Opinião
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4 de dezembro de 2010
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08:16

Wikileaks

Por
Sul 21
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Por Maurício Santoro *

O início da divulgação pelo site Wikileaks de cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos é uma fofoca deliciosa sobre os bastidores da política internacional, mas com poucas novidades. Alguém está surpreso em saber que Berlusconi promove festas selvagens, que há corrupção de larga escala no governo Karzai ou que Sarkozy é autoritário? É, no entanto, muito divertido ouvir os sisudos diplomatas americanos compararem a relação Putin-Medvedev a de Batman e Robin, ou a já clássica descrição de um casamento no Daguestão.

A reação das autoridades mundiais, em particular nos Estados Unidos, foi violenta e extrema, com o surgimento de uma acusação de estupro contra o fundador do site, acompanhada por um mandado de prisão emitido pela Interpol. Medo do quê mais o Wikileaks pode divulgar… O que há de pior nas mensagens é a constatação de como os diplomatas americanos têm cruzado a fronteira da espionagem com frequência perturbadora. Com o agravante de que os documentos divulgados até agora não são top secret, em geral são despachos rotineiros de embaixadores para seus ministérios. Não houve, por exemplo, nenhum texto produzido exclusivamente para chefes de Estado ou escalões superiores restritos.

Houve boa quantidade de documentos relativos ao Brasil, o que mostra a importância crescente do país para os Estados Unidos. Os temas envolvem críticas ao combate brasileiro ao terrorismo (avaliações negativas do governo, mas elogiosas da Polícia Federal e das ações do Ministério da Fazenda na repressão a crimes financeiros), acompanhamento do papel de “potência emergente” (negociações com o Irã, aproximação com a França).

O que mais chamou a atenção da imprensa brasileira, sem dúvida, foram os despachos do então representante americano em Brasília, Clifford Sobel, relatando conversas nas quais o ministro da Defesa, Nelson Jobim, critica o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Jobim teria revelado ao diplomata estrangeiro o câncer de Evo Morales, dito a Sobel que Guimarães “odeia os Estados Unidos” e conquistado a admiração do interlocutor, que o classificou para seus superiores em Washington como um dos melhores e mais confiáveis líderes brasileiros.

No entanto, em outros documentos publicados pela Wikileaks, Sobel se mostra muito crítico à política nacional de defesa, pelo que ele avalia ser uma ênfase exagerada na “independência”. Entusiasmo com Jobim à parte, o embaixador percebe que as Forças Armadas brasileiras examinam com desconfiança os Estados Unidos, preocupam-se com influência estrangeira na Amazônia e buscam autonomia tecnológica por meio de parcerias com outras potências.

Em outras palavras, as rusgas Jobim-Guimarães são disputas burocráticas entre um Ministério da Defesa cada vez mais assertivo nas relações internacionais, que briga pelo espaço tradicional do Itamaraty. O ministro buscou relação mais próxima com o embaixador americano para ganhar vantagem sobre o rival, mas é falso procurar uma suposta oposição entre “Defesa pró-EUA” e “MRE anti-americano”.

* Jornalista, doutor em Ciência Política, administrador governamental e professor universitário.


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