Opinião
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8 de dezembro de 2010
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08:00

Passaporte para a cobertura internacional

Por
Sul 21
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Alberto Dines *

“Um morto na esquina pode ser mais importante do que cem mortos no outro lado do mundo.” Com este axioma repetido nas redações ao longo de quase um século, a imprensa construiu um modelo paroquial de cobertura e cidadania interrompido apenas no caso das grandes guerras ou catástrofes.

Os vazamentos do Wikileaks estão forçando a mídia a alargar os seus horizontes. Os editores de Internacional deveriam retribuir e eleger Julian Assange como o seu grande benfeitor, porque obrigou os veículos a ampliar o espaço e o tempo que a mídia concede à política internacional.

É inacreditável e inaceitável que um país com pretensões de grande potência como o Brasil não tenha percebido a importância do acompanhamento regular dos acontecimentos nos quatro cantos do mundo. A globalização da economia multiplica os interesses, o país dos imigrantes transforma-se rapidamente em país de emigrantes, o turismo de massas converte o mundo em parques temáticos, mas nossa mídia continua olhando para o umbigo. Sai mais barato.

Olhos no mundo

Grandes cadeias de rádio têm programas sobre restaurantes, vinhos, shows, informática, medicina, psicologia e até moda, mas não se lembram de acompanhar regularmente o que se passa no exterior. Não fosse o serviço em português da BBC, o cidadão engarrafado no trânsito não teria qualquer chance de saber que Angola – a parceira estratégica do Brasil na África – aboliu as eleições e voltou a ser um regime totalitário. Como sempre foi desde a sua independência.

É verdade que o público consumidor de informações também não sabe o que se passa no Recife, Porto Alegre ou Belo Horizonte. De Brasília temos notícias sobre a Praça dos Três Poderes, o Quarto Poder raramente vai à Esplanada dos Ministérios. Nossos turistas enchem as lojas de Buenos Aires, mas não se interessam em saber como está se saindo a enlutada Cristina Kirchner.

Nem sempre foi assim: no passado nossa mídia alcançava um público menor, em compensação oferecia-lhe mais substância. Este observador, recentemente, ao examinar as primeiras páginas dos principais jornais do Rio, então capital federal, do dia 30 de janeiro de 1933 – quando Adolf Hitler seria empossado chanceler –, teve a grata surpresa de encontrar um fartíssimo material sobre a política alemã. Sem internet, televisão ou diários globais, os editores dos jornalões de então perceberam a importância da troca de governo na República de Weimar e sentiram-se compelidos a compartilhar este material com os leitores.

A Guerra Civil espanhola mobilizou nosso país entre 1936 e 1939, hoje ninguém quer saber o que está acontecendo com o juiz Baltazar Garzón ameaçado de ser cassado porque o judiciário quer manter enterrados todos os crimes que então foram cometidos.

Compulsão novidadeira

Hoje, com o acesso facilitado às novas tecnologias e o número cada vez maior de jornalistas brasileiros residentes no exterior, chama a atenção a pobreza dos nossos telejornais em matéria internacional. A portentosa Globo continua olhando o mundo por intermédio dos repórteres da sua sucursal em Nova York. As demais redes, nem isso.

Julian Assange arrombou as pautas convencionais e está obrigando a mídia a sair da província. Mesmo com revelações pouco relevantes, fragmentadas, este anarquista digital está forçando novos horizontes, abrindo fronteiras, criando novos mercados, estimulando novos interesses.

É possível que não fique muito tempo em evidência, a compulsão novidadeira do ciberespaço certamente o tirará do foco dos holofotes. O Wikileaks, porém, serviu para tirar os passaportes da gaveta.

* Jornalista
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa


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