Opinião
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28 de fevereiro de 2018
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19:23

“Guerra Híbrida” contra o Brasil: o “Lawfare” e o julgamento de Lula (por Ilton Freitas)

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Sul 21
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“Guerra Híbrida” contra o Brasil: o “Lawfare” e o julgamento de Lula (por Ilton Freitas)
“Guerra Híbrida” contra o Brasil: o “Lawfare” e o julgamento de Lula (por Ilton Freitas)
Julgamento e condenação do ex-presidente Lula far parte da estratégia da guerra híbrida. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Ilton Freitas (*)

Na América Latina a estratégia imperial da Guerra Híbrida ampliou seu arsenal tático ao lançar mão do expediente da “guerra jurídica”, ou o “lawfare”, contra as lideranças independentes da região. A resultante do “lawfare” são os “golpes de veludo”, que dão uma cobertura aparentemente legal para derrubar a democracia. Por meio do ativismo institucional de setores do judiciário e de procuradores públicos, são promovidas falsas teses a justificarem atentados contra as constituições e contra o estado democrático de direito(5)! Foi assim em 2009, com a deposição do presidente eleito em Honduras, Manoel Zelaya. Com autorização em velocidade recorde da Corte Suprema, Zelaya foi deposto e embarcado para exílio em El Salvador. Dois anos depois foi a vez do presidente Lugo, do Paraguai. Acusado por uma suposta ação violenta das forças de segurança contra camponeses, que resultou na morte de policiais, Lugo sofreu impeachment na Assembleia Nacional. Após um célere processo sem direito à defesa, o presidente legítimo foi afastado com autorização prévia do poder judiciário.

Tudo leva a crer que Honduras e Paraguai consistiram em “laboratórios” para fins de “lawfare”. No caso do Paraguai, foi notório que a embaixadora norte-americana, Liliana Ayalde, tenha sido peça fundamental com os golpistas locais para a articulação, organização e apoio para a deposição de Lugo. Coincidentemente, Liliana foi nomeada como embaixadora norte-americana no Brasil em 2013, e três anos depois a presidenta eleita Dilma sofreu um impeachment fraudulento votado no Congresso, mas respaldado pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, pela importância geopolítica do País e pelo peso da liderança política, o ponto alto do emprego mais recente do lawfare na América Latina é a perseguição e condenação judicial do ex-presidente brasileiro Lula. A rigor se tratam de dois movimentos concatenados contra Lula, e que se retroalimentam. O primeiro é a exposição e execração pública do líder popular pela mídia-empresa, e o segundo é o processo e julgamento de exceção realizado por “magistrados” degradados e orientados politicamente. Muitos juristas independentes já analisaram e denunciaram os escandalosos procedimentos do judiciário brasileiro no caso Lula, caracterizando sobremaneira o “lawfare”.

O advogado australiano e militante dos direitos humanos, Geoffrey Robertson, que esteve no julgamento em segunda instância de Lula no TRF 4, no dia 24 de janeiro, chamou a atenção para alguns pontos que revelam o primitivismo da justiça oligárquica brasileira. Segundo Robertson, o princípio da imparcialidade não é respeitado no Brasil, posto que na primeira instância o juiz de instrução (o que manda conduzir coercitivamente) é o mesmo que julga o réu. Outra aberração que chamou a atenção do jurista foi o fato “trivial” de que o Procurador que acusou Lula no TRF 4, almoçou e “trocou ideias” com os desembargadores no intervalo da sessão, e, por fim, não menos aberrante, para uma corte de apelação é o fato dos juízes trazerem os votos prontos. De modo que os argumentos da defesa na tribuna, ou mesmo da acusação, não passam de pantomima(6).

Outrossim, os eventos de “lawfare” que alvejam a principal liderança do campo popular no Brasil, não podem ser analisados isoladamente. Os estrategistas da Guerra Híbrida em parceria com os atores locais roteirizaram uma cadeia de eventos cujo ápice pode resultar na prisão do ex-presidente. Se levarmos em consideração o que preconizam os partidários da Guerra Híbrida, a destruição da liderança é o objetivo principal da estratégia. Os analistas imperiais consideram que os Estados-alvo possuem cinco centros de gravidade que atuam com maior ou menor grau de integração. São eles em ordem de importância: a 1) liderança, 2) os sistemas essenciais, 3) a infraestrutura, 4) a população e 5) as forças de segurança. A chamada “Teoria dos Cinco Anéis” preconiza que para atingir a liderança é necessário – previa ou concomitantemente – destruir a infraestrutura, controlar os sistemas essenciais, obter apoio e “legitimidade” popular através de massacre midiático e neutralizar – no limite destruir – as forças de segurança leais.

A rigor as ações dos “guerreiros híbridos” para “mudar o regime” no Brasil fizeram e se fazem presentes há um bom tempo em nosso País. Senão vejamos; as manifestações “espontâneas” de junho de 2013, que desgastaram a imagem de Dilma, a belicosidade e o vale-tudo da campanha presidencial de Aécio em 2014, o lawfare através da operação “Lava-a-Jato – que também contribuiu para a destruição da cadeia de petróleo e gás do País -, a “Revolução Colorida” repercutida pela Rede Globo e pelos setores médios em 2016, em que manifestantes vestindo camisas verde-amarelo intoxicaram de fascismo o ambiente político nacional, o golpe parlamentar e o impeachment da presidenta Dilma, a liquidação da CLT com a reforma trabalhista, o retorno do entreguismo despudorado de Temer e sua gang, e outras iniciativas equivalentes a uma contrarrevolução. Tudo isso denota com clarividência a consecução de objetivos táticos e estratégicos das elites nativas, e de alhures contra o Brasil e contra os trabalhadores.

A contrarrevolução neoliberal – e seus instrumentos, como a Guerra Híbrida – pode ser bem-sucedida no Brasil e cumprir com seus desígnios de recolonizar a nação e punir exemplarmente a liderança de Lula? Antes de arriscar algum prognóstico, voltemos à Líbia, à Ucrânia e à Síria. A Líbia foi desmantelada como país e hoje não é mais um Estado. Trata-se de um território fatiado e controlado em parte pela Al-Qaeda, e por tribos rivais adversárias sem uma liderança que as unifique. Sua liderança histórica, Muhamar Ghadaffi, foi trucidado como uma besta e a imagem vil de seu assassinato foi amplamente divulgada pela mídia-empresa e pelas redes sociais. O claro objetivo disso era provocar um efeito-demonstração e desestimular qualquer liderança líbia e africana em sonhar com autonomia e soberania nacional.

Já na Ucrânia, para “mudar o regime” e substituí-lo por um governo títere da OTAN, foi fomentada uma “revolução colorida” inicialmente “pacífica”, e com o decurso dos acontecimentos tendo como epicentro a praça Maidan, em Kiev, transformou-se num “putsh” nazista que logrou derrubar o presidente eleito, Victor Yanukovitch, próximo à Rússia. Contudo, se na Líbia e na Ucrânia a Guerra Híbrida foi “bem-sucedida”, não se pode dizer o mesmo na Síria. O presidente Assad com uma aliança militar estratégica com a Rússia, China e Irã destruiu o Estado Islâmico (apoiado direta e “indiretamente” pela Arábia Saudita, Israel e EUA) e a destarte do sofrimento que a guerra causou ao povo sírio, demonstrou que o poderio militar do Ocidente pode ser derrotado por uma liderança tenaz e apoiada pela população, um povo orgulhoso e por forças armadas efetivamente nacionalistas.

Portanto, retornando à indagação do parágrafo anterior, no caso brasileiro é preciso reconhecer que a aplicação da estratégia da Guerra Híbrida vem se demonstrando parcialmente vitoriosa. Os resultados são evidentes: o Brasil voltou a ser um país sem nenhuma relevância internacional, está sendo governado por uma coalizão de meliantes que, para além de dilapidar recursos públicos, vem patrocinando o desmonte de grandes empresas estatais como a Petrobras e Eletrobrás; os recursos naturais como o petróleo do pré-sal estão sendo torrados a “preço de banana” para as petroleiras multinacionais; grandes empresas brasileiras não participam mais de licitações no exterior por obra da operação “Lava-a-Jato; o desemprego, a violência e a dita “reforma trabalhista” estão nos levando para o quarto mundo; o crime organizado e seus representantes como Aécio Neves gozam de impunidade odiosa do poder judiciário e os poucos avanços obtidos na tenra democracia brasileira desde a Constituição de 1988, foram praticamente incinerados com o estado de exceção. É forçoso dizer que os logros que a Guerra Híbrida obteve no Brasil, levando o País ao caos, só foram obtidos em outras latitudes com o emprego da guerra convencional (bombardeios) e da guerra não-convencional (milícias armadas, grupos terroristas, etc). O caso da Líbia é emblemático nesse sentido.

Contudo, para fazer o Brasil retroceder a uma república oligárquica por meio da Guerra Híbrida, é necessário dar cabo da principal liderança popular da América Latina, o ex-presidente Lula. Não há dúvida que o império e seu sócio menor, a burguesia lumpem/rentista brasileira, temem por uma reação indesejada de milhões de populares em defesa do ex-presidente contra um possível arbítrio do judiciário. Por outro lado, como hipótese, é possível que apostem no aprofundamento do caos que uma eventual prisão do ex-presidente necessariamente produzirá no País. Talvez o mais importante – por enquanto – é que os setores progressistas que estão a resistir contra o estado de exceção, o governo Temer e sua agenda neoliberal, percebam que a extensão da destruição que se abate sobre o Brasil resulta de uma “guerra não-declarada” do império anglo-americano, a Guerra Híbrida. Os interesses imperiais contam com os colaboracionistas do judiciário e dos entreguistas de sempre (FHC, Serra, Aécio et caterva) para recolonizar o País. A mídia-empresa cumpre diariamente o seu papel de jornalismo de guerra a criminalizar a esquerda e naturalizar o golpe e a agenda de destruição neoliberal. Fabricam a percepção de que somos uma colônia e nada há que se possa fazer, a não ser a conformação.

No entanto, por mais poder que tenha o império e seus acólitos eles não controlam todas as variáveis do jogo. A tarefa de destruir uma liderança do naipe de Lula se tornou mais complicada do que imaginaram! O significado da liderança de Lula é transcendental. Lula se tornou uma síntese da história dos que lutaram contra as injustiças e pela soberania do Brasil. Ele é o Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Getúlio Vargas e Jango! Tornou-se uma lenda viva, uma bandeira e um farol para os ofendidos, injustiçados e explorados do País e do mundo! Os golpistas sabem disso e tem a disposição recursos poderosos para a consecução de seus torpes objetivos! Na verdade, calculam o “custo” de uma afronta ao ex-presidente Lula! Mas temem e desconfiam que mais do que um simples desfile de escola de samba no Sambódromo, do Rio de Janeiro, o recado “alegórico” enviado pela “Paraíso do Tuiuti” e a faixa estendida na favela da Rocinha em defesa do ex-presidente, constituam sintoma de rebelião popular. Pagarão para ver?

(*) Cientista político.

 


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