Opinião
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11 de abril de 2018
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13:14

Das dúvidas sobre a verdade à seleção das respostas (por Jacques Távora Alfonsin)

Por
Sul 21
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Das dúvidas sobre a verdade à seleção das respostas (por Jacques Távora Alfonsin)
Das dúvidas sobre a verdade à seleção das respostas (por Jacques Távora Alfonsin)
Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Jacques Távora Alfonsin

 Os fundamentos invocados pelas/os ministras/os do Supremo Tribunal Federal para determinar a prisão do ex-presidente Lula, antes de serem esgotados os recursos da sua defesa, estão dividindo de forma candente as opiniões dos juristas. Desde o aplauso de apoio, em tom que está aparecendo mais reservado –  sintomaticamente – até a crítica contrária mais acerba.

 Como ocorre em todo o julgamento, onde se encontre processada uma pessoa famosa, esse também não conseguiu convencer grande parte das/os suas/seus intérpretes sobre a verdade e o peso das provas que teriam sido reunidas para a condenação de Lula e a determinação de sua prisão. Argumentos pró e contra, descontados os exageros da paixão, da ideologia, do interesse ou até da manipulação, presentes em muitas opiniões, até os que se baseiam na analise conclusiva dos fatos estão sendo admitidos como verdade inconteste, por um lado, e falsidade evidente pelo outro.

 Fora do mundo técnico do juridiquês, uma característica marcante dessa nova realidade se verifica numa visível coincidência classista da divisão que “julga” o julgamento do Supremo. Ricos, empresários, pequenos burgueses, classe média, só vê na sua decisão a mais legítima garantia de aplicação da lei e da justiça. Chovem elogios ao juiz Moro e ao STF. Pobres, trabalhadoras/es, operárias/os, camponesas/es, gente desempregada e beneficiada com as políticas sociais implementadas durante os governos Lula e parte do governo Dilma, estão indignadas/os, se mobilizando até para realizarem novos protestos massivos, promoverem a desobediência civil em defesa da liberdade dele e da possibilidade de se candidatar à presidência da República nas eleições deste ano.

  Isso não tem nada a ver com o Poder Judiciário e suas sentenças? Tem sim, e muito. Alguns dogmas solenemente repetidos sobre a neutralidade, a imparcialidade judicial, ignoram que as/os juízas/es, não são pessoas feitas de palha, tão distantes de qualquer influência que as/os torne imunes aos poderes classistas, econômicos, sociais, políticos, culturais, filosóficos, ideológicos,  submetidos às suas sentenças. Ignorar que uma boa parte delas/es também tem perfil classista e não vê inconveniência alguma em gozar de privilégios inexplicáveis até do ponto de vista ético é pura ingenuidade. Qualquer grupo humano tem os seus defeitos e as suas virtudes; em relação às críticas que se fazem ao Poder Judiciário, o problema encontra-se na reducionista generalização que se faça de nele só se ver defeitos ou só se identificar virtudes, como está acontecendo agora, depois do julgamento do ex-presidente.

  A decisão do Supremo acaba servindo de aviso. Ela revelou de forma bastante clara que a cuidadosa seleção das respostas às dúvidas decorrentes do caso, fossem as legais, as constitucionais, as de fato, só alcançou fim com um voto de desempate da Presidente Carmen Lucia, por si só um atestado do quanto o tal acórdão é duvidoso em sua fundamentação e em sua conclusão. Tudo decorreu de preocupação com a verdade, com a justiça, com a  mais rigorosa aplicação da lei, inocência ou não do réu, efeitos da inexistência, ainda, de coisa julgada, possibilidade ou não de o réu estar habilitado a recorrer?  – Não, nem de forma subretícia, como não poucos julgados costumam utilizar. A extensão dos arrazoados que sustentaram alguns votos pareceu tentar explicar que o “devido processo legal”, naquele caso específico, “justificava” a prisão do réu, embora ainda não existisse coisa julgada contra ele, como a Constituição Federal exige… É o caso de se perguntar, mesmo   ao estudante de direito  recém chegado à faculdade: Isso não constitui puro casuísmo?

 Para vencedoras/es e vencidas/os, este julgamento  ainda vai gerar muita discussão, mas também muitas lições. De imediato uma de muita humildade para o Poder Judiciário, pois ele não sai prestigiado nesse caso. O exercício da sua autoridade, de resto já assim concebida por grande parte da magistratura brasileira, precisa reconhecer o direito do povo a que deve servir, dotada de menos arrogância, menos solene, burocrática, conservadora e rotineira, mais próxima de quem julga. A humanidade está cansada de saber que a justiça não se esgota na lei, e ela também tem o direito de interpretar as regras jurídicas que dependendo da sua aplicação, só servem para ferir a sua dignidade. Sua voz e vez, assim, pelo menos num Estado que se pretenda democrático e de direito, precisa ser ouvida sem tanta cerimônia e formalismos impeditivos.

  O fato de se chamar a atenção aqui para o perfil classista que caracteriza os grupos de apoio e de rejeição à decisão do Supremo pode parecer estranho à crítica de uma decisão judicial.  Se não por outros motivos, todavia, ela demonstra, ressalvado melhor juízo, como as decisões do Poder Judiciário, legais ou não, justas ou injustas, se refletem de forma bem diferenciada em toda a sociedade, de forma visivelmente favorável à uma classe social sobre outra. Assim na sociedade brasileira, como na mundial, está havendo a necessidade, com urgência, de se buscar um novo “ponto de partida” na feliz expressão de Edgar Morin, no seu livro “Rumo ao abismo? Ensaio sobre o destino da humanidade”, no qual nos previne contra poderes ocultos que impõem um “desenvolvimento” alheio às exigências mais elementares de uma verdadeira justiça. Essa não se reduz, como todo/a juiz/a sabe, a um processo a ser julgado nem tem efeito, apenas, numa simples relação autor e réu. Está inserida num mundo globalizado onde o cuidado apenas com os efeitos de um conflito social permanente entre ricos e pobres pode realimentar causas indesejadas e injustas, como está acontecendo no quotidiano das/os brasileiras/os. Morin nos previne contra os poderes existentes por trás de qualquer decisão privada ou pública (de qualquer sentença judicial poder-se-ia acrescentar) que não leve isso em conta:

  “O desenvolvimento ignora que o crescimento tecnoeconômico também produz o subdesenvolvimento moral e psíquico; a hiperespecialização generalizada, as compartimentalizações em todos os domínios, o hiperindividualismo, o espírito de lucro que conduzem à perda de solidariedades. A educação disciplinar do mundo desenvolvido traz muitos conhecimentos, mas engendra um conhecimento especializado que é incapaz de compreender os problemas multidimensionais e determina uma incapacidade intelectual de reconhecer os problemas fundamentais e globais.” {…} “O desenvolvimento desenfreado traz consigo {…} poderes assustadores de manipulação. O termo desenvolvimento estável ou sustentável pode retardar ou atenuar esse curso destruidor, mas não pode modificá-lo. De agora em diante, trata-se não tanto de retardar ou de atenuar, mas de conceber um novo ponto de partida”.

  No ritmo vertiginoso da história moderna, a “seleção das respostas” a serem dadas a conflitos humanos, como as esperadas de qualquer Estado de Direito, Judiciário inclusive, esse ponto de partida pode bem ser o de não se desprezar as verdades denunciadas por este pensador, muitas vezes escamoteadas nos processos judiciais quando deixa-se de perceber a substituição dos fatos pelas suas versões. A interpretação e a aplicação das leis não pode se submeter a “poderes assustadores de manipulação”.


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