Opinião
|
19 de maio de 2010
|
18:24

CNBB e o Pêndulo para a Direita

Por
Sul 21
[email protected]

A partir de hoje, o Sul 21 publica uma sequência de três artigos do nosso blogueiro Rudá Ricci sobre o que denomina de direitização da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Nesta primeira parte, conta a história da entidade, desde sua criação em 1952, até o Grito dos Excluídos, em 1996.

Por Rudá Ricci*

1. Breve periodização: a CNBB engajada

1952. Este foi o ano em que os 20 arcebispos do episcopado e o Núncio Apostólico aprovaram o regulamento que criava a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O Cardeal Carlos Carmelo, de São Paulo, era aclamado seu primeiro presidente, tendo ao lado, como secretário-geral, Dom Helder Câmara. A CNBB nasceu das mãos de Dom Helder. Desde o início, a CNBB vivenciou a marca do acordo interno. Em 1965, Dom Helder vai para Recife, se tornando arcebispo. As conversas de corredor davam conta que sua transferência tinha como objetivo central diminuir a capacidade de influenciar os bispos do país com suas idéias progressistas, como as de Maritain e Mounier. A partir de 1961, três padres da Cáritas Brasileira elaboram uma campanha para arrecadar fundos para ações assistenciais. Logo, recebeu o nome de Campanha da Fraternidade. A partir de 1964, as campanhas passaram a receber o tom da CNBB, que passou a orientá-la tendo como referência o documento “Campanha da Fraternidade: pontos fundamentais apreciados pelo Episcopado em Roma”. Não por coincidência, as suas 13 regionais ganham maior autonomia, procurando adaptar as ações à realidade local.

A Campanha da Fraternidade teve um significado especial durante os anos de chumbo, assumida como atividade evangelizadora, como ajuda entre cristão e fraternidade para transformação da sociedade. A relação direta entre ação da igreja e participação social na transformação social era um sinal claro dos ventos do Concílio Vaticano II.  Uma rápida lembrança dos temas da Campanha revela seu compromisso político. A primeira fase, que compreende os anos de 1964 a 1972, procura tratar de mudanças internas da igreja católica brasileira. Tanto que o tema de 1964 era justamente “Renovação da Igreja”. Nos anos seguintes, os temas foram se aprofundando: renovação da paróquia, a igualdade entre todos, co-responsabilidade, vocação. A partir de 1973, as Campanhas da Fraternidade aprofundam o engajamento político-social. Era o período mais duro do regime militar. Os temas das Campanhas não poderiam ser mais explícitos: crítica ao egoísmo, repartir o pão, ação comunitária, justiça para todos, mundo do trabalho e justiça, um mundo mais humano, migrações (como uma das mazelas do modelo desenvolvimentista que o país adotava). Finalmente, na etapa da redemocratização do país, pós-1985, os temas adotados se referem a situações concretas da vida das populações mais carentes do país, como se esboçassem uma agenda nacional: pão para quem tem fome, acesso à terra, direitos das crianças e adolescentes, igualdade racial, direitos da mulher, dignidade no mundo do trabalho, juventude, moradia, excluídos, justiça e paz.

Entre 1975 e 1980, emergem as Comunidades Eclesiais de Base e o trabalho das pastorais sociais como espaços de reflexão crítica sobre a realidade social e os rumos políticos do país. Neste período são contabilizadas mais de 60 mil CEBs espalhadas pelo país. Em 1975 é criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão vinculado à Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. A CPT nasce durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela CNBB e realizado em Goiânia, até hoje local da sede nacional desta pastoral. Desde o início, a marca desta pastoral foi o acolhimento e organização dos povos excluídos do campo, das regiões de fronteira agrícola, ribeirinhos afetados por projetos governamentais que levavam à sua desapropriação, luta de assalariados rurais sem reconhecimento legal (caso dos canavieiros e seringueiros). O trabalho das pastorais sociais diretamente vinculadas ao mundo do trabalho (caso da CPT e da Pastoral Operária) e, mais adiante, da institucionalização de direitos de segmentos socialmente desassistidos (caso da Pastoral do Menor), foi gerando uma gama imensa de organizações políticas locais, muitas delas orientadas pelo signo do enfrentamento e resistência. Em 1980, não por outro motivo, o texto produzido na 18ª Assembléia da CNBB, realizada em Itaici (SP) trabalhava os vários significados da terra para homens e mulheres. Destaca que homens e mulheres do campo estabelecem com a terra uma relação diferente da lógica dos grandes mercados. Um documento que contrapunha a lógica do mercado à lógica da vida, uma importante tentativa de teorização que criava subsídios e fundamentação para muitos agentes pastorais que ingressavam em listas de jurados de morte formatadas por organizações para-militares.

Dez anos depois, em 1996, o Grito dos Excluídos passa a ser incluído no Projeto da CNBB, fruto da avaliação feita a partir de sua primeira edição no ano anterior.

Contudo, neste período, as pastorais sociais e várias organismos de base criados pela CNBB ou sob sua guarda, sofriam uma profunda crise, de identidade, política e de financiamento.

*Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: [email protected] . SITE: www.cultiva.org.br . Blog: rudaricci.blogspot.com


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora