Opinião
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31 de outubro de 2015
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09:30

A Guerra Civil de Gumercindo Saraiva (por Jorge Alberto Benitz)

Por
Sul 21
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Aproveitando o “revival” suscitado pela passagem dos 180 anos da revolução farroupilha, o teatrólogo Júlio Zanotta montou uma peça teatral tendo como linha condutora a vida de Gumercindo Saraiva e como pano de fundo a violenta guerra civil federalista de 1893 que até hoje marca a historia gaúcha e brasileira pela crueldade das degolas, pela disparidade de recursos humanos e materiais entre os contendores e pelo bipolarismo que desde sempre existiu e é marca da politica gaúcha.

Para justificar sua opção pela abordagem da Revolução Federalista e não da chamada Revolução Farroupilha o autor Júlio Zanotta, em matéria publicada no jornal Zero de 15 de outubro de 2015, diz que “A revolução Farroupilha é tratada com certo glamour. Já com a Federalista não tem isso. Falta reconhecimento. É uma história que precisa ser contada”.

Pela segunda vez, ele mergulha na vida de um personagem histórico. Na primeira vez ele fez uma peça sobre Che Guevara. O escolhido agora foi Gumercindo Saraiva, que viveu entre 1852 e 1894. Mais precisamente em 10 de agosto de 1894, Gumercindo Saraiva, montado a cavalo, foi morto por um balaço disparado por franco- atiradores republicanos, quando ele e suas tropas batiam em retirada e estavam próximos da fronteira, depois da derrota em Inhanduí. Gumercindo era peça chave desta revolução. Tanto que foi chamado por José do Patrocínio de “Napoleão dos Pampas”.

A peça encenada no meio de toda aquela traquitana de maquinarias do Museu do Trabalho de Porto Alegre já por si só remetia ao estranhamento. Acrescente a isso, o olhar de um neófito que ultimamente pouco frequenta teatro e a coisa se complica ainda mais. O espetáculo começa com os atores iluminando com lanternas as gravuras colocadas nas paredes e no teto. No fim do espetáculo é que “caiu a ficha” e percebi que aquilo significava um dialogo dos atores com as gravuras ali postas. Belas e expressivas gravuras de Will Cava contendo cenas de degolas e batalhas ocorridas na revolução Federalista de 1893.

Passado dias volta as minhas cogitações, inconscientemente, sem pedir licença, pensamentos acerca do espetáculo visto. Deve ser isto que leva os aficionados por teatro a desenvolver uma paixão que parece não ter rival em outros gêneros artísticos.

Vou tentar, com as poucas ferramentas que tenho, verbalizar estas inquietações. O andamento todo da peça tinha forte acento épico.

As falas carregavam a emoção dos personagens mais do que as ações. Logo após a cena inicial dos atores com as lanternas que comentei antes, vem um quadro surrealista com a cabeça de Gumercindo Saraiva sendo representada por um escafandro de priscas eras com uma luz no centro sendo carregado com o respeito e a devoção devida a um santo ou herói.

O desenrolar segue uma linha temporal. No entanto não espere uma narrativa morna e careta, ao contrário, tudo é pontuado por um clima de nonsense e operístico, marca do estilo do diretor Júlio Zanotta.

As falas e a cantoria são da melhor qualidade. Os atores desempenham com empenho e profissionalismo seus papeis. Mais não digo dado que sou pouco versado em teatro. Eximo- me assim de tecer maiores comentários acerca deste item tão importante. Como disse o ex- governador Olívio Dutra, presente naquela sessão (ensaio) encenada para uma pequena plateia de amigos, acerca do assunto:

Isso está “além das minhas sandálias”. Destaque para a dialética que marca todo o enredo. Neste particular, a polissemia do termo fronteira não tem lugar mais adequado de representação. O encontro bélico do mundo rural com o urbano simbolizado pelo embate entre o guerreiro a cavalo e a metralhadora, a fronteira geográfica propriamente que se confunde com o modo de vida do doble chapa Gumercindo Saraiva, a morte como fronteira da vida. Em especial, o encenar a peça de um mundo fadado ao desaparecimento, em fase terminal, no meio de um cemitério tecnológico, cheio de maquinarias obsoletas, mortas pelo andar do tempo. Este achado é fantástico.

No final chegou a se comentar sobre o fato de Gumercindo Saraiva não ser um santo e sim um estancieiro preocupado com seus bens, sua gadaria, enfim, seu patrimônio construído, principalmente, pelo contrabando. Interrogação pertinente que o próprio diretor não  contesta. Dai a retirar a grandeza de um personagem histórico, que, a despeito deste fato inquestionável, lutou pela liberdade de uma forma tão despojada, tão antiburguesa, são outros quinhentos. Lutar quixotescamente, arriscando a vida a todo o momento, montado em um cavalo contra balas de fuzis e metralhadoras não é algo que nós, os burgueses progressistas e democráticos, podemos, simplesmente, colocar um rotulo negativo somente porque ele não é da chamada classe oprimida ou porque estamos assentados nos valores de hoje que, afinal, foram forjados por gente da tempera e da loucura de homens como Gumercindo Saraiva. Não estou dizendo com isso que devemos deixar de criticar e apagar as raízes de classe de mando e, por consequência, o lado caudilho e autoritário de figuras como Gumercindo Saraiva. Apenas que como bem frisou o diretor Júlio Zanotta, a busca de liberdade nestes casos se descola do personagem e cria vida própria. Ainda mais que estamos falando de ficção.

Por último, e não menos importante, destaque para o subtexto que, com certeza, compreendeu uma pesquisa histórica exaustiva que a julgar pelo resultado foi bem feita e conduzida.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor.

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