Opinião
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20 de maio de 2010
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18:26

CNBB e o Pêndulo para a Direita – Parte II

Por
Sul 21
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Seguimos hoje com a segunda parte do artigo de Rudá Ricci sobre a CNBB, quando ele aponta o começo da crise que teria direcionado a entidade da Igreja Católica para opções de direita.

Por Rudá Ricci*

2. A crise dos organismos pastorais

Comecemos pela crise de identidade. A partir da emergência de organizações nacionais próprias das populações ou segmentos sociais acolhidos, apoiados, assessorados e organizados pelas pastorais sociais, a função e missão dessas estruturas confessionais entraram em colapso. Em outras palavras, as pastorais sociais que tinham adotado um nítido programa de organização das populações atendidas objetivando sua autonomia política e resistência, viu emergir, fruto de seu trabalho organizativo e formativo, imensas organizações sociais. Das oposições sindicais nasceu a CUT. Da organização da luta pela terra nasceu o MST. Do trabalho desenvolvido com agricultores familiares nasceu a federação de agricultores familiares e o Movimento de Pequenos Agricultores. Do trabalho com populações ribeirinhas nasceu o Movimento de Atingidos por Barragens. Todas estruturas autônomas, poderosas, com forte estrutura interna, programas de formação política e técnica específicos e próprios, representação autônoma. Muitas de suas fontes de financiamento passaram a competir com as fontes de grande parte das pastorais sociais e suas estruturas regionais.

A questão que figurou, a partir de então, em todos encontros pastorais passou a ser: “qual nosso papel?”. Não tão explícito, outro problema incomodava vários agentes pastorais: como sobreviveriam com a escassez progressiva de financiamentos?

Estas duas questões articulavam-se permanentemente. Até os dias atuais, não foram respondidas à contento, o que promove uma rotatividade de apoiadores e agentes ano após ano. Em cada encontro anual, novos rostos substituem outros tantos que estiveram presentes no ano anterior. Debates sobre o futuro, se ONGs ou articulações nacionais, se formadores de lideranças ou formuladores de políticas públicas, se sucedem, sem resolução nítida. Algumas pastorais sociais minguaram. Outras, mais pragmáticas e conservadoras, como a Pastoral da Criança, floresceram sob os auspícios de verbas públicas.

Simultaneamente, a ofensiva conservadora do Vaticano, a partir da gestão de João Paulo II, criou forte instabilidade interna na CNBB. Um jogo de forças, no interior da igreja católica brasileira, com troca de bispos e nomeação de arcebispos de linhagem mais conservadora, fechamento de seminários. Dom Helder foi símbolo desta mudança. Sua aposentadoria foi apontada por seus seguidores como dolorosa. O novo arcebispo de Recife rompeu radicalmente com o trabalha pastoral até então desenvolvido naquela localidade.

Enfim, a mudança ideológica no Vaticano resultou em uma crise política no interior da CNBB que se expressou abertamente nesta 48ª Assembléia Nacional dos bispos brasileiros, realizada em meados de maio de 2010. No princípio, em meados dos anos 1990, a ofensiva poderia ser ilustrada como asfixia. Novos bispos cortaram apoio financeiro, logístico e político ao trabalho pastoral de base. Houve reação, com a organização, a partir de 1991, da Semana Social Brasileira, articulação nacional das lideranças e agentes pastorais da “CNBB Progressista”, que teve, até o momento, quatro versões e que procurou elaborar uma agenda e visão sobre o país que orientasse a ação pastoral da igreja católica do país. Na última versão da SSB, realizada em meados desta primeira década do século 21, já se percebia o cerco político e esvaziamento desta articulação política.

Estudos sobre cooperação de países ricos para programas e intervenção social no hemisfério sul (ajudas ao desenvolvimento) revelaram corte em 50% desses recursos provenientes do Japão, Finlândia e Suécia no início dos anos 1990. Outros países, muito atuantes junto às ONGs e organismos de promoção social do Brasil, como Itália, Holanda, Alemanha e França, seguiram o mesmo caminho. Das fontes financiadoras que permaneceram, emergiu uma série de condicionantes desconhecidos até então dos agentes sociais e pastorais brasileiros, como eficiência e eficácia, indicadores de resultados, planejamento estratégico e sistemas de gerenciamento por objetivos. Em 2009, um novo corte de 50% de apoio financeiro para tais ações havia sido verificado pelo Instituto Fonte a partir de amostra junto a 41 organizações estrangeiras com atuação no Brasil (sendo que 15% dessas organizações projetam retirada completa de seus investimentos no Brasil a partir de 2015). Se nos anos 1990 a motivação para o corte era a necessidade de investimentos no leste europeu (após a queda do muro de Berlim) e deslocamento gradativo de investimentos para a África, nesta década a motivação passou a ser a crise financeira global. Um encontro recente organizado pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) adotou como título de um de seus painéis o sugestivo vaticínio: “Bye Bye Brazil: as ONGs diante da saída dos recursos internacionais”.

Trata-se, portanto, de um percurso de rareamento de financiamento externo que teve início nos anos 1990 e atinge brutalmente a logística e sustentabilidade de muitas das organizações pastorais, mais progressistas, do Brasil.

*Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. E-MAIL: [email protected] . SITE: www.cultiva.org.br . Blog: rudaricci.blogspot.com


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