Corte.

Novo plano fechado com imagens em preto e branco:

Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da NSA tornou público a espionagem estadunidense sobre o Brasil, a Petrobras e o pré-sal; CIA opera a desestabilização dos governos de centro-esquerda e esquerda da América do Sul e dos governos nacionais do mundo árabe; o oligopólio da mídia privada brasileira “acorda” entre si a desestabilização do Governo Dilma e sustenta uma operação de exceção de setores do judiciário, ministério público e polícia federal. Corte.

Plano panorâmico que vai fechando gradualmente:

Em análise comparativa com outras sociedades inclusive em relação aos países vizinhos da América do Sul, a cultura dos brasileiros é efetivamente pouco democrática. Segundo dados extraídos da World Values Survey (WVS) [1], pesquisa internacional sobre valores socioculturais e políticos, coordenada no Brasil pelo Professor da UFRGS Henrique Carlos de Castro, a população brasileira, linearmente, acredita pouco na política e nas instituições políticas, é a que mais prefere um governo de não políticos e possui baixa rejeição a ideia de um regime autoritário de tipo militar [2].

As mudanças de regime estão relacionadas aos fatores econômicos, a elite financeira não admite perda em suas taxas de acumulação de capital. Esta nova onda reacionária antidemocrática se inscreve em um esforço de diminuição do custo do trabalho como forma de aumento das taxas de lucro capitalista. Desde os golpe do impeachment de abril de 2016, houve uma inversão na relação do emprego formal, com direitos e mais valorizado [3], em desfavor do aumento do emprego informal, sem direitos e proteções e de menor custo para o capitalista [4].

Na história do Brasil, a opção das elites econômicas e seus subordinados, como a alta burocracia estatal e o oligopólio da mídia, pela via antidemocrática está relacionada a reformas para obstruir conquistas dos trabalhadores e da sociedade. As classes dominantes não tem a democracia como princípio, mas como razão instrumental, portanto meramente conjuntural. A opção democrática ou a opção autoritária, para a elite econômica brasileira, é uma mera questão de conveniência.

A criminalização da política e a manipulação de informações são chaves para conferir legitimidade social às opções táticas dessa elite. Em contexto sociocultural permissivo às ideias autoritárias, onde as organizações populares se fragilizaram e a esquerda, no governo, deixou intactas as estruturas autoritárias do sistema político e do aparelho de estado, os golpes de ruptura democrática não são tão inimagináveis assim. Corte

Plano americano, locução com voz grave:

Enfim, o final, pode não ser feliz para os ideais democráticos. Apesar de todos os erros estratégicos do Lulismo, a força política do ex-presidente Lula torna o cenário absolutamente indefinido mesmo sob ataque cerrado da direita e do aparelho repressivo do estado. A resistência ao processo golpista e a defesa da democracia no Brasil, progressivamente, vão se condensando na defesa da liberdade de Lula e na consolidação da ideia de que o processo condenatório do presidente é uma farsa. Além de produzir um alto índice de disposição positiva de voto no Lula [5] ou em quem ele indicar, este processo destrói a imagem dos possíveis candidatos vinculados ao golpe e às elites econômicas. Neste espaço entre o risco do impedimento da candidatura Lula e o naufrágio das candidaturas da elite financeira é que cresce, na intenção de votos dos brasileiros, o fantasma da candidatura do fascismo contra-sistêmico, anti status quo. Solidifica-se a força do Lula simultaneamente a um deslocamento do centro à direita. As candidaturas orgânicas das elites econômicas estão esfaceladas.

A possibilidade da vitória de uma candidatura fascista não orgânica do capital financeiro abre o caminho, neste sentido, para a hipótese de haja um desfecho autoritário da crise democrática brasileira, aberta desde o ano de 2013. A incapacidade de construir uma alternativa institucional que garanta às elites, estabilidade e legitimidade, para aprofundar as reformas expropriativas dos direitos dos trabalhadores, e a obstrução inconstitucional da candidatura de Lula, poderão levar a anomia do, já cambaleante e ofendido, estado democrático de direito no Brasil.

[1] https://maceio.7segundos.com.br/noticias/2017/01/23/81667/novos-empregos-pagam-em-media-21-menos-e-sem-carteira-assinada.html

[2] Pesquisa CNT/MDA para presidente, março 2018; Pesquisa Datafolha para presidente, abril2018; Pesquisa Vox Populi para presidente, abril 2018

[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/05/1284018-emprego-registrado-cresce-e-ocupa-lugar-da-informalidade.shtml

[4] Com base nas análise realizadas pelo cientista político Felipe Zorzi.

[5] Dados da 6ª onda de pesquisa da WVS no Brasil, 2010-2014.

(*) Sociólogo, Mestre e doutorando em Ciência Política

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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