Opinião
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11 de maio de 2010
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17:30

De fotojornalismo e hegemonias

Por
Sul 21
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Parafraseando Andy Warhol, no futuro, todos terão feito uma foto.

Carlos Carvalho*

Ao caminhar para completar 171 anos em agosto próximo, a fotografia encontra-se no melhor da sua forma física e técnica, exibindo pixels vigorosos e sais de prata que se recusam a sair de cena e ainda produzem performances inigualáveis. As artimanhas criadas pela indústria fabricante de máquinas fotográficas para fazer a sociedade de consumo migrar do filme para imagem digital criaram situações que o capitalismo jamais imaginou enfrentar. O arquivo JPEG é um blefe, uma metáfora usada pela indústria para tornar o mecanismo digital acessível a todos. Parafraseando Andy Warhol, no futuro, todos terão feito uma foto, apertando um botão por 15 centésimos de segundo.

Mas é nessa metáfora técnica do JPEG que encontramos algumas novidades interessantes e possibilidades maravilhosas. Quebrada a hegemonia técnica do fotógrafo sobre o equipamento e a possibilidade de fazer uma foto, uma janela foi aberta. Alguns saltaram por ela, outros deixaram a luz entrar e iluminaram necessidades intransferíveis. É o caso do foto-jornalismo e sua utilidade social. Se no princípio era a notícia e o foto-jornalista disponibilizava seu talento para os interesses do jornal para o qual trabalhava e um “olhar, uma visão” sobre a sociedade era criada a partir dos interesses desse jornal, logo percebeu que a farsa da imparcialidade editava os fotogramas desses interesses. O foto-jornalista tornou-se então um engajado, a ponta da notícia que forçava o texto a se posicionar.

Pura ingenuidade. Além dos interesses do jornal, a subjetividade do foto-jornalista produzia seus próprios interesses. Ao levar seu engajamento para trabalhos autorais e autônomos, documentais em sua essência, o foto-jornalista experimentou a liberdade de escolher sua própria pauta e estreitar seu compromisso com o que fotografa. Na chamada fotografia engajada, estreitou seu vínculo com as comunidades e segmentos sociais emprestando solidariedade e disponibilizando seu engajamento para dar mais visibilidade a problemas e dores que não saem nos jornais. Mas não conseguiu limpar de seu visor a bagagem cultural, um filtro da subjetividade que ainda produz uma versão, uma visão que é toda baseada nas suas experiências pessoais e não na relação com aquela comunidade. Um dos exemplos mais nítidos desse filtro cultural é a forma como os jornalistas do Rio de Janeiro sempre se relacionaram com as favelas da cidade, criando uma visão de lugar violento e destituído de uma mínimo de organização social com relações afetivas, dignidade e terreno de desejos. Em Porto Alegre, São Paulo ou Manaus não é diferente.

Um projeto social, a Escola de Fotógrafos Populares da comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, decidiu mostrar aos moradores da comunidade que o jornalismo não pertence a ninguém, nem à Folha de São Paulo, nem à Veja nem ao jornal O Globo. Que jornalismo e fotojornalismo são técnicas de elaborar uma informação e está disponível a todos. Basta que os que detenham o conhecimento sobre a técnica, repassem para os que precisam dela para fazer sua própria notícia. E aí nasce um novo olhar. O olhar dos que produzem informação a partir de suas próprias experiências comunitárias, sem o filtro de uma faixa econômica e cultural hegemônica. Uma visão não a partir do conforto das redações, mas das marcas das ruas e vielas das comunidades. Que conta uma história a partir das necessidades de uma comunidade, não de um espaço definido pela publicidade de um jornal ou revista.

Quebrada a hegemonia técnica do jornalista sobre o fazer jornalístico, a informação ganha novos espaços. O foto-jornalista, no mais um jornalista, avança e supera a marca da individualidade expressada pelo seu talento e amplia seu conceito de engajamento, abrindo mão de sua “visão pessoal” para auxiliar no nascimento de um “outro olhar”, no qual ele não é protagonista, mas um convidado a partilhar a experiência.

As sociedades nunca tiveram tantos aparatos técnicos disponíveis quanto agora e a informação ironicamente segue o caminho que os capitalistas sempre sonharam para o capital: a sua livre circulação, sem barreiras. Recentemente, em uma entrevista para a Folha de São Paulo, o presidente do Google Brasil, Alexandre Hohagen dava explicações sobre o porquê do aparelho celular que a Google lançou para concorrer com a Apple ainda não estava disponível no Brasil e acusava as empresas de telefonia local de não facilitarem a venda de pacotes econômicos e de conteúdos populares em seus aparelhos, vendidos a partir de acordos com os fabricantes desses aparelhos. E soltou a frase que nenhum dono de empresa de comunicação teve coragem de dizer em público: “a informação se tornou uma commodity”, para justificar o investimento do Google em um aparelho dotado de “conteúdo”.

Nunca foi tão possível elaborar informação e disponibilizá-la como agora. Nunca o jornalista teve uma oportunidade como essa de cumprir um papel social.

*Carlos Carvalho é fotógrafo documentarista, coordenador do FestFotoPoA e editor do site Mesa de Luz.

Foto Bira Carvalho/Imagens do Povo. Bira é cadeirante, ex-aluno da Escola de Fotógrafos Populares e atualmente monitor de pin-hole da escola.


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