Opinião
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2 de agosto de 2016
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03:04

Capitalismo selvagem (por Marino Boeira)

Por
Sul 21
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Ilustração: Marino Boeira
Ilustração: Marino Boeira

Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, a lista de países europeus sempre à beira de uma nova crise econômica é cada vez maior. Os tempos de abundância ficaram no passado. Isso, sem falar nos estados mais a leste da Europa, que nunca alcançaram esse estágio de desenvolvimento e que convivem agora com dificuldades econômicas crescentes. A explicação da grande mídia é sempre a mesma: bolhas de consumo, com a oferta de crédito sem maiores exigências e, logo a seguir, a inadimplência e a quebra de bancos e financeiras.

Os remédios sugeridos são também os mesmos: aumento das taxas de juro, restrição de crédito e cortes nos programas sociais do governo. Ou seja, quem vai pagar a conta mais uma vez são os assalariados, que foram estimulados a consumir e agora, ameaçados de perder seus empregos pela recessão inevitável, se tornam inadimplentes.

Apesar de ser um processo que se repete periodicamente, os economistas de plantão e seus porta-vozes na mídia, identificam nessa sucessão perversa de fatos apenas “solavancos” no caminho do capitalismo, ou uma simples “marolinha”, como dizia Lula, e não sintomas de uma crise cada vez maior do sistema.

O Welfare State (o Estado do Bem-Estar Social) ficou no passado, mais como uma estratégia política para enfrentar a sedução do comunismo para as populações europeias depois da segunda guerra mundial, do que realmente uma filosofia humanística. O governo da França ampliou os prazos para a aposentadoria dos seus trabalhadores e agora quer aumentar as horas de trabalho semanal, indiferente às grandes manifestações populares de repúdio à medida. Na Inglaterra e na Alemanha, seus governos são cada vez mais conservadores e preocupados em gerir seus países como se fossem meros gerentes de fábrica. Pior de tudo é que a resistência popular é pouco eficiente e vive de surtos, como as manifestações durante a crise na Grécia, na Espanha e agora na França.

Depois de décadas de um grande esforço midiático destinado a conquistar corações e mentes para o modelo capitalista, as organizações políticas de esquerda europeias parecem não pensar mais na existência de alguma alternativa possível ao capitalismo selvagem dos dias atuais. Nunca foi tão verdade a constatação de Marx de que as massas têm a ideologia das classes dominantes. A reorganização da sociedade sob uma infraestrutura socialista (não apenas de governos com partidos nominalmente chamados de socialistas ou até comunistas) não se coloca mais, nem como tema de discussão para os políticos atuais, ficando restrita apenas ao debate em alguns setores acadêmicos.

A inspiração que a União Soviética representou durante muitos anos para os trabalhadores do mundo inteiro, perdeu-se quando o primeiro governo autodenominado comunista da era moderna foi incapaz de resolver os problemas de desenvolvimento com liberdade e democracia interna, e acabou destroçado pela onda de chauvinismo que varreu as então repúblicas socialistas soviéticas.

Restaram exemplos muito pobres para se opor ao capitalismo decadente: o regime familiar e militarizado da Coréia do Norte, a pequena Cuba, bloqueada durante décadas pelos Estados Unidos e a China, com o seu capitalismo de Estado, que é mais exemplo de sucesso para os empresários capitalistas do mundo inteiro do que para os trabalhadores.

Dentro dessa situação econômica mundial adversa, os brasileiros que nas três últimas eleições escolheram o modelo de governo mais aproximado de algum tipo de reformismo social, viram este ano retirado esse pequeno avanço, com o golpe parlamentar que levou novamente ao poder um grupo extremamente retrógrado, sob pontos de vista político, social e econômico.

Quando o Brasil experimentou, sob o governo de Lula, uma dessas bolhas de desenvolvimento, o assessor presidencial, Marco Aurélio Garcia, afirmou que “ O Brasil não pode ser uma ilha de prosperidade num oceano desigualdade na América Latina”. Justiça se faça. No caso ele se referia à necessidade do Brasil cooperar com Paraguai e Bolívia em questões energéticas e não com aquele sentido do pensamento do general Médici, quando disse: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao Jornal Nacional. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante após um dia de trabalho”.

Será que o general não sabia que havia censura à imprensa ou não desconfiava do apoio interessado à ditadura do Jornal Nacional que ele costumava assistir?

Hoje, nem o Jornal Nacional é capaz de trazer boas notícias que possam tranquilizar a Temer e seu grupo, mais preocupados em se garantir em cargos para os quais não foram eleitos e dos quais a maioria da população deseja que se retirem imediatamente.

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Marino Boeira é professor universitário

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