Opinião
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19 de outubro de 2010
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09:00

Campanha contra aborto é tiro pela culatra

Por
Sul 21
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Luis Damasceno*

Se verdade for – e tem jeito de ser -, o aborto pretérito de Mônica e sua emergência na atual conjuntura eleitoral escancara duas outras verdades inconvenientes.

A primeira, que não chega a ser novidade, demonstra que o tema nunca passou pela plataforma de campanha de Serra senão como estratagema eleitoral. O candidato que questiona o passado de Dilma ignora o da própria esposa. Se a atitude é recomendável pra somar votos, o mesmo não se pode dizer do caráter de um homem que se pretende “do bem”. Mesmo em face das avaliações mais subjetivas, hipocrisia não é virtude.

A segunda, um pouco mais sutil, é uma verdade que nasce mais do simbolismo das circunstâncias do que de suas implicações concretas. A despeito da monumental reação para sacralizar o debate, é impossível condenar ao limbo dos dogmas uma temática que existe no cotidiano de uma parcela tão grande da população.

Marina Silva afirmou que não se pode escamotear os evangélicos da arena política. Ela está certa. Quem aprecia a democracia precisa conviver com a representatividade e suas nem sempre palatáveis idiossincrasias. Aí incluídos de religiosos fanáticos até a imensa horda daqueles que não apenas defendem o aborto, como já o fizeram ou aconselharam alguém a fazer. A própria Mônica constaria nessa lista, malgrado a força das circunstâncias.

Daí se deriva a antítese do que a estratégia de campanha de ambos os candidatos priorizou neste segundo turno. Se até a esposa de Serra endossou a prática, como sobreestimar o número de mulheres que optou ou optaria pelo expediente do aborto? Capitanear a cruzada moralista pode ser um desafortunado tiro pela culatra.

Se as lentes da grande mídia, sabidamente partidária, hipertrofiam as manifestações em contrário, não significa que o eleitorado, resguardado do preconceito pelo voto secreto, não vá surpreender os prognósticos. Será possível, afinal, provar nas urnas que o aborto é, e sempre foi, uma questão de saúde pública.

* jornalista


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