Opinião
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30 de maio de 2017
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03:10

GLO: uma tentação perigosa (por Alberto Kopittke)

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Sul 21
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Ao invés de investir recursos e realmente fortalecer os órgãos de segurança pública, como as polícias, o sistema penitenciário, as perícias e as guardas municipais, o Governo Federal vem paulatinamente seguindo uma perigosa espiral de banalização da exceção, através do uso das Operações GLO.

Foto: Mídia Ninja

Durante a Constituinte, o Ministro da Guerra impôs a exigência das Forças Armadas continuarem como garantidoras da garantia da lei e da ordem, seguindo uma exigência feita desde a Constituição de 1891, e que já foi utilizada como argumento para decretar o Estado Novo e a Ditadura Militar.

Desse dispositivo previsto no artigo 142, brotou ao longo dos últimos 30 anos, uma estrutura legislativa extremamente perigosa para a ordem democrática.

Enquanto o Congresso Nacional não aprovou nenhuma Lei Complementar estruturando a organização e o financiamento de um Sistema Nacional de Segurança Pública (como expressamente exige o parágrafo 7º do Art. 144, da Constituição), foram aprovadas nada menos do que quatro Leis Complementares, cada uma ampliando os poder das Forças Armadas para atuarem em temas internos: 1) Lei Complementar 69/91 (Governo Collor), autoriza as Forças Armadas a intervir em assuntos internos, depois de esgotado o uso da força policial. 2) Lei Complementar 97 (Governo FHC) criou as Operações de Garantia da Lei e da Ordem. 3) Lei Complementar 117/2004 (Governo Lula) Forças Armadas retomaram plena competência para ações de Segurança Pública na faixa de fronteira, o que representa 27% do território nacional, além de garantir que qualquer crime cometido contra as forças armadas deve estar sob a jurisdição do Código Penal Militar; 4) Lei Complementar 136/2010 (Governo Lula): as Forças Armadas receberam autorização para fazer revistas e prisões em flagrante relacionadas ao tráfego de drogas por via aérea e em missões de segurança de autoridades nacionais  e internacionais.

Em 2013, durante o Governo Dilma, as Operações da Garantia da Lei e da Ordem foram regulamentadas pelo Ministério da Defesa. Num primeiro momento a regulamentação previu absurdos como a proibição do ingresso de jornalistas na área sobre GLO e a possibilidade de realização de buscas coletivas. Após críticas, o Ministério editou uma segunda Portaria em 2014, modificando algumas expressões, mas sem alterar a principal mudança, aquela feita no conceito de Força Oponente.

Desde a Constituição de 1988 que revogou os Atos Institucionais, as Forças Armadas não tinham autorização para atuar contra cidadãos brasileiros. Com a GLO o conceito de Força Oponente voltou a ser o mesmo do período da Ditadura, passando a ser considerado como qualquer “agente de perturbação que instabilize a ordem social”.

A GLO pode ser considerada como um terceiro mecanismo de exceção, ao lado do Estado de Guerra e do Estado de Sítio, mas com uma diferença importante desses dois: ela não precisa de autorização do Congresso Nacional para ser Decretada.

Hoje, a GLO ainda possui um último “empecilho” ao necessitar a autorização dos Governadores Estaduais. Para superar isso, a Presidenta Dilma enviou para o Congresso a chamada “PEC  da Segurança” (138/2015),  já aprovada por unanimidade no Câmara dos Deputados, através da qual o Presidente da República poderá decretar GLO sem a autorização dos Governadores.

Apenas durante o Governo Dilma, a GLO foi decretada 13 vezes, num total de 303 dias com algum território do país sob o controle das Forças Armadas.

Antes que se diga que assim se quer criticar ou enfraquecer as Forças Armadas, o que se busca é protegê-las, como ocorre em todas as democracias desenvolvidas, para que não venham a ser usadas para enfrentar, através da força, problemas que o país precisa superar com as leis, com a democracia e com forças de segurança modernizadas.

Em razão de heranças autoritárias mal resolvidas, montamos por dentro do regime democrático uma legislação de exceção, que se transformou numa perigosa tentação em momentos de crise, como vimos no dia 24 de maio, quando um Presidente absolutamente fragilizado tentou utilizar arbitrariamente a força para se sustentar.

Quando a força das ideias se enfraquece, a ideia da força sempre será uma tentação muito perigosa, a qual não pode estar disponível para aventuras autoritárias, de nenhuma coloração ideológica.

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Alberto Kopittke é pesquisador em segurança pública e ex-vereador de Porto Alegre.

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