Opinião
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14 de abril de 2014
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12:29

A estratégia de Lula: o plano B “Eduardo Campos”? (por Cássio Moreira)

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Sul 21
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A estratégia de Lula: o plano B “Eduardo Campos”? (por Cássio Moreira)
A estratégia de Lula: o plano B “Eduardo Campos”? (por Cássio Moreira)

No ano de 1945, com o final do Estado Novo no primeiro governo de Getúlio Vargas, foram criados os partidos políticos no Brasil. No espectro mais de direita surgiu a União Democrática Nacional (UDN), posteriormente transformada em ARENA que deu sustentação à ditadura militar. No espectro mais de centro surgiu o Partido Social Democrático (PSD) de base getulista e ruralista. Mais a esquerda, dentro dos limites do capitalismo, criou-se o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de base operária e também getulista.

A criação desses dois últimos, PSD e PTB, foi, de certo modo, parte de uma estratégia de Vargas para o novo período democrático. Vargas via no PTB a possibilidade de construir uma ideologia trabalhista no Brasil contando com o apoio do PSD no congresso. No seu último discurso, em 1º de maio de  1954, Vargas disse: “Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo. A satisfação dos vossos reclamos, as oportunidades de trabalho, a segurança econômica para os vossos dias de infortúnio, o amparo às vossas famílias, a educação dos vossos filhos, o reconhecimento dos vossos direitos, tudo isso está ao alcance das vossas possibilidades. Não deveis esperar que os mais afortunados se compadeçam de vós, que sois os mais necessitados. Deveis apertar a mão da solidariedade, e não estender a mão à caridade. Trabalhadores, meus amigos! Com consciência da vossa força, com a união das vossas vontades e com a justiça da vossa causa, nada vos poderá deter”.

Era como se estivesse prevendo que um dia um trabalhador, pela primeira vez na História do Brasil, ocuparia a Presidência da República. Lula foi eleito em 2002 e governou por oito anos. Com os percalços que teve seu governo entre 2005 e 2006, com o chamado escândalo do mensalão, foi reeleito em 2006 e fez um segundo governo muito melhor do que o primeiro. Nesse segundo, teve clareado qual era o seu projeto, tendo como sua executiva a ex-ministra da Casa Civil, e atual presidenta da república, Dilma Rousseff. Pode-se dizer que existem muitas semelhanças e algumas diferenças entre Getúlio Dornelles Vargas e Luís Inácio “Lula” da Silva. As semelhanças podem ser percebidas, principalmente após a análise de seus discursos, como o uso da palavra “o povo” como principal sujeito de suas manifestações. Ademais, os dois sofrerem forte oposição dos meios de comunicação e foram fortemente acusados de corrupção. Seja o “mar de lama” que inundava o Palácio do Catete, seja o chamado “escândalo do mensalão” que procurou destruir um partido político, o PT. Ambos os governos investiram muito em educação: Getúlio alavancou as escola técnicas, Lula as resgatou, após serem proibidas na esfera pública pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Por mais paradoxal que pareça, o presidente que não teve curso superior foi o que mais criou universidades e escolas técnicas (os chamados Institutos Federais). Getúlio governou, entre 1950 e 1954, com a aliança entre PTB e PSD. Lula consolidou seu governo com a aliança entre PT e PMDB. Ambos foram líderes dos maiores partidos de massa de suas épocas: PTB e PT, assim como, procuraram promover uma maior inclusão social.

É verdade que existem muitas diferenças entre Lula e Getúlio, desde as suas origens até as formas que conduziram seus governos, principalmente com o primeiro governo Vargas, quando ocorreu o Estado Novo. Ademais, Vargas fez um governo muito mais estatizante, beneficiado pelo período histórico que diminuía o poder das grandes corporações multinacionais. Entretanto, mesmo num contexto histórico muito distinto, ainda vigora o embate entre dois projetos completamente diferentes: um social desenvolvimentista, capitaneado pelo PT, e que prega uma maior intervenção do Estado na economia e; outro liberal, capitaneado pelo PSDB, e que defende que o Estado interfira menos nas chamadas leis do livre-mercado. No primeiro projeto, as empresas estatais atualmente têm uma posição estratégica, assim como tiveram na época de Vargas com a Petrobras, a Vale do Rio Doce, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) e outras estatais que, mais tarde, seriam privatizadas durante o governo anti-getúlista do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e que cujo programa neoliberal o pré-candidato Aécio Neves retomará em sua campanha.

A atual presidenta Dilma Rousseff é a continuação do projeto trabalhista de Vargas e Goulart (claro que em condições muito diferentes) de maior intervenção do Estado na economia e com o constante aumento do espaço da classe trabalhadora nesse projeto. Em sua campanha, abordará principalmente quatro marcas: a crescente valorização da educação profissionalizante, por meio do PRONATEC e expansão dos Institutos Federais; a consolidação de uma nova “reforma urbana” por intermédio do programa “Minha Casa Minha Vida”; o tratamento prioritário crescente a saúde (de forma tardia, pois ações desse tipo deveriam ter sido iniciadas no governo Lula) com uma das primeiras ações que foi o “Mais Médicos” e o robusto programa de concessões federais (portos, aeroportos, ferrovias e rodovias) que está em seu início. Lula teve nos exitosos programas de transferência de renda, como Bolsa-Família e a constante valorização do salário mínimo, a sua principal marca, atenuando o maior problema do Brasil: que é a nossa imensa desigualdade sócio-econômica.

Nas eleições de 2014, dois projetos se digladiarão novamente. O primeiro é o projeto trabalhista, em curso com o PT de Dilma Rousseff. De outro, o antigo projeto de internacionalização da economia brasileira por meio do livre mercado encabeçado pelo pré-candidato Aécio Neves do PSDB. Dilma não tem o carisma de Lula e, por mais competente e correta que seja, há uma tentativa de rotular na presidenta a pecha da corrupção. Existe em curso no país, uma das maiores e bem sucedidas estratégias de desconstruir uma imagem pública, atrelando a ela de forma sistemática (por meio do oligopólio dos meios de comunicação) essa imagem de desadministrar um governo bem sucedido como foi seu antecessor. Procura-se atribuir a ela a responsabilidade de escândalos na Petrobras, assim como, foi feito com o governo de João Goulart o acusando de corrupto e levar o país a um caos econômico. Usam-se velhas estratégias para velhos propósitos.

Lula, assim como Getúlio, sabe dos riscos que corre o projeto trabalhista, sistematicamente desgastado perante a opinião publica (em especial a classe média), de ser derrotado em outubro de 2014. Como  sabe que não é eterno, precisará de um sucessor para ser o articulador político desse projeto no futuro, e sabe das qualidades e perfil do atual presidente do PSB: Eduardo Campos. Para isso, o escolheu como seu plano B.

Eduardo Campos lançou-se candidato à sucessão de Dilma, fazendo um discurso forte e mais a direita agradando ao público que poderia votar em Aécio Neves. Desse modo, tiraria mais votos do PSDB do que do PT. A estratégia de Lula seria, portanto, não correr o risco de, tendo um eventual segundo turno (cuja disputa é outra), ter o projeto trabalhista derrotado em prol dos tucanos. Para isso, o lançamento da candidatura de Eduardo Campos (cacifado com o inesperado apoio de Marina Silva, que – com um exercício de imaginação – pode ter sido o plano B de Lula nas eleições de 2010; o que, inclusive, poderia justificar sua surpreendente filiação ao PSB) pode ter como estratégia desbancar o PSDB da disputa eleitoral. Assim, caso houver (e provavelmente haverá) segundo-turno, a eleição seria disputada entre PT e PSB. Com uma eventual uma vitória de Eduardo Campos, a aliança PT- PSB voltaria a ser consolidada e haveria a continuação do projeto trabalhista de Lula e Getúlio. Afinal,  conforme palavras de Eduardo Campos em resposta a duas perguntas do jornal Folha de São Paulo em 22.09.2011 e 15.05.2011:

Folha: Qual é a diferença de atuação política entre Lula e Dilma?

Eduardo Campos: Dilma é sucessora de um mesmo projeto político e de um projeto no país. […] Têm diferenças, é claro…[eles] têm diferenças de  caminhada, de estilo pessoal. Mas o fundamental é que eles estão no mesmo projeto. Quem imaginar que vai colocar Dilma num projeto e Lula em outro efetivamente eu acho que está imaginando errado. Não vai conseguir. Claro que os estilos, a formação pessoal, a história de vida de cada um, em tudo isso dá para perceber diferenças. Mas no fundamental, no que é objetivo, no que é essencial ao projeto político e de país eles vão estar juntos. […] A presidente Dilma ela tem mais um viés, digamos, mais executivo, de quem cuidou por oito anos, inclusive, da gestão no governo do presidente Lula. Ela nunca foi, assim… teve mandatos no parlamento, ou vida orgânica nos partidos. Isso tudo se percebe o quanto um tem mais desenvoltura na articulação política, no diálogo com os dirigentes partidários. Mas o fato objetivo é que, eu tenho dito isso várias vezes, a presidenta Dilma tem se saído melhor, a meu ver, como presidenta do que como se saiu como candidata. Eu tenho expressado em nome do nosso partido a ela a nossa solidariedade com as decisões que ela tem tomado, com o equilíbrio que ela tem demonstrado.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/09/22/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-eduardo-campos-a-folha-e-ao-uol.htm

Folha: Qual foi o melhor presidente da história do Brasil?

Eduardo Campos: Lula.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2011/05/915742-eduardo-campos-nega-querer-presidencia-e-reafirma-apoio-a-dilma.shtml

OBS: Bom, claro que isso é apenas uma hipótese, talvez até um pouco esdrúxula. Mas, data venia, seria genial! Contudo, apenas o tempo poderá comprovar…

Cássio Moreira é economista, doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e professor do IFRS – Câmpus Porto Alegre.   www.cassiomoreira.com.br


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