Opinião
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10 de abril de 2016
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10:06

Algumas reflexões acerca do ódio dirigido às mulheres através da figura da Presidenta Dilma Rousseff – uma síntese do Seminário Internacional Rotas Críticas VII (por Stela Nazareth Meneghel e Fabiano Barnart)

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Sul 21
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Algumas reflexões acerca do ódio dirigido às mulheres através da figura da Presidenta Dilma Rousseff – uma síntese do Seminário Internacional Rotas Críticas VII (por Stela Nazareth Meneghel e Fabiano Barnart)
Algumas reflexões acerca do ódio dirigido às mulheres através da figura da Presidenta Dilma Rousseff – uma síntese do Seminário Internacional Rotas Críticas VII (por Stela Nazareth Meneghel e Fabiano Barnart)

 Por Stela Nazareth Meneghel1 e Fabiano Barnart2

A violência perversa, machista, misógina que o patriarcado brasileiro está dirigindo à Presidenta legitimamente eleita é criminosa e deve ser firmemente combatida e denunciada às cortes internacionais de Direitos Humanos. Esta é a violência do neoliberalismo patriarcal e necrófilo em que as mulheres são meros objetos descartáveis usados para o trabalho e para o prazer, aquelas que ousarem romper com esse estereótipo, às refratárias cabe à retaliação, o estupro corretivo, as violências e em último caso, a morte – o feminicídio. Em uma sociedade onde impera a lei do mais forte, onde os direitos individuais estão sendo violados a cada dia (onde um juiz qualquer pode grampear a Presidenta da República), onde as mídias mentem, deturpam e caluniam para encobrir suas irregularidades e veicular apenas o ponto de vista das elites, há vidas que têm valor (em geral, homens brancos, hetero cisgênero e ricos) enquanto outras não valem nada, constituindo vidas nuas, precárias, descartáveis como apontou o filósofo Giorgio Agambem. Essas vidas sem valor correspondem às mulheres (em sua maioria mulheres negras, pobres, indígenas, migrantes, LGBTs, prostitutas, pessoas em situação de rua, dentre outras).

O que nos resta fazer? Estas foram algumas questões que discutimos no Seminário Internacional Rotas Críticas VII3, em Campo Grande/MS, ocorrido no bojo do 12º Congresso Internacional da Rede Unida4 (http://www.redeunida.org.br/congresso2016). Reflexões produzidas pelas falas da Dra. Montserrat Sagot, professora titular da Universidade da Costa Rica, que tem trabalhado com as categorias necropolítica e fascismo social para explicar os determinantes das violências na sociedade. Necropolítica entendida como a ação do estado neoliberal ao deixar parte da população absolutamente desprotegida e sem direitos, sujeita à própria sorte e deixada morrer. Fascismo social, um conceito utilizado por Boaventura Santos, indica o recrudescimento do ódio classista, misógino e racista, propugnando o fechamento de fronteiras, a morte moral do outro, quer seja o estrangeiro, o diferente, o migrante. Esta categoria se apoia em um pretenso nacionalismo (vide a usurpação de símbolos da nação apenas por um grupo, querendo defender com beligerância os privilégios de classe).

Estas reflexões foram complementadas pela fala da secretária Aparecida Gonçalves, responsável pelas políticas de enfrentamento da violência de gênero da Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República. Aparecida denunciou a escalada da barbárie expressa através da violência misógina dirigida contra a Presidenta Dilma, na internet, nas redes sociais, em jornais e revistas, na abertura da Copa, na confecção de material escrito com injúrias, mentiras e pornografia (que simulam e incentivam o estupro). Esta violência de gênero tem origem no ódio às mulheres que ousam romper com o papel tradicional de esposas e mães e mostrar autonomia e vontade própria? – pergunta a secretária.

Dilma rompe com a imagem da mulher que o conservadorismo precisa manter: o butim de guerra do masculino. Para abatê-la, macular sua imagem, feri-la, o machismo age nos porões e produz diuturnamente um manancial de lama, que inclui pornografia barata, ameaças, grosserias, imagens abusivas e manipuladas, galhofa rude, perversa, anônima, apócrifa e covarde. A pornografia é um dos instrumentos da ideologia patriarcal para reduzir as mulheres à carne no mercado e para mantê-las subjugadas. O ódio de classe e raça ajuda a mantê-las divididas e desempoderadas, enquanto a agressão é dispositivo de controle das recalcitrantes e o feminicídio – mascarado em crime de honra – serve para mostrar quem é que manda.

Para a historiadora Norte-america Joan Scott: “o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado”. Amílcar Torrão Filho, professor da PUC-SP, corrobora com as reflexões dessa autora, reforçando que “muitas relações de dominação da história, na Revolução Francesa, nos regimes autoritários, no conceito de classe estão ancoradas e se constituem na categoria do gênero, e para entendê-las é necessário entender o gênero”, também afirma que não são diferenças biológicas que são determinantes ou condicionantes das desigualdades de gêneros, essas desigualdades são um constructo social.

Não se pode deixar de mencionar a atitude digna e íntegra, a fortaleza apresentada pela Presidenta frente às vilezas que tem sido vítima. Torturada pela segunda vez na vida, a primeira pela polícia política da ditadura nos porões do DOI-CODI (ver relato abaixo), agressores que nunca foram julgados neste país. Torturada no momento presente pelos representantes do capitalismo patriarcal e fundamentalismo religioso: a bancada do boi, da bala e da bíblia. Torturada por aqueles que se dizem donos do cristianismo (jesus.com) e usam da religião como um negócio lucrativo ou para cercear os direitos humanos, sexuais e reprodutivos, duramente adquiridos pelos movimentos sociais nos últimos anos. Na cruzada moralista e hipócrita, suprimiram a discussão de gênero dos planos de educação, certamente para manter as meninas presas no cumprimento de papeis de gênero tradicionais e LGBTs excluídos do espaço escolar, negando o direito à educação e à cidadania; preconizam o cumprimento do destino de gênero que creem ser das mulheres, negando o direito aos seus próprios corpos, levando adiante gestações indesejadas, muitas vezes decorrentes de estupros e violações, aceitando as violências e a ordem do macho.

“Eu estive três anos presa ilegalmente, fui torturada. A prisão sempre é uma forma humilhante de tratar pessoas e sempre mantive o controle, o eixo e sobretudo a esperança. Enfrentei, como muitas mulheres nesse Brasil enfrentam, uma doença difícil. Eu enfrentei o câncer, que me debilitou no início, mas que eu sempre disse “enfrenta que você supera”. Mantive o controle, o eixo e a esperança. Eu estou enfrentando, desde a minha reeleição, a sabotagem de forças contrárias e mantenho o controle, o eixo e a esperança.Quero dizer para vocês: eu não perco o controle, não perco o eixo, não perco a esperança porque eu sou mulher, é por isso, porque sou mulher. Não perco o controle porque me acostumei a lutar por mim e pelos que amo.” (relato publicado na fanpage de Dilma no Facebook em 7 de abril de 2016)

O capitalismo patriarcal não perdoa a Presidenta assim como a Lula, pelas políticas sociais que ousaram implementar. O que seria do capitalismo sem o processo de submissão/exploração das mulheres, como já assinalava a pensadora feminista Helieth Saffiotti? Vejam o desconforto que o Programa Bolsa Família produz nos machos da atualidade porque aposta na autonomia feminina, dessas mulheres que vem constituindo “os novos pobres do mundo”. O capitalismo colonial permite apenas que se dê esmolas: roupa velha e farináceos deteriorados, de preferência comprados de algum compadre político. Direitos sociais jamais. Às mulheres precisam mantê-las como força de trabalho gratuita, reprodutoras de mão de obra escrava, já que não há mais nem exército de reserva.

Para isso colocam em movimento as forças da morte, articulando a destruição do estado de direito para manter os interesses hegemônicos. O que está em jogo é um modelo voltado para atender as necessidades da maioria da população e outro mantenedor do colonialismo. O golpe coloca em risco as instituições democráticas, as políticas e os programas sociais que tiraram da miséria mais de 36 milhões de pessoas. Estamos todos em risco, as terras, as águas e os ares, as gentes e as riquezas deste país, as liberdades humanas e os direitos fundamentais.

O texto de Amilcar Torrão Filho proporcionou contribuições para reflexão em relação ao principal debate que está movimentando o País neste momento: o processo de golpe da Presidente Dilma. Para quem estuda ou milita no campo de gênero e/ou sexualidades fica claro que o pano de fundo que proporcionou a atual conjuntura política do país está fortemente relacionado a marcadores sociais de gênero e de classe, ao fato de que a maior autoridade do Estado-Nação Brasileiro ser uma mulher, fortemente implicada em lutar contra a corrupção do País. A atuação da Presidenta Dilma no combate à corrupção do país atinge diretamente o status de macho dos políticos brasileiros e das elites dominantes, também representados pelo monopólio da mídia brasileira, que são em sua grande maioria homens brancos, heterossexuais e ricos, os principais responsáveis por esquemas de corrupção criados há décadas atrás, visto que são aqueles que ocupam a grande maioria dos cargos políticos e de poder. Antes do governo Dilma, nunca existiu um período na história do Brasil onde a corrupção tenha sido tão combatida e/ou punida.

Existe um grande esforço dos setores mais conservadores da sociedade capitalista patriarcal para enclausurar o debate sobre as desigualdades de gênero no âmbito privado, com o objetivo de manter essas questões apagadas do contexto histórico e do debate público. Por isso, fica evidente, ao analisar a conjuntura política do país, que as estratégias utilizadas contra a Presidenta Dilma, em primeira instância são baseadas em práticas misóginas para destruir sua imagem como autoridade política e como mulher, que seria incapaz de exercer o cargo ocupa, pois esta seria uma posição do homem. Como a historiadora Joan Scott já havia afirmado: “o gênero é uma primeira maneira de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é um primeiro campo no qual, ou por meio do qual, o poder é articulado”. Assim podemos entender também que para destituir alguém do poder também serão utilizadas estratégias e práticas baseadas na violência de gênero, pois as relações sociais estão constituídas em relações hierárquicas pautadas no gênero. Para que possamos entender a conjuntura macropolítica atual do processo do golpe, camuflado de impeachment, precisamos colocar no debate público as relações sociais de gênero e as desigualdades que estão sendo materializadas na arena social e política através dos ataques à Presidenta.

Os “homens de bem” que estão implicados em derrubar a Presidenta, são aqueles que reproduzem e incitam à violência contras as ditas minorias sociais: mulheres, indígenas, negros e negras, LGBTs, etc., através de discursos de ódio que são proferidos publicamente sem nenhum constrangimento. Citamos outra vez Amilcar Torrão Filho quando afirma que “[…] o feminino é a grande ameaça à heterossexualidade do homem; o feminino é sempre a ameaça ao homem. Por outro, a masculinidade é interdita à mulher, pois a mulher no lugar do homem é o “mundo às avessas”, a ordem corrompida, a natureza ultrajada. Esses homens se sentem ameaçados de perder os espaços de poder e a liberdade, tendo que pagar por seus crimes. O lugar que a Presidenta Dilma ocupa, como a maior autoridade política do país, é exatamente esse mundo às avessas que agride a masculinidade de grande parte dos políticos brasileiros, que em caso de se manter submissa e conivente aos esquemas de corrupção por eles criados seria tolerada nessa posição, mas que no momento que iniciou e deu continuidade ao processo de combate à corrupção, transgredindo seu papel social de mulher submissa começa a ser duramente atacada, psicológica e simbolicamente, com discursos misóginos.

Ao final do encontro e no aqui e agora, reafirmamos nosso compromisso com a democracia, contra o golpe, na defesa da presidenta eleita. Estamos com Dilma, essa mulher corajosa, digna e exemplar, na vigília, na alegria e na dor, na solidariedade e na luta. Dilma, mais do que nunca: coração valente.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

SAFFIOTI, Heleieth I.B.. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero.Cad. Pagu. 2001, nº 16, p.115-136. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332001000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso: 8 de abr. de 2016.

SAGOT. Montserrat. El femicídio como necropolítica em Cenreoamérica. Labrys, études féministes/ estudos feministas, juillet / décembre 2013 – julho / dezembro 2013.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação & Realidade, v.20, n.º 2, julho/dezembro de 1995, pp. 71-99.

TORRAO FILHO, Amílcar. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. Cad. Pagu [online]. 2005, n.24, pp. 127-152. ISSN 0104-8333. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n24/n24a07.pdf>. Acesso: 8 de abr. de 2016.

1 Professora e Coordenadora Substituta do Curso do Bacharelado em Saúde Coletiva e Vice Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Rio Grande do Sul – UFRGS; Médica sanitarista e Doutora em Medicina: Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pós-Doutora no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Autônoma de Barcelona; Bolsista Produtividade do Cnpq na área de Saúde Coletiva em vigilância da saúde, vulnerabilidades, gênero e violências.

2 Ativista do Nuances – Grupo Pela Livre Expressão Sexual; Sanitarista – Bacharel em Saúde Coletiva; Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia na UFRGS – Linhas de Pesquisa em Análise Territorial; Pesquisador nas áreas de saúde coletiva, geografia, gênero, sexualidades e violências contra população LGBT.

3 A sétima edição do Seminário Internacional Rotas Críticas aconteceu nos dias 23 e 24 de março de 2016, durante o 12º Congresso Internacional da Rede Unida, em Campo Grande (MS). Com o tema “Desigualdades de Gênero”, o seminário tem o objetivo de garantir visibilidade às violências e vulnerabilidades decorrentes das desigualdades de gênero na sociedade.

4 A Associação Brasileira Rede Unida reúne projetos, instituições e pessoas interessadas na mudança da formação dos profissionais de saúde e na consolidação de um sistema de saúde equitativo e eficaz com forte participação social. A principal ideia força da Rede Unida é a proposta de parceria entre universidades, serviços de saúde e organizações comunitárias. Nesta edição, o congresso teve a temática: Diferença sim, Desigualdade não: pluralidade na invenção da vida.

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