Opinião
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8 de janeiro de 2016
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10:25

Reforma da Previdência: É tudo junto ou nada feito (por Guilherme Cassel)

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Sul 21
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Somos uma nação interessante. De tempos em tempos a elite aciona seu braço mais poderoso de domínio cultural — a grande imprensa — para criar falsos consensos que interessam única e exclusivamente aos seus interesses econômicos. O consenso da vez chama-se Reforma da Previdência.

Nos telejornais, nos jornais impressos e nas rádios de todo o país, jorram números e informações confirmando o quanto o sistema previdenciário é deficitário e deformado. Os economistas de sempre urram pela urgência da medida e até a Presidenta da República em artigo de final de ano para um jornal de circulação nacional se compromete a encaminhar a tal reforma. Dizem os seus aliados que além de urgente e necessária para a busca do equilíbrio das contas públicas, o compromisso da Presidenta com a Reforma da Previdência tem o condão de tranquilizar o mercado. Aos desavisados, parece que uma vez feita a Reforma da Previdência nossos problemas estarão resolvidos.

Mas não é bem assim. Ninguém discorda de que na atual estrutura — social, política e econômica — a Previdência é deficitária e que o sistema contém uma série de deformações que necessitam ser corrigidas. Mas é a previdência a causadora maior dos males da economia brasileira? Feita a tal Reforma, nossos problemas estarão resolvidos? E por que agora, num ambiente de desemprego e recessão a primeira medida é retirar direitos dos mais pobres e dos trabalhadores?

Por que os corajosos de plantão e os entendidos da ciência econômica não se juntam e encaminham uma Reforma Tributária? Por que não aproveitam a onda e estimulam uma Reforma Política? Por que não chamam a atenção para a urgência de uma Reforma Urbana e Agrária? Por que não se preocupam em reformar um Poder Judiciário desacreditado, lerdo e disfuncional, que parece só se preocupar em eternizar os privilégios de uma casta de magistrados e burocratas?

As respostas são simples: a Reforma Tributária não anda porque desagrada aos banqueiros e aos rentistas e eles têm um imenso poder; a Reforma Política não acontece porque contraria o interesse de uma casta de políticos/coronéis aboletados no Congresso desde sempre e que mantém o governo refém; as reformas urbana e agrária não acontecem porque contrariam  interesses econômicos dos especuladores imobiliários urbanos e dos ruralistas que também são bastante poderosos, e a reforma do Judiciário não é sequer proposta porque ninguém quer se incomodar com este Poder.

Logo, a conta acaba no bolso dos mais fracos; dos de sempre.

É preciso desmanchar este “jogo de cena”. Não é verdade que a Reforma da Previdência seja uma prioridade. As “outras reformas” vêm antes dela. Bem antes. Nosso sistema tributário, por exemplo, é regressivo, ineficiente e extremamente injusto. Induz à sonegação. As grandes fortunas, as heranças e os ganhos de capital, só para citar alguns exemplos, são pouco e mal taxados. Nosso sistema tributário penaliza quem trabalha e produz e protege quem especula.  Uma Reforma Tributária Radical, além de corrigir todas as distorções do atual sistema, seria capaz de gerar outro patamar de receitas que — quem sabe? — poderia até suportar com folga o atual custo do sistema previdenciário.

Situação semelhante diz respeito à Reforma Política. Depois dos últimos acontecimentos policiais, não há como ignorar que a atual estrutura política, além de ter se transformado em foco de corrupção sistêmica, encarece e distorce todos os contratos do setor público. Reformar este sistema seria não só um bem para a democracia, mas traria uma enorme economia nas contas dos governos.

A Reforma Urbana e a Reforma Agrária também são mais importantes e urgentes do que a Reforma da Previdência. A primeira para estancar a especulação imobiliária e propiciar melhores condições de vida nas cidades e a Reforma Agrária para desmanchar uma estrutura fundiária historicamente injusta, garantir terra para quem nela trabalha, mais produção de alimentos e um desenvolvimento rural ambientalmente sustentável e economicamente justo.

Por fim, reformar o Poder Judiciário, procurando obter uma justiça mais célere, menos politizada e menos custosa também faria um bem enorme para a democracia e para as contas públicas.

No entanto, ninguém quer se incomodar com os rentistas, com os banqueiros, com os grandes industriais, com os especuladores imobiliários, com os ruralistas, com os políticos e com a casta do judiciário. É mais fácil tirar mais alguns direitos dos trabalhadores e dos pobres que sobrevivem da previdência pública.

Agora o Governo está propondo uma grande mesa com as centrais sindicais para discutir a Reforma da Previdência, antes de encaminhá-la ao Congresso. O cenário está montado para que a mídia construa a sua versão novelesca: de um lado o bom senso daqueles que têm responsabilidade com o futuro do país e querem a reforma com urgência e, de outro, os sindicalistas radicais, sem compromisso com o futuro e voltados apenas para os seus interesses corporativos. Mas talvez seja uma boa oportunidade para os trabalhadores dizerem “está bem, nós aceitamos discutir a Previdência, mas é tudo junto: reforma tributária, política, urbana, agrária e do judiciário”. É tudo junto ou nada feito.

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Guilherme Cassel é ex-ministro do Desenvolvimento Agrário.


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