Vanessa Chiari Gonçalves (*)
Diante das manifestações a respeito do julgamento do recurso do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, marcado para o próximo dia 24 de janeiro de 2018, no TRF4, em Porto Alegre, é importante indagar: que relação poderá existir entre a fragilização da democracia brasileira e esse julgamento?
Para responder a esse questionamento é preciso esclarecer ao leitor que a Constituição da República, promulgada em 1988, é a norma brasileira mais importante e hierarquicamente superior que define os direitos e as garantias fundamentais de qualquer cidadão. No artigo 5º da Constituição, encontramos diversos dispositivos que protegem o cidadão contra eventuais atos arbitrários praticados por indivíduos ou por agentes estatais. O inciso VII, por exemplo, estabelece que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Esse dispositivo, que é um dos pilares do regime democrático, proíbe julgamentos que privem o indivíduo de seus direitos ou de sua liberdade por questões ideológicas, políticas ou religiosas.
Ocorre que nós, juristas, que tivemos a oportunidade de ler atentamente as 216 páginas da sentença em que o juiz Sérgio Moro condenou o ex-Presidente Lula, estamos convencidos de que não há sustentação jurídica, probatória e lógica para essa condenação. O próprio magistrado, em diversos momentos, parece se desculpar pela linha argumentativa que está seguindo. O documento recente, que demonstra a penhora do Triplex – por dívida de sua proprietária OAS Empreendimentos – representa apenas uma pá de cal na sepultura de qualquer fundamento jurídico para aquela decisão.
Apesar da ausência de provas para a condenação de Lula, causam-nos profundo espanto as manifestações favoráveis à manutenção da decisão de Sérgio Moro com argumentos de ordem política, tais como: demandas do mercado transnacional, necessidade de reforma da previdência, combate ao comunismo e por aí afora. Em suma, uma condenação com o único fim de afastar o ex-Presidente das eleições de 2018, tendo em vista que ele aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Esse é o ponto. O maior ataque que o regime democrático de um país civilizado pode sofrer consiste na utilização do processo judicial como mecanismo de perseguição política.
Contra isso, todo cidadão liberal e democrata deve-se insurgir, independentemente de suas convicções políticas, econômicas ou religiosas.
(*) Professora de Direito Penal da UFRGS e advogada.