Opinião
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29 de março de 2016
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10:07

O Globo no Golpe (II): 1963 — a escalada das manchetes rumo à ditadura (por Ayrton Centeno)

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Sul 21
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O Globo no Golpe (II): 1963 — a escalada das manchetes rumo à ditadura (por Ayrton Centeno)
O Globo no Golpe (II): 1963 — a escalada das manchetes rumo à ditadura (por Ayrton Centeno)

O globo

Quando começa 1963, João Goulart recupera os poderes que perdera com a imposição do parlamentarismo em 1961, logo após a renúncia de Jânio Quadros. Por maioria esmagadora, em plebiscito, os eleitores se definem pelo retorno do regime presidencialista.

Meu povo tá na hora de acabar a confusão/Toda a nação vai responder que Não (…)” pregava a marchinha da propaganda presidencialista cantada por Elizeth Cardoso e também por Ivon Cury, Isaurinha Garcia e Jorge Goulart. O “Não” seria dado ao golpe branco do parlamentarismo. Dos 12 milhões que foram às urnas, 9,5 milhões apoiaram o presidencialismo e a devolução dos poderes ao presidente.

Apesar dos rumores de que a direita, sobretudo a UDN, não reconheceria o resultado da consulta popular, o Congresso confirmou a mudança. Seguia para algum desvão da história a figura do primeiro-ministro mas Jango continuava caminhando sobre a lâmina, à testa de um governo que buscava conciliar aliados e interesses conflitantes, criticado à esquerda e à direita.

Em 1963, o panorama das manchetes de capa de O Globo – 50 delas citadas abaixo, geralmente o principal ou o segundo título – segue o desenho do ano anterior. Embora, ocasionalmente, conceda o destaque da primeira página a manifestações de Jango ou de seus ministros, sobretudo os militares, o jornal da família Marinho prossegue fiel a sua linha de desgaste do governo e de investidas contra o trabalhismo, o sindicalismo e as esquerdas. E de exaltação da hierarquia conservadora da Igreja Católica e do governador carioca Carlos Lacerda, figura preponderante da oposição.

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1) “Pessimismo quanto a aprovação da reforma constitucional (08/01/1963)

2) “Governo anuncia aumento de 70% na gasolina e de 10% no custo de vida” (15/01/1963)

3) “Agressivo apelo de Castro à revolução na América Latina” (17/01/1963)

4) “Mais caros a partir desta semana a farinha de trigo, o pão e o arroz” (28/01/1963)

5) “Mazzilli no Rio para defender o Congresso dos ataques de Brizola” (07/02/1963)

6) Lleras Camargo: a Aliança fará progredir a América Latina para deter o comunismo (04/03/1963)

7) “Choques da PM cercaram a sede da UNE: o congresso pró-comunista ficou em Niterói” (29/03/1963)

8) “Os promotores do congresso pró-Cuba farão novo ensaio para tumultuar a Guanabara” (01/04/1963)

9) “Aumentam as filas do açúcar: o IAA ignora as razões da crise” (08/04/1963)

10) “Se não for detida a onda subversiva pode o Congresso se reunir longe de Brasília e dos agitadores” (23/04/1963)

11) “Aprovar a emenda à Constituição é franquear o caminho à ditadura” (04/05/1963)

12) “José Bonifácio denuncia manobra eleitoral sob a máscara de reforma agrária” (04/05/1963)

13) “Para a tranquilidade da nação não bastam medidas disciplinares nas classes armadas. É necessário extinguir urgentemente os focos de subversão” (14/05/1963)

14) “Kruel pune sargentos mas reconhece que eles foram envolvidos por agitadores” (24/05/1963)

15) “Não é oportuno modificar-se a qualquer pretexto a estrutura democrática mesmo de reformas de base” (28/05/1963)

16) “Generais desagravam o ministro da guerra em nome do exército” (05/06/1963)

17) “O CGT inicia a agitação com comício na Câmara e insultos a parlamentares” (06/06/1963)

18) “Paga pelo governo a hospedagem dos agitadores, denuncia Amaral Neto” (07/06/1963)

19) “Prejuízos incalculáveis com a paralisação dos portos do pais” (08/06/1963)

20) “O país terá tranquilidade só com a rejeição da emenda trabalhista à Constituição” (12/06/1963)

21) “Dupla derrota do governo na Câmara” (19/06/1963)

22) “Calmon: Brizola não fez reforma agrária mas um vantajoso negócio” (25/06/1963)

23) “Calmon documenta da tribuna da Câmara as negociatas de Brizola” (03/07/1963)

24) “Elementos treinados em Moscou e Praga participam em Salvador de falso seminário estudantil” (11/07/1963)

25) “Salazar: o Ultramar é parte indissolúvel de Portugal” (13/08/1963)

26) “Fidel Castro transforma igrejas em salas de reuniões comunistas” (14/08/1963)

27) “A Igreja de Cristo antes da profanação de Fidel Castro” (15/08/1963)

28) “Lacerda denuncia os instrumentos de pressão contra o Legislativo” (15/08/1963)

29) “Castro envia armas à Bolívia e Peru através de três pistas secretas no Brasil” (27/08/1963)

30) “Desmascarada uma trama esquerdista:nenhum centavo de trigo foi dado ao Ibad” (29/08/1963)

31) “Calmon quer que os democratas marchem à Brasília para apoiar o Congresso (02/09/1963)

32) “Parlamentares vêem desapreço ao congresso no decreto que suspendeu o Ibad e a Adep (02/09/1963)

33) “Os sargentos rebeldes queriam transformar o Brasil em uma república popular socialista” (17/09/1963)

34) “Esquerdistas promovem tumulto e agressões iniciando a greve na Faculdade Nacional de Filosofia” (18/09/1963)

35) “Paralisariam o Brasil de norte a Sul se fosse fechado o CGT” (20/09/1963)

36) “Cruzada contra a comunização do país” (23/09/1963)

37) “Violenta repercussão da nota dos ministros militares“ (02/10/1963)

38) “Dramática advertência do governador Carlos Lacerda sobre ameaça de atentado” (04/10/1963)

39) “Goulart pede o estado de sítio” (04/10/1963)

40) “Levanta-se o país contra o estado de sítio” (07/10/1963)

41) “Condenado em todas as áreas o atentado contra o governador carioca” (09/10/1963)

42) “O ministro da guerra tentou evitar a constituição de CPI sobre o atentado frustrado” (10/10/1963)

43) “Compete ao governo impedir que se origine crise da CPI sobre o atentado a Lacerda” (11/10/1963)

44) “Lacerda diz: escândalo em torno das armas visa abafar o inquérito sobre o atentado” (15/10/1963)

45) “Fragorosa derrota das esquerdas em São Paulo” (23/10/1963)

46) “Disposta a oposição a paralisar a Câmara se for extinta a CPI sobre o atentado contra Lacerda” (29/10/1963)

47) “Goulart com sua entrevista quis foi passar à ofensiva” (21/11/1963)

48) “Civis e militares oraram juntos pela defesa do ideal democrático” (28/11/1963)

49) “A esquerda rompe com o governo” (24/12/1963)

50) “Leonel Brizola agrediu David Nasser no Galeão” (27/12/1963)

Obs.- Citado na quinta manchete, Ranieri Mazzilli, deputado do PSD, presidia a Câmara. Na farsa formal que se seguiu ao golpe de 1964, seria presidente da república durante 13 dias mas apenas nominalmente. O poder de fato era exercido por uma junta militar. No item 6, Lleras Camargo era um ex-presidente da Colômbia em visita ao Brasil. Guanabara (item 8), então um estado governado por Carlos Lacerda. A manchete 9 refere-se ao Instituto do Açúcar e do Álcool, uma autarquia federal. José Bonifácio Lafayette de Andrada (linha 12) foi deputado pela UDN e, depois, pela Arena. Na manchete 14, Kruel é o ministro da Guerra de Goulart, general Amaury Kruel, que, no ano seguinte, aderiria na última hora ao golpe contra o presidente constitucional. A linha 22 reporta-se a João Calmon, deputado pelo PSD e um dos dirigentes dos Diários Associados, maior grupo de mídia do país no começo dos anos 1960. Antônio de Oliveira Salazar, ditador português, que tentava preservar a dominação colonial sobre antigas colônias na África e tinha a simpatia de O Globo. No item 30, trata-se do Instituto Brasileiro de Ação Democrática, think tank anticomunista mantido por empresários e que investiu grandes somas no financiamento de campanhas de candidatos de direita nas eleições de 1962. A Ação Democrática Popular (Adep) era um dos braços do Ibad. O atentado (linha 41) contra Lacerda não existiu. Foram apenas boatos mas o jornal destacou o tema em manchete como se tivesse de fato ocorrido. Agredido por Brizola na linha 50, David Nasser era um conhecido e polêmico colunista da revista O Cruzeiro, dos Diários Associados.

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Ayrton Centeno é jornalista.

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