Opinião
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16 de janeiro de 2018
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13:49

A Palestina brasileira. Liberdade x Apartheid (por Neusa Maria Pereira)

Por
Sul 21
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A Palestina brasileira. Liberdade x Apartheid (por Neusa Maria Pereira)
A Palestina brasileira. Liberdade x Apartheid (por Neusa Maria Pereira)
Equipe do documentário ficou 15 dias filmando em território palestino, ocupado militarmente por Israel. (Foto: Divulgação)

Neusa Maria Pereira (*)

Assisti à estreia na TV do documentário “A Palestina Brasileira”, com roteiro e direção do cineasta e jornalista Omar L. de Barros Filho. Trabalho terno, relevante, informativo e atual, lastreado em emotivos relatos e lembranças de personagens, que se alternam de modo ágil e hábil, dando ritmo ao filme. Focado na vida de famílias palestinas residentes no Rio Grande do Sul, com raízes ainda vigorosas na Palestina ocupada, o documentário evidencia a diferença abissal entre as existências dos imigrantes em diáspora e as dos parentes e amigos que permanecem na terra natal. Revela-se um grito de liberdade contra o chocante apartheid ao qual está submetido o povo palestino, marcado há décadas pela indiferença e pelo preconceito de boa parte do mundo.

Trata-se de uma reflexão sobre a imensa distância entre a paz e a guerra, a dominação e a liberdade, o ódio e a compaixão, o existir e o morrer, enfim, o eterno conflito entre a violência e a natureza da condição humana. Aqui, o acolhimento solidário, tolerante e compreensivo. O despertar diário sem o assombro de bombardeios destruidores de lares e famílias. Aqui, ventos soprando em direção à prosperidade no comércio, nas profissões liberais, na possibilidade de encaminhar os filhos às escolas e às universidades, no andar tranquilo pelas ruas longe dos olhares cortantes de militares raivosos. Barreiras de preconceito inexistem, a saudade dá lugar ao direito de sobreviver em paz. Lá, na Palestina, a história é outra.

O documentário é poético. Deixa transparecer a amabilidade e a insistência de vidas exasperadas em reencontrar a felicidade perdida para a invasão ultrajante. As imagens, os testemunhos, as memórias levam-nos a querer caminhar por aqueles caminhos de pedras desgastadas pelo tempo. Lembram o lugar por onde, talvez, segundo a história, Cristo andou a pregar o amor, um sentimento esquecido pelos opressores. Também estes já foram vítimas, e agora cobram contas de quem nada lhes deve. A câmera passeia pela indignação percebida nas muralhas de cimento, teimosamente manchadas com palavras pela paz, contra a guerra e pela liberdade. Expressão rústica, apressada, de um povo que procura resistir contra aqueles que já não são cúmplices do sagrado.

No quase deserto onde habitam os palestinos, o verde é escasso, traduz-se em árvores baixas, magras, com destaque para as oliveiras, cujas azeitonas, garantem o alimento e a renda para milhares de famílias. Mas até a colheita se torna impossível por normas proibitivas de Israel e pela ação dos colonos israelenses que as cortam sem piedade. Limitadas pelos muros e checkpoints, ainda eles, sempre eles, as cidades se apresentam, uma a uma, tímidas, inquietas. Mercados coloridos, produtos em certa desordem, o que encanta o espectador pela simplicidade e pela diversidade das gentes que por ali transitam. O filme registra olhares amorosos apesar dos infortúnios, amizades fortalecidas por suas ligações com a terra crucificada.

“A Palestina Brasileira” é um impulso na luta contra a dominação de um povo sobre outro, no desejo de igualdade entre os cidadãos do mundo. A fotografia, de ângulos largos, permite que a visão corra por montanhas e por prados cor de areia. Já as sequências em preto e branco, retalhos de antigos jornais cinematográficos, representam uma Palestina antiga, tradicional, e documentam os momentos cruciais da chegada dos sionistas ocupantes, amargas recordações.

Em oposição, as imagens em cores jogam luzes sobre a reconstrução de vidas e de lugares. A tristeza não se impõe à beleza das narrativas, da incessante resistência à exploração e à injustiça. A trilha sonora encanta pela suavidade melancólica que nos penetra a mente, auxiliando na viagem, ao mesmo tempo, real e mística. A suavidade dos momentos revelados poupa-nos das imagens trágicas da Cisjordânia e de Gaza. Gaza, sob cerco, é o cenário mais agudo onde os palestinos travam luta de vida e morte contra o apartheid.

Terminada apresentação do documentário “A Palestina Brasileira”, o Canal Curta exibiu, logo após, programa sobre a vida de Nelson Mandela, fazendo-me pensar nas semelhanças da opressão sofrida pelos sul-africanos e palestinos. Espero que encontrem alguém como Mandela para ajudá-los a apressar o caminho da libertação. Que o espírito do líder inesquecível paire sobre a terra conhecida como santa que, por direito divino ou não, pertence a todos. Por tudo isso, saúdo o roteirista e diretor Omar L. de Barros Filho por mais esta realização de inestimáveis valores artísticos e humanitários.

(*) Neusa Maria Pereira é jornalista em São Paulo. Foi editora da seção Afro-Latino-América do jornal alternativo Versus. Por sua atuação no campo dos direitos da população negra no Brasil, contribuiu decisivamente à criação do Movimento Negro Unificado (MNU) durante a luta contra a ditadura.


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