Miguel Idiart Gomes (*)
Eu me acordo com barulhos de batucada e gritos de “bom dia Presidente”. Logo depois, um carcereiro entra na cela com a bandeja de café, pão e água. Leio as cartas do povo que não param de chegar, já
vieram mais de 10 mil.
Sinto falta dos meus filhos, meus netos e da minha companheira. As horas aqui passam devagar. Leio livros para alimentar a mente, faço deles um peso pra exercitar o corpo.
Nunca tive tanto tempo pra assistir televisão. E agora entendo ainda mais porque o povo está assim desse jeito. As novelas impõe hábitos nada convencionais, os jornais ideologizam as notícias e as
propagandas vendem ilusões.
A batucada lá fora faz pulsar meu coração. Me alimento da força dessa gente, que tem sangue vermelho que escorre na luta do dia-dia pra sobreviver.
Faça sol, chuva, frio ou calor, desde que parei aqui, ouço o povo do lado de lá. Isso me fortalece, me inspira e me deixa vivo.
Fiquei sabendo que mais de mil pessoas acampam no entorno do cárcere. Me falaram que o ex-governador Olívio Dutra, meu companheiro deputado constituinte, onde moramos juntos na época, veio aqui perto. Mas não deixaram entrar, como não deixaram Leonardo Boff, Adolfo Perez Esquivel, deputados, senadores e recentemente até a Presidenta eleita legitimamente, Dilma Rousseff, não puderam me visitar. No final do dia durmo com gritos de “boa noite Presidente”.
Para quem passou fome no nordeste, não sabem a força que eu tenho. Aqui a história é outra. Estou firme e forte ao lado de vocês.
Esse texto podia ter sido escrito pelo governante que fez do Brasil a 6ª economia mundial. Que tirou o país do mapa da fome mundial e que no relatório da ONU de 2015, o Bolsa Família foi retratado como uma espécie de modelo de programa social bem-sucedido. Esse texto poderia ter sido escrito por quem criou o Prouni, a Minha Casa Minha Vida, as Cotas nas universidades. Ou quem aumentou o salário mínimo em 72%, mas não, esse texto é meramente uma crônica, na tentativa de descrever os eventos de acordo com a minha visão crítica. Na esperança que um dia a liberdade não seja apenas de um preso político, mas de todo o povo brasileiro.
(*) Presidente da 2ª zonal do PT/POA
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