Opinião
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22 de março de 2018
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17:38

Quem é a classe trabalhadora? (por Clarananda Barreira)

Por
Sul 21
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20/03/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ato em memória de Marielle Franco na Esquina Democrática. Foto: Giovana Fleck/Sul21
“A classe trabalhadora é mulher, negra, na América Latina a classe trabalhadora é jovem”. Foto: Giovana Fleck/Sul21

Clarananda Barreira (*)

Se essa pergunta fosse feita antes da queda do muro de Berlim a resposta seria é o proletariado, é aquele que não detêm os meios de produção e vendem sua força de trabalho. Mesmo antes do fim da URSS, mas necessariamente pós ficou mais naturalizado questionar o marxismo. Os teóricos dos novos movimentos sociais vão questionar a visão de um sujeito histórico universal, enquanto os partidos de esquerda ortodoxos vão olhar para qualquer outro movimento social que surja como forma de dividir a classe trabalhadora.

A partir dos anos 60 é que o movimento feminista ganha corpo na sua teoria, nas estruturas acadêmicas e nos movimentos e organizações sociais. O movimento feminista inicialmente tem peso na Europa e no EUA, ou seja, no norte. O feminismo no sul se estrutura, principalmente, pós o processo de redemocratização na América Latina, as mulheres já participavam ativamente das lutas sociais, porém foram se organizar enquanto mulheres depois. Inclusive muitas mulheres que foram exiladas políticas por conta da ditadura entraram em contato com o movimento feminista na Europa, mas são impedidas de se atrelarem a eles porque as pautas feministas aos olhos dos partidos de esquerda dividiam a luta de classes, muitas mulheres exiladas foram ameaçadas a não terem ajuda financeira para suas famílias se continuassem a participar de grupos feministas¹.

O Feminismo Negro e os Feminismos do sul vão agregar muito a teoria feminista, pois são essas vertentes que inserem o recorte de classes. A própria Simone de Beauvoir² diz ter demorado em militar na luta das mulheres e se afirmar feminista por conta dessa dicotomia que ela achava existir, porém visualizou que nos países socialistas as condições das mulheres até podiam ser melhores, mas que ainda seu papel era subalterno. Ela ainda afirmava não tinha mais tempo, e que ficava a cargo das novas gerações de escreverem sobre a relação de classes e as mulheres. A outras gerações seguiram formulando, mas Angela Davis³ já estava na ativa e o livro “Mulher, Raça e Classe” foi um dos marcos da teoria feminista classista.

O patriarcado é anterior ao capitalismo, assim com a escravidão. O Capitalismo se estrutura a partir destes dois pilares, racismo e patriarcado. E é somente pós-revolução industrial que se constitui a classe trabalhadora como se referencia o marxismo, ou seja, a classe trabalhadora se estrutura numa cultura já do patriarcado e racismo. Engels conta essa história no livro “A origem da Família e da propriedade privada”. Gramsci traz outra contribuição interessante, desenvolve o conceito de hegemonia cultural, e que para romper com o sistema capitalista precisamos entender os mecanismos dessa alienação, por meio dos sistemas simbólicos (Bourdieu).

Há um pouco mais que uma década, para que a esquerda absorvesse essas pautas como suas se dizia que existia uma tríade a ser enfrentadas juntas: Negritude,Mulheres, Classe Trabalhadora, porém, continuavam a entender que existia uma hierarquia entre essas categorias. Sendo assim deixa de analisar apenas como categoria e se entende que a classe trabalhadora tem características que a define, ela tem cara! A classe trabalhadora é mulher, negra, na América Latina a classe trabalhadora é jovem. Quando se dá um rosto para essa classe que até então era apenas algo homogêneo e uno, se pode aprofundar como o próprio sistema atua, e ao mesmo tempo se conectar com a mesma. “As minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade numérica, mas sim como maiorias silenciosas que, ao se politizar, convertem o gueto em território e o estigma em orgulho”*, assim a tomada de consciência.

Na lógica de que a esquerda, mas precisamente suas direções, que também tem uma característica clássica, precisa parar de criar dicotomia e cisões, só será possível enfrentar o que vou dizer agora se estiver unida: o fascismo! Hoje, qualquer ação violenta e de ódio se traduz em uma única palavra, fascismo, mas o que é o fascismo? Talvez de forma banal retomo o seu conceito, o fascismo foi um movimento político, filosófico e um regime (Mussolini – Itália, Franco- Espanha) que fez prevalecer os conceitos de nação, de uma raça sobre os valores individuais, um governo autoritário e ditatorial, disso se desenvolveu o nazismo que afirma ainda a superioridade de uma raça.

Quando não se retoma, mesmo que de forma rasa o que estamos enfrentando invisibilizamos o que de fato o que está por trás dessa ideologia, nesse neo-fascismo. A denúncia de que o essa onda neo-fascista estava crescendo foi realizada em inúmeros momentos, porque os movimentos negro e o movimento feminista estão enfrentando o seu crescimento no seu cotidiano, desde do racismo e xenofobia na Europa, quanto a perda de direitos das mulheres em vários países, o avanço das religiões fundamentalistas nas estruturas do estado. E os partidos políticos de esquerda não sabem como agir diante dessa onda, porque só se deram conta quando se desenvolve o processo do golpe institucional. O neo-fascismo ele preserva o capitalismo exatamente por ele saber que o mesmo se estrutura defendendo a estrutura familiar (patriarcal) com a perseguição aos homossexuais, e a própria defesa de uma raça soberana a branca. Quando eles atacam as negras e negros, os homossexuais, a autonomia das mulheres estão atacando classe trabalhadora e seus direitos. Se a esquerda e seus partidos políticos conseguirem entender que não existe divisão e sim que os movimentos sociais feministas, negrxs, LGBTQ como aliados significa se UNIR A classe trabalhadora e não fazer ações PARA a classe trabalhadora.

(*) Cientista social, especialista em Direitos Humanos.

Notas

¹ TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil.

São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.

² Schwazer, Alice. Simone de Beauvoir, hoje. Alice Schwazer; tradução de José Sanz. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1986.

³ Davis, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Tradução livre, plataforma Gueto_2013


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