Opinião
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30 de dezembro de 2017
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12:42

O balanço ideológico de Marchezan (por Jorge Barcellos)

Por
Sul 21
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O balanço ideológico de Marchezan (por Jorge Barcellos)
O balanço ideológico de Marchezan (por Jorge Barcellos)
“O sonho de Marchezan é, na realidade, um pesadelo”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

 Jorge Barcellos (*)

É final de ano e todos fazemos balanços. Nelson Machezan Jr também. O problema é se é realista, e aponta caminhos para o futuro, ou se é ideológico, e portanto, não traz benefícios para a cidade ou seus cidadãos. Em artigo recente (ZH,28/12), vemos o Prefeito fazer sua avaliação de seu primeiro ano de governo. É como passear pelos contos de Alice no País das Maravilhas. Ele começa afirmando que um ano atrás, assumiu querendo a mesma Porto Alegre que deseja hoje, melhor e boa para seus cidadãos. Um ano atrás (http://bit.ly/2E4DYFu) mostrei que as propostas para a cidade do então candidato Nelson Marchezan Júnior eram inferiores à de seu opositor, Sebastião Melo: sua campanha era baseada na agenda da opinião pública, não possuía visão sistêmica dos problemas e obteve a vitória na dificuldade do eleitor mediano em distinguir a diferença qualitativa entre as propostas em disputa.Uma coisa é avaliar desejos, outra coisas é avaliar planos de governo. É isso que se deve fazer num balanço sério. Por isso, a sua avaliação só pode ser ideológica.

Porquê? Porque o sonho de Marchezan é, na realidade, um pesadelo: enquanto sonha com o fim dos buracos nas ruas, estas, ao contrário, ficaram piores, estão repletas de buracos; enquanto sonhava em não ter produzido atrasos nos salários dos servidores, produziu o maior parcelamento salário que já se viu na administração e por esta razão, seu governo foi responsável pelo caos na relação com os servidores. É ideológico porque Marchezan diz uma coisa mas fez outra: é por isso, que ao contrário do que afirma, Marchezan não quer a mesma Porto Alegre para 1,5 milhão de pessoas ou 100% dos seus habitantes, ele quer uma Porto Alegre para 31.500 mil habitantes ou 2,1% de seus cidadãos, percentual correspondente aos grandes empregadores (1,7%) e dirigentes do setor privado (0,4%) da capital segundo os dados do IBGE.

É que para construir uma cidade para os ricos não é fácil. É preciso seguir um roteiro. Primeiro, repetir a exaustão a falência da administração. Ao contrário do que Marchezan afirma no artigo, não temos certeza de que a cidade está falida simplesmente porque o Prefeito não respondeu a solicitação do Ministério Público sobre o fluxo de caixa da Prefeitura, que continua, como o Santo Graal, um mistério.

A realidade é injusta para Marchezan, mas o prefeito não vê que quem produz a injustiça é sua própria política, que defende o capitalismo com unhas e dentes. Não se trata, como afirma Marchezan, de querer a mudança e negá-la, se trata de como mudar: de forma democrática, com a participação de todos os envolvidos. Isso Marchezan não fala porque não faz parte de seu estilo, seu estilo é autoritário e o desejo dos outros, um mero detalhe. Não conhece o significado de empatia. O que defende como vitória na verdade é um fracasso: o aumento do tempo do professor com aluno foi às custas da desorganização da cultura escolar, a reforma administrativa proposta só desvaloriza o servidor público e o abandono da manutenção de órgãos e equipamentos é parte da estratégia neoliberal que visa desmontar a máquina pública primeiro para privatizá-la depois. Ao contrário do que afirma, o governo municipal não quer governar para todos, mas para uma minoria. É a sua natureza.

Ao contrário do que defende, não tenho dúvida que a Porto Alegre que o Prefeito quer é diferente da Porto Alegre que os cidadãos querem. É ideologia dizer que seu desejo é idêntico aos dos cidadãos, porque ele representa somente os interesses da elite. Não é a mudança que dói, é a mudança para pior: o que dói é ver o esforço do Prefeito em exterminar o Plano de Carreira dos servidores e o desejo de entregar o patrimônio público à iniciativa privada, como deseja fazer com a Carris e o DMAE. Em 2018, é preciso uma Câmara atuante na defesa dos outros 97,9% de cidadãos da cidade, eleitores excluídos definitivamente dos sonhos do prefeito. Ela deverá ser um foco de resistência, atuante, e não ceder ao canto de sereia – cargos – que o Prefeito poderá lhes oferecer.

A Câmara Municipal deverá se comportar como na quarta-feira, dia 22, quando os servidores municipais entraram em greve. A sessão foi o teste de ferro para os vereadores: eles tiveram de decidir se honram a palavra empenhada, de votar junto com os servidores pela rejeição do PLL 11/2017, ou cederem ao prefeito que teima em ofender o legislativo e usa o empresariado local como arma de combate. Não é um debate político: é o salário justo dos servidores que está em jogo. Ficou para 2018.

O prefeito insiste com o projeto que desmonta a cidade e o serviço público porque na cartilha neoliberal austeridade é uma ideologia. Nela, todos perdem, mas os bancos continuam ganhando, com os empréstimos que servidores fazem para superar a crise. Marchezan defende a redução dos salários dos servidores como penitência – “dor virtuosa após a festa imoral” (Mark Byrth) mas é só olhar o Estado para ver que a ideia não funciona, faz servidores pagarem pelos erros de administradores e repousa na “falácia da composição”: nem tudo que se aplica a família se verifica no Estado.

Na melhor hipótese, os empresários foram induzidos a erro por Marchezan porque “alguém tem de gastar para que alguém compre”: estudo recente mostrou que com a proposta do Prefeito, as perdas para o comércio chegam a 633,5 milhões, com redução do PIB da capital em 2,37%. A retirada dos recursos circulantes dos municipários só incrementa a crise da capital. Se todos os governos cortam os salários dos servidores, a economia quebra. Não se enganem com os dados do comércio de Natal, porque também aqueles que estão às vésperas da morte dão um último suspiro. É aí que nos encontramos.

Há alternativas. Até a esquerda defende o aumento do IPTU de maneira justa, razoável e transparente e “repressão fiscal” – mais impostos para bancos e instituições de crédito. A saída é sempre aumentar o custo do capital e não do trabalho, repassar o custo para o topo da pirâmide e não para a base. Os cortes propostos ao funcionalismo vão se virar contra o prefeito e contra a cidade.

Numa democracia, dividas são cíclicas e não seculares e a sustentabilidade política supera a necessidade econômica, a não ser que a intenção do Prefeito seja a de aumentar a dívida privada dos servidores com os bancos e transformar a política da dívida do município numa moralidade. Por isso a rejeição do PLL 11/2017, ou o adiamento de sua votação foi uma pequena vitória, porque os vereadores devem manter a palavra empenhada: a iniciativa é ruim para servidores e para a cidade e o balanço do prefeito, a mais bela obra de ficção feita por um administrador.

Ao contrário do que pede o governo, não há como trabalhar junto na destruição do serviço público. Não há como trabalhar junto para privatizar a Carris e o DMAE simplesmente porque são instituições da história da cidade. Onde o Prefeito busca resultados, vemos processos; onde o Prefeito busca rendimentos, vemos qualidade. “Quem nasce pelo gerenciamento morre pelo gerenciamento”, provérbio que atualiza uma moral antiga, aponta para o destino da gestão administrativa baseada exclusivamente no taylorismo, na racionalidade e no modelo de gestão capitalista das empresas. Se é para fazer um balanço anual, é o de que Marchezan perdeu feio. Mas atenção: ele vai voltar. Como diz a canção “É preciso estar atendo e forte, não temos tempo de temer a morte”.

(*) Jorge Barcellos é É licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1989) e Mestre e Doutor em Educação pela Faculdade de Educação/UFRGS(2013). Integra com o GT Politicas para família, gênero e gerações do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da Universidade Federal do Rio Grande do SUL (CEGOV-UFRGS). Recebeu a Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica (2006) e o Troféu Expressão da FINEP (2006) .É autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014), O tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora PI, 2017).


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