Opinião
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14 de fevereiro de 2018
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19:09

Rurais na Reforma da Previdência: o detalhe que muda tudo (por Frei Sérgio Görgen)

Por
Sul 21
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“Se é verdade que o governo não quer mexer na Previdência Rural, porque não deixa o texto como está na Constituição”. (Foto: Agência Brasil/Arquivo)

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm (*)

Apesar do discurso do Governo e da propaganda oficial regiamente paga aos grandes meios de comunicação, os trabalhadores rurais e as famílias camponesas continuam vítimas da dita Emenda Aglutinativa da Reforma da Previdência que o Governo Temer quer colocar novamente em votação na Câmara dos Deputados.

Diz o ditado popular que “para bom entendedor, meia palavra basta”. Pois no caso é uma palavra, mais que uma palavra, um conceito. E em matéria de leis, os conceitos são tudo, são definições, são orientações das regras e dos procedimentos. Parece um detalhe, mas muda tudo.

Trata-se da troca de uma palavra no texto da Constituição, no artigo 201: substitui a palavra “atividade” pela palavra “contribuição”. E isto muda tudo. Comprovar “atividade” como é hoje, é uma coisa. Comprovar “contribuição”, como está escrito na emenda do Governo Temer, é outra coisa completamente diferente.

Para melhor entender, vejam a comparação entre o que está escrito na tal Emenda Aglutinativa do Governo Temer e o que está escrito na Constituição de 1988 e a seguir vamos analisar as consequências da mudança.

Emenda aglutinativa de Temer

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social:

II – ao trabalhador rural e aos que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher, e quinze anos de contribuição para ambos os sexos, garantindo-se aos segurados de que trata o § 8º do art. 195 a contribuição na forma prevista no referido parágrafo;

Constituição de 1988

II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

A mudança aponta que a forma de contribuição será a que prevê o artigo 195 da Constituição, isto é, através do Funrural, da contribuição sobre a venda da produção. Esta é a armadilha para dizer que é “igual ao que é hoje”.

Vejamos o que diz a Constituição no artigo 195, parágrafo 8º:

“§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei”.

Neste caso, agora, não é mais a comercialização da produção para comprovar a atividade, mas para comprovar a contribuição. Esta é a mudança que engana as análises superficiais. Mesmo que digam o contrário, a porta jurídica ficará aberta. E depois de feito e escrito na Constituição, não vai adiantar chorar e dizer que fomos enganados. Bala, depois do tiro, não tem como puxar de volta.

Vejamos algumas consequências possíveis desta mudança:

1 – A contribuição terá que ser feita através de percentual da produção Para comprovar os 15 anos, só poderá contar os meses em que forem emitidas notas de venda.

– Trará enorme prejuízo para famílias agricultoras e pecuaristas familiares que tem produtos sazonais e só contarão os meses com emissão de nota de venda;

– Situações de estiagem ou outros problemas climáticos em que não haverá excedentes para comercialização;

– Famílias que produzem para o auto-consumo, ou que vendem em feiras e não emitem nota frequentemente, tem como comprovar a atividade, mas não terão como comprovar a contribuição o ano todo.

– Dificuldades em garantir a prova: quem guardará nota por 30 a 40 anos para comprovar sua contribuição? Os últimos 15 anos, como é hoje, já é difícil para tanta gente.

Um exemplo: para fechar 15 anos, são 180 meses. Veja a situação de uma família que emitir 2 notas por ano, que comercializou em 2 meses, precisará 6 anos de produção para comprovar 12 meses de contribuição, ou seja, 1 ano, o que leva ao absurdo de 90 anos de contribuição para se aposentar. Com 106 anos o camponês se aposenta…..

2 – Poderá, em futuro próximo, por lei complementar, estabelecer-se contribuição financeira mínima, pois a garantia, o direito constitucional, estará quebrado. O que pode acontecer?

– Terá que haver complementação financeira quando a contribuição, através da produção, não alcançar o mínimo exigido por lei para contemplar toda a família.

– Os meses sem produção, por qualquer motivo (climático, época, doenças) para ser contabilizado, para completar quinze anos, terá depositar em dinheiro.

– Não diz em lugar nenhum da emenda, de quanto será a contribuição mínima. Ficará a critério dos governantes e deputados do futuro.

3 – A contagem de tempo para quem trabalhou na roça e depois mudou de profissão, também ficará muito prejudicada: só contará o mês que comprovou venda e não o ano da atividade.

O discurso do Governo continua faltando com a verdade em relação às aposentadorias rurais. Diz que os rurais estão fora da chamada Emenda Aglutinativa, mas não é verdade. Voltou tudo à estaca zero e o governo mente de novo.

E a Globo amplifica, replica e repete a mentira do Governo. Assim está escrito no Portal G1: “Principais mudanças. As principais mudanças feitas desde o fim do ano passado, em relação ao texto aprovado na comissão, são: Não alterar o regime de aposentadoria do trabalhador rural”

Pergunta básica para concluir: se é verdade que o governo não quer mexer na previdência rural, porque não deixa o texto como está na Constituição em vez de inserir palavras capciosas, dúbias, de várias interpretações, sobre algo que está definido?

E se for para ficar como está, deixem como está na Constituição.

(*) Frei da Ordem Franciscana, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.


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