Opinião
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11 de março de 2018
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11:09

8M 2018: precarização do trabalho no Brasil e o desmonte das políticas para as mulheres no RS (por Stela Farias)

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Sul 21
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Aumento dos índices de crimes sexuais no Rio Grande do Sul é preocupante. |(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Stela Farias (*)

No Dia Internacional da Mulher deste ano é urgente denunciar certos aspectos da violência de gênero que muitas vezes passam despercebidos, exceto por quem os sente na pele. Tratam-se dos enormes retrocessos produzidos pelo golpe de Estado, que o Brasil vive desde 2016 e cujo impacto sobre a vida das mulheres foi muito maior, tanto do ponto de vista econômico, quanto das violências específicas.

Não só porque foi um golpe cometido contra a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Mas, sobretudo, porque com essa ruptura institucional gravíssima, uma agenda fortemente regressiva substituiu leis e regulamentações que vinham sendo construídas para garantir que nosso país ingressasse numa fase civilizatória, na qual os direitos fossem assegurados na mesma medida para homens e mulheres.

A ameaça viva da reforma da Previdência e o impacto negativo da reforma trabalhista, principais objetivos do golpe, atingem com mais força as trabalhadoras, que já viviam uma situação de desigualdade de salários e condições de trabalho. As medidas estabelecidas na Lei 13.467, que trata da reforma trabalhista e na Lei 13.429, que alterou as regras do trabalho temporário e terceirização, modificaram a jornada e as condições de trabalho, além das formas de remuneração.

O trabalho intermitente reduz salário e a garantia de um valor predeterminado no final do mês, além de abolir o seguro-desemprego. A jornada foi ampliada e as negociações passarão a ser diretamente entre patrão e empregada. As férias serão fracionadas em períodos menores, sem sequer considerar a dificuldade que provocará às mães trabalhadoras durante as férias escolares de seus filhos.

No caso do contrato em tempo parcial, mulheres e homens já não têm acesso a vários direitos como aviso prévio, rescisão do FGTS, Seguro-desemprego e férias. Mas, como sempre, as mulheres sequer têm respeitada a estabilidade provisória das grávidas, o que estimula ainda mais a discriminação de gênero no mercado de trabalho.

A terceirização precariza as condições e as relações de trabalho. Ela retira qualquer responsabilidade dos contratantes sobre a geração de danos físico, psicológico ou financeiro sobre esses trabalhadores. Os contratos feitos através de Pessoa Jurídica comprometem inclusive a estrutura de remuneração. As gestantes e lactantes ficarão expostas a trabalhos degradantes em locais insalubres, que até então, eram proibidos.

A flexibilização da jornada de trabalho e sua ampliação para até 12 horas diárias sem pagamento de horas-extras, a redução do intervalo de almoço para 30 minutos e o parcelamento de férias em até três períodos são medidas que afetam diretamente o cotidiano das mulheres, em especial as chefes de família. Segundo o IPEA, em 2015 no Brasil, 66% das famílias eram chefiadas por mulheres sem a presença de um cônjuge, o que aumenta o risco de vulnerabilidade social. Isto, porque a renda média, especialmente a das mulheres negras, é bastante inferior não apenas a dos homens, como a das mulheres brancas.

A flexibilização das leis trabalhistas favorece e potencializa o assédio moral e o assédio sexual no ambiente de trabalho. A falta de responsabilização dos empregadores sobre as condições de trabalho dificulta a necessidade de ações afirmativas para inibir e combater essas práticas.

RS: desmonte e descaso com mais da metade da população gaúcha

Antes mesmo do golpe de 2016, uma das primeiras medidas do quarto governo do PMDB no Rio Grande do Sul foi abolir políticas públicas para as mulheres de forma permanente, retirando recursos públicos anteriormente destinados às políticas específicas, sucateando e fechando órgãos e políticas públicas destinadas a tal fim.
As medidas afetaram diretamente o enfrentamento à violência contra mulheres que precisa da atuação combinada entre os vários organismos e instituições públicas para o atendimento em rede, que compreende ações transversais nas áreas do sistema de Justiça, Saúde, Trabalho e Renda entre outros.

Com a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), levada a cabo pelo governador José Ivo Sartori, os projetos e programas específicos e transversais entre as secretarias foram totalmente extintos, incluindo a paralisação dos serviços da Rede de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência (Rede Lilás), causando graves consequências para a vida das mulheres gaúchas. A principal é o aumento do índice de feminicídios e de estupros, que mesmo subnotificados, vêm ocorrendo em escala crescente.

A partir de 2015, programas reconhecidos internacionalmente, foram gradativamente descontinuados. As Patrulhas Maria da Penha estão com as viaturas descaracterizadas e redirecionadas para outros tipos de atendimentos. As Salas Lilás, que contavam com recursos federais para atendimento das mulheres nos Postos Médicos Legais do Instituto-Geral de Perícias, estão praticamente desativadas. A falta de recursos atingiu também o atendimento em outras áreas como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) e o Centro de Referência Vânia Araújo e a Casa da Mulher Brasileira, que recebeu recursos da União em 2014 e teve o terreno doado pelo governo Tarso, mas até agora não teve sua construção sequer projetada.

A situação é tão drástica que a ausência de espaços públicos adequados para receber as mulheres e suas famílias, vítimas de violência, tem feito com que o próprio movimento de mulheres e feminista organize vagas para acolhimento destas vítimas. Um dos exemplos é a Ocupação Mirabal que não recebe qualquer recurso público, mas acaba cumprindo o papel do Estado, recebendo mulheres e crianças em situação de violência. Assim como

Outro dado preocupante é o aumento dos índices de crimes sexuais, mesmo se tratando dos delitos mais subnotificados no Brasil e no Rio Grande do Sul. Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), identificaram que apenas 10% desses crimes são denunciados à Polícia Civil. Em 2016 foram registrados no RS 4.144 estupros, mais de 11 por dia. Em 2017, nem mesmo esses dados foram mais divulgados, descumprindo inclusive determinação legal.

Outra consequência pouco percebida é a feminização da pobreza. Observada em escala crescente, é considerada uma das maiores violações de direitos humanos e resultado direto da extinção do Programa RS Mais Igual, que exercia papel complementar ao Bolsa Família, em que 98% dos lares eram mantidos por mulheres.

Acrescente-se a isso a falta de informações dos órgãos governamentais e a não-divulgação dos índices e violência contra as mulheres, em descumprimento as Leis 12.954 de 2008 e 14.897 de 2016. Um dos poucos dados disponíveis, a previsão orçamentária do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, demonstra objetivamente o descaso de atual gestão com a vida das mulheres, que representam mais da metade da população gaúcha.

PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA POLÍTICAS PARA MULHERES RS
2014 2015 2016 2017 2018
R$ 10.073.313,89 R$ 10.562.798,48 R$ 335.063,00 R$ 841.200,00 R$ 180.000,00

Fonte: Projetos de Lei Orçamentária Anual de 2014 a 2018, consulta feita ao Sistema de Proposições da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

Durante o debate sobre a Lei Orçamentária de 2017, diante da dramática redução de recursos para atender as políticas para as mulheres no Rio Grande do Sul, sequer as emendas apresentadas com a intenção de reestabelecer o nível de investimentos e cobrir a defasagem dos cortes impostos pelo projeto político de “Estado Mínimo” do governo Sartori, foram aceitas.

Não se trata apenas de recursos, sobretudo o que se verifica é que descaso e falta de sensibilidade política e social do Governo do Estado, que também descumpre a aplicação de normas nacionais e internacionais de garantia e proteção dos direitos humanos das mulheres, sobretudo a Lei Maria da Penha, do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher da OEA.

(*) Líder da Bancada do PT na Assembleia Legislativa do RS.


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