Opinião
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2 de fevereiro de 2018
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17:55

Relógio do fim do mundo mais perto da meia-noite (por José Monserrat Filho)

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Sul 21
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Relógio do fim do mundo mais perto da meia-noite (por José Monserrat Filho)
Relógio do fim do mundo mais perto da meia-noite (por José Monserrat Filho)
O Boletim dos Cientistas Atômicos anunciou no dia 25 de janeiro ter adiantado o seu Doomsday Clock (Relógio do Apocalipse) de 2,5 para 2 minutos antes da meia-noite. (The Bulletin of Atomic Scientists/University of Chicago)

José Monserrat Filho (*)

“Para ter um mundo seguro a longo prazo, temos que dar um grande passo: eliminar a própria guerra.”  (Robert Hinde e Joseph Roblat, No More War, Reino Unido, Pluto Press, 2003, p. 5.)

“O mundo está mais próximo da aniquilação nuclear do que em qualquer outra época desde as primeiras bombas de hidrogênio testadas no início da década de 1950”, alerta a revista Science, de 26 de janeiro de 2018. O Boletim dos Cientistas Atômicos anunciou na véspera, 25 de janeiro, ter adiantado o seu Doomsday Clock (Relógio do Apocalipse) de 2,5 para 2 minutos antes da meia-noite. Em janeiro de 2017, o Boletim passara o ponteiro de 3 minutos para 2,5 minutos, e agora, um ano depois, colocou-o a dois minutos antes do grande colapso.

Rachel Bronson, PhD, Presidente do Boletim, disse no dia 25 de janeiro de 2018 que “2017 foi um ano perigoso e caótico” e nele “vimos palavras imprudentes na área nuclear que agravaram situações já ameaçadoras, e novamente aprendemos que minimizar avaliações baseadas em evidências sobre o clima e outros desafios globais não leva a melhores políticas públicas”. Rachel explicou:

“Embora o Boletim dos Cientistas Atômicos se concentre no risco nuclear, nas mudanças climáticas e nas tecnologias emergentes, a paisagem nuclear ocupa lugar central na declaração do Doomsday Clock deste ano [2018]. Os principais atores nucleares estão à frente da nova corrida armamentista. Ela será muito cara e ampliará a probabilidade de acidentes e percepções equivocadas. Em todo o mundo, as armas nucleares estão preparadas para se tornarem mais […] usadas graças aos investimentos de Estados nos arsenais nucleares. O Boletim destaca essa preocupação há algum tempo, mas o impulso para a nova realidade vem aumentando.”

Para Rachel, “o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim avaliou outra vez os progressos – na verdade, a falta deles – na gestão das tecnologias que podem levar a humanidade tanto ao alívio quanto ao desastre. Espero que a declaração [2018] direcione a atenção mundial para a perigosa trajetória de hoje e exorte os líderes e cidadãos a redobrar seus esforços no sentido de se comprometer com um caminho que promova a saúde e a segurança do planeta”. O Boletim faz recomendações sobre como alcançar esse objetivo com máxima urgência. E tem o apoio financeiro da Carnegie Corporation, da Fundação MacArthur e de outras muitas fundações, corporações e pessoas – sobretudo dos EUA – que apoiam regularmente a missão. Rachel também considera “urgente que, coletivamente, empenhemos o trabalho necessário para produzir uma declaração em 2019 que rebobine o Doomsday Clock”. “A hora é agora”, conclui ela.

O Boletim foi fundado em 1945 por cientistas da Universidade de Chicago que trabalharam no Projeto Manhattan para desenvolver as primeiras armas atômicas (aquelas lançadas em Hiroshima e Nagasaki). O Boletim criou o Doomsday Clock dois anos depois, em 1947, usando as imagens do apocalipse (meia-noite) e a linguagem contemporânea de explosão nuclear (contagem decrescente para zero) para transmitir as ameaças à humanidade e ao planeta. A decisão de mover (ou não) o ponteiro do Relógio do Apocalipse é feita a partir de 1977 pelo Conselho de Ciência e Segurança do Boletim, após consultar o Conselho de Patrocinadores, que inclui 15 laureados com o prêmio Nobel. O Relógio virou indicador universalmente reconhecido da vulnerabilidade do mundo à catástrofe de armas nucleares, mudanças climáticas e novas tecnologias emergentes em outros domínios. Em 2017, líderes mundiais não lograram responder com eficácia às ameaças da guerra nuclear e às mudanças climáticas, tornando a situação da segurança mundial mais perigosa do que há um ano – e tão ou mais perigosa quanto a existente desde a 2ª Guerra Mundial.

Eugene Rabinowitch (1901-1973), biofísico e cofundador do Boletim, foi quem moveu o Relógio do Apocalipse ao longo de cerca de 20 anos. A responsabilidade passou, depois, para um conselho de especialistas que acertou um modo de avaliação para considerar em conjunto as tendências globais e adotar decisões consensuais. Hoje, os membros do conselho costumam ser pesquisadores em física nuclear, política nuclear, relações internacionais e outras áreas da ciência. Não há, no entanto, uma proposta de decisão a ser submetida à revisão dos pares. Quem julga são simplesmente personalidades reconhecidas como inteligentes e experientes. O que eles fazem – sem dúvida – é atividade de cientistas, mas não é ciência propriamente dita.

Os maiores riscos de 2017 surgiram na área nuclear. O programa de armas nucleares da Coreia do Norte fez progressos notáveis, aumentando os riscos para a própria Coreia do Norte, outros países da região e fora dela. Declarações e ações dos dois lados aumentaram a possibilidade de guerra nuclear por acidente ou erro de cálculo. Mas os perigos que se originam na península coreana não foram os únicos riscos nucleares evidentes em 2017: os EUA e a Rússia seguiram em desacordo, promovendo exercícios militares ao longo das fronteiras da OTAN, prejudicando o Tratado de Forças Nucleares Intermediárias (INF), atualizando seus arsenais nucleares e evitando negociações de controle de armas. Na região Ásia-Pacífico, as tensões entre os EUA e a China sobre o Mar do Sul da China aumentaram. Ficou difícil restabelecer uma situação de segurança estável. No sul da Ásia, Paquistão e Índia continuou a construção de arsenais cada vez maiores de armas nucleares. No Oriente Médio, cresce a incerteza sobre o apoio dos EUA ao acordo nuclear com o Irã. Atiçar a situação nuclear mundial é terrível, pois com isso subestima-se o perigo existente – e seu imediatismo.

Na questão das mudanças climáticas, o perigo pode parecer menos imediato, mas impedir aumentos catastróficos da temperatura no longo prazo é tarefa mais que urgente. As emissões globais de dióxido de carbono ainda não mostraram os primeiros declínios sustentados capazes de evitar que o aquecimento diminua de fato. As nações do mundo terão que reduzir de modo significativo suas emissões de gases do efeito estufa para manter os riscos climáticos gerenciáveis. Até agora, porém, a comunidade global está longe de enfrentar esse desafio. Além dos domínios nuclear e climático, os avanços tecnológicos debilitam as democracias em todo o mundo. Estados poderosos não perdem chance de usar as tecnologias da informação como armas e de promover campanhas de descrédito e desânimo, via internet, para minar as eleições e a confiança popular em instituições públicas vitais para garantir o pensamento livre e global.

Doomsday Clock tem estado vigilante desde 1947. Naquele ano singular, começou a 1ª Guerra Fria e o Boletim apresentou na capa o primeiro desenho do Relógio do Apocalipse, junto com o tempo definido em sete minutos para a meia-noite. É o que conta David Warmflash, em O Relógio do Apocalipse em Ficção e Realidade, no jornal The Crux de 18 de maio de 2016. Desde sua criação o Relógio do Apocalipse foi movido 21 vezes. Mas a única vez no passado que chegou a dois minutos da meia-noite, como agora, ocorreu em 1953. Os EUA haviam testado a bomba H e nove meses depois a URSS também a testou. Hoje, contudo, as ameaças são incomparavelmente maiores. Em 2007, o Doomsday Clock expandiu-se para incluir desastres não-nucleares, como mudanças climáticas irreversíveis.

Por que? Porque urgia atuar sobre o clima mais cedo do que mais tarde. O Relógio do Apocalipse, então, avançou 2 minutos: de 7 para 5 minutos antes da meia-noite. O movimento foi apoiado e divulgado por ninguém menos que o celebrado cientista inglês Stephen Hawking (1942-), diretor do Centro de Cosmologia Teórica da Universidade de Cambridge e membro do Boletim. Na ocasião, ele disse: “Como cientistas, entendemos os perigos das armas nucleares e seus efeitos devastadores, e estamos aprendendo como as atividades e tecnologias humanas estão afetando os sistemas climáticos de modo a mudar para sempre a vida na Terra. (…) Como cidadãos do mundo, temos o dever de alertar o público dos riscos desnecessários com os quais vivemos diariamente e dos perigos previstos se os governos e as sociedades não adotarem medidas agora, já, visando tornar as armas nucleares obsoletas e evitar futuras mudanças climáticas.”

O Doomsday Clock é “instrumento de ensino para ajudar a educar a sociedade sobre fatos de relevância planetária que podem pôr em perigo a sobrevivência da humanidade”, sustenta o Boletim. Há quem perceba, contudo, alguns erros de avaliação. Diante dos ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York e a retirada dos EUA do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM, firmado em 1972), em 2002, o Relógio do Apocalipse ficou imóvel, embora ambas as ocorrências ameaçassem a paz mundial. Mas a invasão do Afeganistão no mesmo 2001 (ainda em curso 17 anos depois) levou a um avanço: de nove para sete minutos. Em 1962, a crise dos mísseis em Cuba, que quase provocou uma guerra nuclear mundial, não alterou o Relógio. Em 1963, porém, o novo tratado de proibição de testes com armas nucleares na atmosfera, sob as águas e no espaço exterior, fez o ponteiro recuar em um minuto: agora eram seis para a meia-noite. Em 2017, o Doomsday Clock andou de 3 para 2,5 minutos. O movimento foi o primeiro após Índia e Paquistão realizarem testes consecutivos com armas nucleares em 1998.

Instalado Trump na Casa Branca, o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos deslocou o Relógio do Apocalipse para 2,5, com base em alarmantes ameaças bélicas do próprio presidente. Riscos globais – afirma Robert Hunziker, jornalista americano, em Counterpunch de 30 de janeiro de 2018 – agravaram as relações entre os EUA e a Rússia, que se tornaram mais conflitivas que cooperativas, porquanto aumentaram as tensões entre os dois países, por algumas razões claras: 1) Crescem as manobras militares da OTAN ao longo das fronteiras da Rússia; 2) Mina-se o Tratado de Forças Nucleares Intermediárias; 3) Modernizam-se os arsenais nucleares; e 4) Evitam-se as negociações sobre o controle de armas. Na verdade – diz Hunziker – Trump rejeita todas as ações que ricocheteiam no holocausto.

Hunziker acrescenta: “Agravando esse perigoso cenário mundial, há verdadeira ameaça de ruptura fundamental da ordem internacional, causada pela conduta dos EUA, que torpedeiam a confiança entre os países e minam – de fato ridicularizam – o acordo muito sóbrio sobre o clima, firmado em Paris em 2015. Na realidade, a liderança americana tornou-se enganosa e pouco confiável para prever ou discernir entre sinceridade e mera retórica, entrelaçada em inúmeras mensagens de twitter [de Trump]. Confusões e declarações de políticas contraditórias levam aliados ao desespero.” Como indicativo de que a comunidade mundial está em real perigo, Hunziker relata a especulação segundo a qual, se o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos calculasse os riscos do holocausto com base no modo de vida imposto pelo capitalismo neoliberal desenfreado, o Doomsday Clock já marcaria um minuto para a meia-noite. Sob Trump, apenas com o grande corte de impostos [em favor das grandes fortunas] e a rejeição de qualquer esforço para domar o aquecimento global, os riscos subiram às nuvens.

O jornalista americano conclui: “Nosso planeta encontra-se em situação de alto risco por causa das políticas sociais e econômicas neoliberais – iguais em peso à ameaça do holocausto nuclear.” E mais: “O capitalismo neoliberal despreza o contrato social e ignora a responsabilidade ecológica (…). Não há nada a lucrar com contratos sociais ou cuidados ambientais”.

(*) José Monserrat Filho, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), ex-Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia (2007-2011) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) (2011-2015), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, e Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica. Ex-diretor da revista Ciência Hoje e editor do Jornal da Ciência, da SBPC, autor de Política e Direito na Era Espacial – Podemos ser mais justos no Espaço do que na Terra?, Ed. Vieira&Lent, 2017. E-mail: <[email protected]>.


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