Opinião
|
19 de abril de 2018
|
13:47

A educação confinada (por Sofia Cavedon)

Por
Sul 21
[email protected]
A educação confinada (por Sofia Cavedon)
A educação confinada (por Sofia Cavedon)
Foto: Candace Bauer/CMPA

 Sofia Cavedon (*)

 Assim percebi a educação ao visitar pelo menos 12 escolas municipais de Porto Alegre nesse início tardio de ano letivo.  Aprisionada em regras anacrônicas impostas à organização da rotina e currículos escolares – um engessamento que afronta a gestão democrática consagrada em lei e resultante de intensa e longa construção coletiva da rede municipal de ensino e da luta pela democratização das políticas públicas no Brasil. São limites restritos para sábados letivos, determinação por diário oficial de início e término do ano, do tempo máximo no dia do professor na escola, proibição de apoio pedagógico no momento da alimentação, controle por meio eletrônico de qualquer alteração de cumprimento de tempo escolar, indicando para isso dezenas de códigos a serem comprovados com centenas de atestados anexados ao sistema eletrônico de ponto, verificados meses depois, exigindo dias de trabalho e retrabalho da equipe de direção da escola numa burocracia inócua, esvaziada de pedagógico, persecutória e engessadora da rotina escolar.

 Confinada à métrica da redução de custos a qualquer custo, onde a conta final em números de profissionais é o objetivo central. Explico: de no máximo 15 horas/aula a cada 20 h de trabalho, o prefeito passou para 17 as horas aula a serem cumpridas, como se não fosse preciso prepará-las e avaliá-las. Ter reduzido de 4000 professores em 2004 para 3800 em 2018, mesmo a rede e as matrículas tendo crescido, é a evidência de quem aposta numa escola pobre para os filhos e filhas dos trabalhadores, de quem não se importa com falta permanente de professores.

 Educação confinada ao preenchimento das horas de turno integral, sem considerar a faixa etária das crianças, impondo aos pequenos que ficam todo o dia na escola, aulas com vários professores.  Assim, projetos de alto nível de desempenho como a Robótica, a Dança, Esportes e Música estão acabando por serem enquadrados ao horário para fechar turno integral, desconhecendo interesse e talento dos e das alunas.

 Educação submetida à insegurança pela perda da política de apoio da guarda municipal que tinha o caráter de garantir o serviço público – patrimônio e servidor – lá na periferia da cidade onde estão as escolas, os postos de saúde, a assistência social, a atividade esportiva. Agora a guarda sombreia as funções da Brigada Militar, da Fiscalização municipal e reprime movimentos sociais, desguarnecendo quem mais precisa de sua atuação.

 Retirada toda a autonomia da gestão do tempo escolar e do cumprimento da carga horária dos profissionais, o trabalho de ensinar na sua dimensão imaterial, de pensamento, pesquisa, leituras, ampliação cultural, foi cerceado pelo limite do espaço físico e pela métrica do relógio ponto. Em pleno século 21, da pós-modernidade, da tecnologia e da produção remota do planejamento e avaliação da prática pedagógica, Marchezan pensa a escola na era da revolução industrial, século XVIII, aplica métodos onerosos e obsoletos de controle burocrático do ofício de mestre. Ele que vibrou com carregadores de celular em paradas de ônibus na França, não quer gastar com equipe campeã de robótica classificada para o mundial, precisava ver como estão desmantelados os ambientes informatizados das escolas e as caras lousas digitais todas encaixotadas! Confina estudantes ao seu território, cerceando a produção de ponta do conhecimento.

 A efervescência da reestruturação curricular de anos de construção da escola cidadã, de ambiente e currículo criativos, inclusivos, humanizadores e promotores de aprendizagem, estão gravemente ameaçados! Mas não há quem submeta a utopia que move educadores e comunidades que já produziram uma escola referência para o mundo, e logo as cercas que a aprisionam serão derrubadas pelos ventos da rebeldia pedagógica do compromisso com o direito à educação de qualidade de todas e todos.

(*) Professora e Vereadora do PT/Porto Alegre


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora