Opinião
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26 de abril de 2018
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11:25

A jornada de Ana Amélia até a Al Qaeda (por Ayrton Centeno)

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Sul 21
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A jornada de Ana Amélia até a Al Qaeda (por Ayrton Centeno)
A jornada de Ana Amélia até a Al Qaeda (por Ayrton Centeno)
Senadora Ana Amélia Lemos tem fazenda no EStado de Goiás | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Ayrton Centeno (*)

Ente televisivo nas suas décadas de RBS, a senadora Ana Amélia retornou com fúria às telas. Verdade que, em 2014, desfrutara de alguns momentos de notoriedade antes de sua campanha para o governo do estado derreter-se como gelo ao sol. Dois anos mais tarde, naquela sessão notável em que Dilma sovou seus oponentes e, mesmo assim, o Senado convalidou o golpe, a senadora atraiu novamente os holofotes. Não pela retórica mas por seu figurino de ave do paraíso, onde se ressaltava o amarelo dos palmípedes da Fiesp. Agora, quando os arquitetos políticos do impeachment murcham nas pesquisas de opinião e os patos da avenida Paulista expõem tão somente uma, digamos, patologia, Ana Amélia regressa à ribalta.

Vem à bordo de uma pós-verdade, que é o nome novo de uma palavra antiga, a mentira. Tão logo a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, denunciou à Al Jazeera, a poderosa rede de televisão do Catar, a perseguição política e a prisão de Lula, pedindo ao mundo árabe que se una aos esforços por sua libertação, Ana Amélia considerou que passava ali um barco em que poderia pular dentro, o da confusão.

Distorcendo o sentido do apelo de Gleisi – ademais, também feito à emissoras de TV de vários recantos do planeta – encilhou seus adjetivos, acolherou os verbos e cavalgou peça de oratória na qual atribuiu à adversária um possível apelo “ao Exército Islâmico” (sic), dissidência da Al Qaeda, para resgatar o ex-presidente. Dada a senha, a matilha de odiadores farejou a presa e passou a ladrar nas redes sociais amplificando o disparate.

Não faltaram figuras patuscas para morder uma perna do assunto na Câmara e no Senado. Uma delas, certo major Olímpio, deputado pelo PSL de Bolsonaro, pediu ao TSE que extinga o PT…Outro pândego, o senador José Medeiros, do Podemos/PR, representou contra Gleisi no conselho de ética da casa. No furdunço das redes, houve tanto aqueles que se regozijaram com a fala de Ana Amélia quanto os que aproveitaram a ocasião para turbinar o escárnio, argumentando que a senadora confundiu Al Qaeda com “Al Fafa” ou com “Al Zheimer”…

Embora nomeando o “Estado Islâmico” (ISIS) como “Exército Islâmico”, erro crasso para uma jornalista, Ana Amélia entrou nessa de caso pensado. Não foi uma trapalhada conectar a Al Jazeera ao Estado Islâmico. A Al Jazeera nada tem a ver com terrorismo, pertence ao governo do Catar, atinge todo o mundo árabe e transmite em vários idiomas, inclusive inglês.

Entendeu que precisava atirar ao seu público um naco gordo da velha e boa ignorância. Seu eleitor carece de ilustração e não de trevas. Mas a jornalista (!) achou – talvez com motivo – que sua clientela mais apreciaria roer algo a que está acostumada desde sempre. Aquilo que, salivando, espera receber. E tome preconceito, tome desinformação, tome xenofobia.

Seu eleitor padrão talvez seja o poltrão pilchado que usa o relho contra um manifestante desarmado durante a passagem da caravana de Lula por Santa Maria. Cena que rendeu foto histórica flagrando o teor das nossas relações sociais no Brasil-Colônia. E no interior do Rio Grande do Sul no século 21. Algo que mereceu aplausos da senadora da RBS. E depois, no Paraná, vieram os tiros…

De Ana Amélia ignora-se qualquer denúncia do autoritarismo. Nem ela nem seus patrões da RBS se queixaram ao longo de 21 longos anos. Tanto que, ao optar por uma legenda, escolheu o PP, herdeiro da Arena, partido responsável pela coreografia civil do regime militar. Tudo com discrição protocolar. Seu palavrório recente, contudo, destoa disso. De ameno, tornou-se virulento e agressivo. Qual a razão de tomar caminho tão insólito? É provável que a resposta resida na sua incerta recondução ao Senado nas próximas eleições.

São duas vagas e uma legião de oponentes. Entre os quais, o também senador Paulo Paim, o ex-governador Germano Rigotto, o ex-prefeito de Porto Alegre José Fortunatti, o ex-candidato a vice presidente em 2014, Beto Albuquerque, e sabe-se lá quantos mais — em 2010, com duas cadeiras em jogo, foram dez.

É plausível supor que o bolsonarismo em ascensão tenha motivado os cálculos da senadora. Afinal, a escolha do PP para o Palácio Piratini segue o mesmo rumo. A pregação do deputado Luis Carlos Heinze não se distingue da verborragia bolsonarista. Com a adesão de Ana Amélia à truculência de viés oportunista, fixa-se o eixo que passa por Heinze e culmina em Bolsonaro.

Na última pesquisa Datafolha, o capitão da reserva do exército obteve 18% das intenções de voto na região Sul. É um percentual que deve ultrapassar em terras gaúchas. No Rio Grande, ao contrário do Paraná com Álvaro Dias, inexiste candidato presidencial com raízes locais — Dias atinge 11% no Datafolha, tragando não somente votos de Alckmin mas também de Bolsonaro.

Na disputa rio-grandense, em virtude da pulverização da concorrência, quem somar aos seus eleitores mais fiéis os 20% do candidato presidencial do PSL possivelmente garantirá um dos dois lugares do Senado. Em outros termos, quem encantar o bolsonarismo — “Veja, eu sou tão horrível quanto ele!” – poderá vencer.

Ana Amélia, então, estaria apenas buscando sintonia com o apostolado tóxico de Heinze e Bolsonaro. As referências ao ISIS não vinham da geopolítica. Era só matemática. Sim, com um plus de comédia, mas matemática.

(*) Jornalista


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