Opinião
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14 de dezembro de 2016
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16:57

A inconstitucionalidade da extinção de estatais (por Oscar José Plentz Neto e Sergio Martins de Macedo)

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A inconstitucionalidade da extinção de estatais (por Oscar José Plentz Neto e Sergio Martins de Macedo)
A inconstitucionalidade da extinção de estatais (por Oscar José Plentz Neto e Sergio Martins de Macedo)

622183É possível a reforma da Constituição Estadual para tornar sem efeito as Emendas que alteraram o Art. 22º, para que as estatais só possam ser extintas ou alienadas mediante plebiscito?

Na esteira do pensamento neoliberal que imperou nos anos 80 e 90 em diversas partes do Mundo, inclusive no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, vitimou várias empresas estatais.

Estas privatizações tiveram efeitos negativos, entre os quais a queda dos investimentos em infraestrutura e a perda, por parte do Estado, do controle sobre setores estratégicos, tais como estradas, transportes e energia.

Por conseqüência a partir de 2002 até 2016, a Constituição do Estado foi diversas vezes alterada em seu art. 22, que trata da criação, extinção, fusão, incorporação ou cisão de qualquer entidade da administração indireta, no sentido de limitar novas iniciativas neste sentido.

Após as reformas promovidas foi incluído no Art. 22 da Carta Constitucional Estadual, por exemplo, entre outros, o § 4º, que assim dispõe:

Art. 22.  Dependem de lei específica, mediante aprovação por maioria absoluta dos membros da Assembleia Legislativa:

§ 4.º A alienação, transferência do controle acionário, cisão, incorporação, fusão ou extinção da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE –, Companhia Rio-grandense de Mineração – CRM – e da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul – SULGÁS – somente poderão ser realizadas após manifestação favorável da população expressa em consulta plebiscitária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 71, de 23/02/16)

Portanto, foi transferido o direito de reforma da constituição, do poder constituinte derivado – Legislativo – para a soberania popular, exigindo-se a realização de plebiscito para privatizar, extinguir, incorporar ou fundir empresas estatais. Tal transferência se deu por meio de Projeto de Reforma Constitucional do Poder Executivo, aprovadas pelo Poder Legislativo, com maioria de 2/3, conforme determina a própria Carta.

Tal alteração se deu em razão de que emergiu o entendimento de que se deveria dar maior segurança ao patrimônio público do estado. Evitar que em momentos políticos instáveis, ou movidos por interesses momentâneos, os Poderes Executivo e Legislativo pudessem, com facilidade alienar ou transferir o domínio público das empresas pertencentes ao Estado.

O plebiscito é uma das formas de manifestação da “soberania popular”, e decorre dos direitos políticos dos cidadãos conferidos pela Constituição Federal de 1998, em seu Capitulo IV, em especial, no art. 14º:

O referido artigo veio a ser regulamentado posteriormente, por meio da Lei Federal nº 9.709, de 18 de novembro de 1998.

Assim, particularmente, importante que se destaque o que dispõe o Caput do art. 2º da norma regulamentadora:

Art. 2o Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.”

Do Caput deste artigo, portanto, fica ainda mais evidente o caráter especial das matérias cuja competência para reforma é entregue à iniciativa popular, seja por meio do poder originário ou derivado, como ocorreu nas alterações do art. 22º da Constituição Estadual do RS.

Tais alterações cujo poder é conferido ao cidadão por meio de plebiscito se dão especificamente em “…matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.”

Como exemplo de relevância destas matérias, pode-se lembrar o referendo realizado em 2005, para decidir sobre a questão do desarmamento.

Também na própria Constituição Federal de 1998, no art. 2º dos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT confere à soberania popular o direito de decidir sobre o sistema presidencialista ou parlamentarista e sobre a manutenção na república ou o retorno à monarquia.

Em que pese toda esta regulamentação acerca da matéria e o já sacramentado na Constituição Estadual, no dia 23 de novembro de 2016, o Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul encaminhou à Assembléia Legislativa várias propostas de emendas constitucionais, para serem votadas pelo plenário do próprio legislativo, inclusive, algumas, violando o direito que foi transferido do poder constituinte derivado para a soberania popular, entre os quais se destaca a “Proposta de Emenda à Constituição nº 259/2016”, que revoga o citado § 4º do Art. 22 da Constituição Estadual.

As constituições são concebidas para durar no tempo, mas a evolução dos fatos sociais pode reclamar ajustes na vontade expressa no documento do poder constituinte originário. Para afastar os efeitos nefastos de um engessamento do texto constitucional, o próprio poder constituinte originário prevê a possibilidade de um poder, por ele instituído, vir a alterar a Lei Maior.

No entanto, a doutrina do excelso Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, no livro Curso de Direito Constitucional1, adverte:

Há, afinal, as limitações materiais ao poder de reforma. O poder constituinte originário pode estabelecer que certas opções que tomou são intangíveis. Terá consagrado o que se denomina cláusula pétrea. (pág. 180)

As denominadas “cláusulas pétreas” constituem-se em uma limitação ao poder de emendar a Constituição. Estas estão previstas, a princípio, no § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Em função da hierarquia das normas, tais dispositivos da Carta Magna deverão também ser respeitados em sede regional, ainda que não expressamente contidas nas Constituições Estaduais.

E, há as cláusulas pétreas implícitas, as limitações materiais ao poder de reforma que não estão exaustivamente enumeradas no art. 60, § 4º, da Carta da República.

No referido Curso de Direito Constitucional de Mendes e Branco, os autores trazem o entendimento, que segue:

A natureza do poder constituinte de reforma impõe-lhe restrições de conteúdo. É usual, nesse aspecto, a referência aos exemplos concebidos por Nélson de Souza Sampaio, que arrola como intangíveis à ação do revisor constitucional:

a) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque este se acha em posição transcendente à Constituição, além de a soberania popular ser inalienável; (GRIFAMOS)

b) … (pág. 195)

Veja-se, portanto, que no entendimento do doutrinador, “a soberania popular” é “intangível”.

Em razão de todo o exposto, há entendimento de que o Legislativo Estadual não têm o direito de transferir novamente para si o Poder de Reforma da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, nas matérias cujo direito de reformar foi devolvido à iniciativa popular, por meio de plebiscito.

Oscar José Plentz Neto e Sergio Martins de Macedo são advogados.

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1 Mendes, Gilmar Ferreira e Branco, Paulo Gustavo Gonet, “Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 7ª Ed., 2012, págs. 178, 195/6.

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