Opinião
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21 de abril de 2018
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14:18

O fascínio de Lula (por Jorge Barcellos)

Por
Sul 21
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O fascínio de Lula (por Jorge Barcellos)
O fascínio de Lula (por Jorge Barcellos)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jorge Barcellos (*)

Um mistério fascina a direita: a razão pela qual Lula, mesmo preso e com toda a justiça em seu encalço, ainda lidera o prognóstico das eleições presidenciais de 2018.

Exploro um fator, sua autenticidade. Mas será que é disto que se trata? Byung Chul Han em “O terror da autenticidade”, capítulo de “A expulsão do diferente” (Herder, 2018), diz que hoje se fala muito em autenticidade porque é um ingrediente neoliberal, sinal de liberação. “Ser autêntico significa que se liberou das regras de expressão e de conduta prefiguradas desde fora”,  ideia de ser criador de si mesmo, base do empreendedorismo, assinala.

Para Han há uma diferença entre a autenticidade neoliberal e a… “original”. A neoliberal é aquela é nasce do imperativo de questionar-se a si mesmo, de vigiar-se a si próprio, ser original aqui é uma referência narcisistica, imperativo de produzir-se a si mesmo. Essa forma de produção do eu não tem relação com Lula porque este é um ator original: Lula não mede suas palavras em seus discursos porque age com naturalidade não programada. É que Lula, ao contrário do empresário de si mesmo, não se produz e nem se oferece como mercadoria, simplesmente porque ele não está se vendendo, ele é Lula, a liderança carismática com história.

É difícil para a direita imitar a autenticidade de Lula porque ela perde na comparação com os demais candidatos a presidente. Diz Han “A lógica de comparar igualando tem como efeito substituir alteridade por igualdade”. Quer dizer, comparar Lula com os demais candidatos só confirma a sua singularidade e originalidade frente aos demais. No mercado neoliberal de candidaturas, só Lula se destaca. Todos parecem ser mais do mesmo.Na corrida presidencial, cada candidato quer se apresentar como algo diferente dos demais, “porém essa vontade de ser diferente [só revela ] que tudo continua igual”, diz Han.

Na comparação com Lula, a igualdade dos demais candidatos só se reforça e mesmo preso, tira mais votos ainda de seus oponentes. É que Lula não tolera comparação, é a utopia do líder de esquerda viva, como foi Vargas e Jango em sua época. Toda a crítica a Lula se transforma em Atopia, no sentido dado por  Roland Barthes em sua obra “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, onde afirma que  “atópico, [é quando] o outro faz esquecer a linguagem:  não se pode falar dele, sobre ele; todo atributo é falso, doloroso, torpe, mortificante”.  Da mesma forma, nos termos de Han, Lula se torna o objeto do desejo político das massas  e como tal, incomparável e singular. Então a questão é que não se trata de autenticidade como poderia ser a primeira vista, mas de singularidade.

Esse ponto produz uma inflexão. É o momento que vemos que Lula não é autêntico, mas sim singular. “A autenticidade pressupõe a comparação. Quem é autêntico, é diferente dos demais” diz Han. Porém, Lula é atopos, é incomparável “Não só é distinto dos demais, é distinto de tudo que é distinto dos demais”, finaliza Han. Esse é o problema das eleições: ela é a cultura política que nos obriga a constante comparação entre os candidatos, e ao olhar, tudo se torna igual.

A reflexão quer nos mostrar que estamos consumindo a política como consumimos qualquer outro produto. Não deveria ser assim. A sociedade de consumo visa eliminar a alteridade atópica, o que nos faz singular, em favor de diferenças que podemos ver e consumir. Por isso não é a autenticidade de Lula que atemoriza a direita, é a sua singularidade, é o fato de que não é igual em nenhum aspecto aos outros: mesmo Marina, que com sua origem mais se aproxima de Lula, ainda assim cai no pecado da aliança a lideranças iguais as demais. Lula é Lula, os outros é que são iguais. E para ira da direita, parecem que nem suas alianças ao centro do espectro político resultaram em dano a sua imagem.

Cada um dos candidatos a presidente reivindica sua autenticidade e a de seu programa, para gerar diferenças que possam ser consumidas pelo público eleitor. Seus discursos são como mercadorias que visam conquistar o voto e os cidadãos, ouvindo seus discursos, exercem o consumo político. Por isso que o discurso da autenticidade, defendido pelos candidatos, não forma cidadãos soberanos, mas apenas um comércio de signos políticos. O problema da defesa da autenticidade pelos candidatos é esta é uma forma de narcisismo político que não enxerga o Outro. Cada político reduzido ao seu ego não percebe os matizes dos demais candidatos, a consequência é que o Outro desaparece para cada candidato, não há interlocução, não há troca. Fim do debate político.

Campanhas políticas são espaços de investimento de energias utópicas sobre o eleitor. Mas o eleitor é sempre uno, daí o investimento pesado na carga de emoção na política. Essa energia depositada no eu gera sentimentos negativos do cidadão para com seus políticos, que os percebe cada vez mais como iguais.

Por isso os candidatos temem Lula: temem que, se liberto, ganhe as eleições. Lula, com sua história, com sua trajetória, mas principalmente, com sua singularidade política, produz medo nos concorrentes. O medo surge quando os candidatos reconhecem que perdem a capacidade de conquistar o voto dos eleitores com Lula. Para os demais candidatos, por causa de Lula seu mundo fica vazio e carente, não conseguem se relacionar com o eleitor, com a massa. E se não conseguem se efetivar com o público, só podem olhar para si mesmos e ver suas fraquezas “A depressão se explica em função de uma acumulação narcisistica de libido para consigo mesmo” diz Han.

Na democracia de emoção que vivemos como define o filósofo Paul Virilio, a política e desejo se misturam. Ninguém, nem mesmo candidatos, podem produzir por si próprios o sentimento de autoestima. Precisam dos cidadãos enquanto espelho, instância de gratificação porque o voto é a demonstração (Freud) de uma forma de amor, o voto diz que o cidadão aprecia o político, o reconhece. Com Lula, os demais percebem que o olhar de reconhecimento público desaparece.

Lula tem autoestima, ele sabe que é importante para milhares de pessoas, como os atos de São Bernardo do Campo demonstraram. Mesmo ali, as vésperas de ser preso, Lula sabia que era importante para outros e ao olhar as cenas, todos os demais candidatos sentiram um frio na barriga. Quando os demais candidatos vão a público tentando reagir –e normalmente isso é feito dizendo uma nova imbecilidade – mas vemos o quanto os candidatos demandam atenção do público.

Tais discursos são da mesma natureza do autolesionamento de vítimas de depressão. Não é notável que a depressão seja a imagem sugerida pelos políticos alcançados pela polícia, presos, como se estivem lesados de algo? Eles não parecem, como diz Han, “cansados de si mesmo? ”. Seja Maluf ou qualquer outro preso pela Lava Jato, as imagens sempre são de alguém deprimido, incapaz de libertar-se de si mesmo, de sua condição, alguém que perde tudo o que o fazia diferente dos demais. ”Eu posso tocar a mim mesmo, porém só me sinto a mim mesmo graças ao contato com o Outro. O outro é constitutivo da formação de um eu estável”, diz Han.

Na política brasileira, não há diferença, tudo é o império do igual. É como se a política estivesse vivendo seu momento de depressão, pois perdeu a base da democracia que é o diálogo e o conflito. A cultura de rendimento chegou a política, e com ela, a pasteurização que reduz conflitos “pois tal trabalho requer muito tempo” (Han). Ora, não é exatamente essa semelhança entre o discurso dos demais candidatos entre sí que os mata quando comparada com Lula? Os demais candidatos sabem que precisam se homogeneizar porque se não, não haverá alianças políticas possíveis. Mas política é conflito.

Os demais candidatos estão perdendo imagem pública porque recusam o conflito político, exatamente o caminho trilhado por Lula. Os políticos só vão crescer em suas candidaturas se investir nas diferenças, e com isso, estabelecer conflitos, pois deles, surgem as verdadeiras identidades.

E porque tantos valorizam Lula? Porque também, por outro lado, vivemos uma geração de eleitores vazia. É a geração digital, geração internet, geração smarthphones, onde tudo o que vale é o selfie. Essa geração vazia também necessita produzir em si mesmo singularidade, e por isso, ao ver que Lula tem conteúdo, é alguém autêntico, singular, o cidadão tem sua identidade reconstruída. Lula não é só um candidato, é uma instância imaginária de gratificação, figura completa que por suas ações, cede autenticidade ao eleitor.

(*) Historiador, mestre e doutor em educação pela UFRGS responsável pelo site jorgebacellos.pro.br e pela coluna Democracia e Política do Jornal O Estado de Direito. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015) e de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. 

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As opiniões emitidas nos artigos de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento do Sul21.


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