Opinião
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4 de setembro de 2010
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09:00

Lula aqui

Por
Sul 21
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Por Luís Augusto Farinatti (*)

Hoje, Lula esteve em Santa Maria, discursando em frente a meu local de trabalho. Não pude vê-lo e lamento.  É o maior presidente da História do Brasil.

Minha primeira eleição foi para presidente da República, aos 16 anos, em 1989. Eu era jovem e a democracia renascida ainda engatinhava. Participei ativamente de todo o processo. Eu trabalhava e cursava faculdade mas, olhando daqui e de agora, vejo que tinha uma imaturidade quase infantil. Achava que tudo era para sempre, tinha na mão todas as certezas. Era convicto como só alguém sem experiência pode ser.

Talvez o que tenha mais influenciado minha visão política seja o fato de ter começado a trabalhar e a andar de ônibus lotado todos os dias. Eu não era João de Santo Cristo, mas quis falar com o presidente para ajudar toda aquela gente que só fazia sofrer. Queria ver o Brasil no rumo de uma transformação para a esquerda que culminasse, um dia, em um socialismo democrático. Se eu era bobo? Nossa… nem sei como conseguia parar em pé, mas os princípios singelos que guiavam minhas escolhas são os mesmos ainda hoje: a percepção de que nenhuma sociedade deve conviver com o fato de que muitos de seus cidadãos moram mal, comem mal, não têm acesso à saúde e educação de qualidade, não encontram canais de participação política e se escangalham trabalhando para que uma minoria tenha carros importados, iates e helicópteros.

Não imaginava que a tal grande transformação fosse possível de uma hora para outra. Assim, algo que parece espantoso hoje, meu voto no primeiro turno foi para Mário Covas, do recém-criado PSDB. Acreditei na “social-democracia” da sigla e no fato de que o partido havia sido formado pela esquerda do PMDB. Dá até dó lembrar de mim com um adesivo dos tucanos, acreditando piamente no que ouvia nos discursos. Covas teve poucos votos e o partido virou esse horror que é hoje. No segundo turno, fui às ruas e votei em Lula e no PT pela primeira vez. Nunca mais deixei de fazê-lo. Muitas vezes, ao longo da década de 1990, o fiz com uma paixão verdadeira.

Porém, desde algum tempo, vivo um estado de desencanto com a política. Nos momentos mais amargos, ele ganha toques de cinismo. Reconheço que muito da sensação veio com algumas expectativas não cumpridas no primeiro governo Lula, com práticas do PT e do próprio presidente. Ainda assim, obrigo-me a acompanhar os principais processos e acontecimentos.  Procuro ficar atento. Talvez, ao fim e ao cabo, esta não seja uma relação menos interessante com a política. Afinal, se diminui meu engajamento, essa crônica desconfiança também me salva da devoção apaixonada que costuma acompanhar quem vive a política partidária muito de perto.

Ainda assim, saber que o Lula esteve na minha cidade pela última vez como Presidente da República, desatou em mim uma profunda nostalgia. O idioma de cidadania que aprendi a falar tem Lula na sua gramática. Minha vivência como historiador me ensinou a descrer da influência que um só indivíduo possa ter na história. Mas não tenho dúvidas que a figura de Lula assumiu ares icônicos na cultura política brasileira. E não é para menos. Pobre, com pouco estudo, barbudo, com ar desleixado, curte uma bebida, é pródigo em gafes e, no entanto, seu governo teve tantos acertos que, hoje, o candidato da oposição nem consegue construir uma proposta alternativa.

Não pensem que estou aqui a defender um populismo romântico ou cristão, enxergando uma suposta pureza na pobreza e na falta de educação formal. Lula não é esse fenômeno em razão dessas origens, mas sim porque condições históricas favoráveis se uniram à sua extrema inteligência e ele soube realizar um grande aprendizado nos anos de militância sindical e política.

Ao fim de oito anos, o balanço de seu governo parece, a mim e a quase 80% dos brasileiros, extremamente favorável. Sem aspirações à perfeição, recebendo algumas críticas muito justas e tendo sido menos social-democrata do que eu esperava que fosse o de Covas em 1989, mas infinitamente melhor do que os de seus antecessores.

Eu, que já não sei de tudo, aprendi que desconfiar sem deixar de participar é um caminho razoável neste mundo louco. E, ao fim destes oito anos, neste exato momento em que o Presidente vai decolando da minha cidade, surpreendo-me gratificado por perceber que despendi tempo e energia, ao longo de minha juventude e parte da maturidade, ora veja só, por uma boa causa.

E como boa parte da minha geração, a partir de agora, vou ter que aprender a votar para presidente em outro candidato.

(*) Historiador da UFSM


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