Opinião
|
18 de maio de 2010
|
18:22

A cidade do sapo enterrado

Por
Sul 21
[email protected]

Maria Lucia Sampaio*

Era uma vez uma cidade onde algum mal humorado enterrou um sapo.

Ela não é nem grande nem pequena, nem excepcionalmente bonita nem feia, mas seus habitantes acreditam que vivem na melhor cidade do mundo…

Na cidade do sapo enterrado nasceu a maior cantora do país, mas até hoje (28 anos depois da sua morte) nenhuma rua foi batizada com seu nome e há uma estátua horrorosa, feita em sua homenagem, que vagou durante um ano, de um lado para o outro, até acharem um lugar para ela.

Na cidade do sapo enterrado nasceu um grande músico, que revolucionou a música popular brasileira, maestro reverenciado pelos maiores músicos do país. Mas, além dele também não ter rua e nem mesmo estátua, na cidade ninguém sabe quem ele foi.

A cidade do sapo enterrado reverencia o seu grande romancista, o seu grande poeta, o seu grande compositor popular, o seu grande pintor, o seu grande cronista, todos reconhecidos nacionalmente. Interessante é que todos têm uma mesma característica, moram na cidade.

Parece que seus habitantes não suportam os que a abandonam para fazer sucesso mundo a fora. Até podem sair, mas desde que usem as roupas típicas e continuem tendo o sotaque regional.

Na cidade do sapo enterrado nasceu um jogador de futebol que já ganhou vários prêmios e, no mínimo, duas vezes o título de “Melhor do Mundo”, mas o time que o formou, o rejeita! Também, quem mandou ir embora?!

A cidade do sapo enterrado tem uma orquestra sinfônica (da qual seus habitantes dizem ter orgulho!) que foi fundada em 1950 e que até hoje não tem nem sede e nem teatro.

Na cidade do sapo enterrado está uma das mais importantes e conceituadas faculdades de arquitetura do país, mas foi preciso buscar um arquiteto europeu para que houvesse nela um prédio de reconhecida qualidade…

Na cidade do sapo enterrado, antigamente, havia animados carnavais nos bairros. Hoje ela tem um “sambódromo”, quase fora de seus limites físicos, onde é imitado o carnaval do Rio de Janeiro.  Havia também festas de São João, na rua, nas escolas, nos clubes, mas hoje só se festeja o rélouim.

Nela há um lindo teatro público que tem uma dona mandona e todos estão convencidos de que, sem ela, o teatro não existiria.
Mas, nada disto tem importância porque a cidade do sapo enterrado tem o mais lindo pôr-do-sol do mundo…

Glossário:
1.       cantora: Elis Regina;
2.       maestro: Radamés Gnatalli;
3.       o romancista: Erico Verissimo;
4.       o poeta: Mario Quintana;
5.       o compositor popular: Lupicinio Rodrigues;
6.       o pintor: Iberê Camargo;
7.       o cronista: Luiz Fernando Verissimo;
8.       a orquestra: OSPA;
9.       jogador de futebol: Ronaldinho Gaúcho;
10.     time que o rejeita: não nomeio nem morta!
11.     prédio de qualidade: Museu Iberê Camargo;
12.     teatro público: Theatro São Pedro;
13.     cidade do sapo enterrado: quem adivinha?…

Publicado no www.previdi.com.br em setembro de 2009.

*Arquiteta e cantora.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora