Opinião
|
22 de abril de 2018
|
14:47

Carta Aberta ao Presidente Lula (por Flávio Aguiar)

Por
Sul 21
[email protected]
Carta Aberta ao Presidente Lula (por Flávio Aguiar)
Carta Aberta ao Presidente Lula (por Flávio Aguiar)
“Caro Presidente, para encerrar, lhe envio esta criação alusiva ao 21 de abril que eu e mais dois artistas plásticos elaboramos”.

Flávio Aguiar, de Berlim

Caro Presidente Lula,

Em primeiro lugar, permita-me trata-lo assim. Isto não significa desrespeito à companheira Dilma, última presidenta legítima do Brasil. É um vezo meu. Por exemplo: nunca deixei de chamar o companheiro Leonel Brizola de “Governador”. E não era porque ele fora governador do Rio de Janeiro. Era porque ele fora e é o imortal Governador da Legalidade, de 1961, uma das poucas ocasiões em que um golpe de estado posto em marcha teve de recuar e perdeu, embora a saída tenha sido, naquela ocasião, o empate técnico do Parlamentarismo.

A vontade de lhe dirigir esta carta aberta me veio de uma pluralidade de motivos. O primeiro foi a desfaçatez do déspota de plantão, que foi à TV comparar-se com José Joaquim da Silva Xavier. Ora, além de desrespeito ao nosso primeiro mártir da Independência, isto é um desrespeito a você, porque todo mundo sabe que você é o nosso Tiradentes do século XXI. Outro motivo foi a decisão desta juíza de primeira instância de Curitiba, proibindo a visita de Adolfo Perez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, e de Leonardo Boff, um dos mais importantes teólogos do Cristianismo de todos os tempos. São pessoas – todos vocês três – que têm a idade de ser seu pai, ou avô. Tudo o que tenho a dizer sobre ela é que um dia, se Deus e o Diabo permitirem, ela há de envelhecer. E aí, quem sabe, se dará conta da atrocidade que praticou. Bem, se não se der, seria porque se empedrou por dentro, condenada a um destino semelhante ao do gigante Adamastor, de Camões, o Mostrengo, de Fernando Pessoa.

Outro motivo foi a impropriedade, que li, de idiotas defensores dos privilégios (que confundem com direitos) dos latifundiários do extremo sul do país, de meu estado natal, o Rio Grande do Sul, invocando a legenda farroupilha para agredir a você e os participantes da sua caravana pela cidadania. Tenho a certeza de que muitos dos legendários republicanos de 1835 – 1845, se vivos fossem, estariam solidários com você nesta cela de Curitiba. Para não cometer injustiças pelo esquecimento, vou me referir apenas a três deles.

O primeiro é o menos conhecido: o Coronel Teixeira Nunes, que armou, treinou e mais que comandou, liderou as Brigadas dos Corpos de Cavalaria dos Lanceiros Negros, ex-escravos que combatiam com os Farrapos e eram o terror dos Imperiais. Eles hoje dão nome a um dos principais movimentos de Sem-Teto na capital dos gaúchos, Porto Alegre. Odiado, Teixeira Nunes foi implacavelmente perseguido e degolado pelos Imperiais num momento em que já se negociava a paz que, de fato, foi assinada algumas semanas depois de sua morte, em Ponche Verde.

Os outros dois quase dispensam apresentação: são Anita e Giuseppe Garibaldi, a “heroína e o herói de dois mundos”, combatentes libertários, testemunhas vivas até hoje da liberdade das paixões e da paixão pela liberdade. Não tenho a menor dúvida de que, vivos fossem, estariam tentando também visitá-lo, com Perez Esquivel e Leonardo Boff.

Nossa relação, caro Presidente, vem de longe. Tenho guardado um pequeno documento que a atesta. Trata-se de um papelzinho, quase um 3 x 4, que você assinou num longínquo dia de 1980, quando era Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, naquele tempo, dito de São Bernardo, hoje do ABC. Foi o ano de uma das greves que marcaram o começo do fim da ditadura inaugurada em 1964. Eu morava então no Canadá, e organizara uma coleta de fundos, que rendeu cerca de 200 dólares canadenses, naquela época uma pequena fortuna, que lhe foram entregues pelo presidente da Associação dos Docentes da USP, a ADUSP, no campus do Butantã, auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, idealizada pelo imortal Artigas. Eu pedi ao Presidente da ADUSP que solicitasse um recibo, para apresentar aos contribuintes canadenses. E você o escreveu e assinou: “Luís Inácio da Silva”. Você ainda não era o Lula, e era chamado pelos companheiros sindicalistas mais próximos de “Baiano”.

Bom, tivemos um mentor comum: o padre Valter Seidl, que foi meu professor no Colégio Anchieta, de Porto Alegre, e depois foi pároco da Igreja do Carmo, em Santo André, a cuja paróquia o Sindicato, de que você era o Presidente,  pertencia. Você dizia que, se fosse eleito Presidente, o levaria para ser o Capelão do Palácio do Planalto. Infelizmente ele nos deixou lá por 1996, se não me engano.

Agora estamos nesta situação: você detido nos 15 metros quadrados de uma cela em Curitiba e eu a um oceano e muitos quilômetros depois, em outro hemisfério, mas com meu coração cativo aí com o seu. Assim como – sei – há milhões de corações detidos com você, nesta cela a que o condenaram injustamente. Ela não é uma solitária, é uma “solidária”, tamanha é a solidariedade mundial com você. Imagino que os seus algozes – os Lava Jato, os Power Points, os juízes do Supremo que rasgam a Constituição, os coveiros da democracia na mídia – além da obtusidade do seu pensamento, devem sofrer com o verme da inveja que rói as suas entranhas.

Como disse o Perez Esquivel, você liderou um movimento ascensional de dezenas de milhões de pessoas e famílias que saíram da miséria e da pobreza em direção a uma vida melhor. Além disto mostrou ao mundo e a nós mesmos o potencial de um país como o Brasil enquanto líder de uma promoção da paz no mundo. Você fez por merecer o prêmio a que agora é candidato. Não sabemos se você vai recebe-lo. O colegiado que o concede é uma incógnita. Além disto o Brasil oficial é especialista em sabotar seus candidatos ao Nobel. Isto aconteceu com Carlos Chagas, na Medicina, sabotado pela inveja de colegas que lhe negavam o mérito da caracterização da doença que hoje herdou o seu nome. Também aconteceu com D. Helder Câmara, quanto ao Nobel da Paz, em 1971. O governo ditatorial de então fez de tudo para sabotar sua candidatura. O Nobel daquele ano foi para Willy Brandt. Não que este não o merecesse. Mas consta, extra-oficialmente, que o resultado na Comissão que concede o prêmio foi 3 x 2 entre ele e D. Helder. Não duvido que o atual governo Silvério dos Reis fizesse a mesma sabotagem em relação a você.

Enfim, caro Presidente, para encerrar, lhe envio esta criação alusiva ao 21 de abril que eu e mais dois artistas plásticos elaboramos.

Valeu, Presidente. A Liberdade o aguarda, assim como a tumba do Esquecimento aguarda seus algozes.

Um abraço,

Flávio Aguiar


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora