Editorial
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24 de fevereiro de 2021
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12:56

Editorial: Leite e Melo, quem assumirá a responsabilidade pelas vidas perdidas?

Por
Sul 21
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Editorial: Leite e Melo, quem assumirá a responsabilidade pelas vidas perdidas?
Editorial: Leite e Melo, quem assumirá a responsabilidade pelas vidas perdidas?
Sebastião Melo e Eduardo Leite se reúnem no Palácio Piratini em dezembro de 2020 | Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

Editorial – Sul21

Em 27 de fevereiro de 2020, Giuseppe Sala, o prefeito de Milão, ajudou a compartilhar o vídeo de uma campanha que dizia que a cidade “não para” (Milano non si ferma). Um dos principais polos econômicos da Itália, Milão via sua classe empresarial e política se unirem contra a adoção de medidas de restrição de circulação para conter o que, ali, era o início da pandemia de coronavírus. Menos de um mês depois, em 22 de março, com a região da Lombardia, onde está localizada a cidade, se aproximando das 5 mil mortes, o prefeito admitiu que errou ao aderir à campanha.

À época, os portoalegrenses, gaúchos e brasileiros viam atônitos, pela televisão, as notícias vindas da cidade italiana. Pessoas morrendo em casa por falta de capacidade de atendimento hospitalar, filas de veículos do Exército carregando caixões dos mortos e um inevitável lockdown convocado quando o poder público local decidiu reverter sua rota.

Mais recentemente, em janeiro, acompanhamos o drama vivido em Manaus e no estado do Amazonas pela falta de oxigênio para pacientes de covid-19 intubados em leitos de UTI, resultado do colapso do sistema de saúde local.

Já não precisamos ver de longe. O sistema de saúde de Porto Alegre está colapsado, com a taxa de ocupação de UTIs em 96% na noite desta terça. Ainda que a situação do Rio Grande do Sul, como um todo, não esteja no mesmo patamar, vivemos o pior momento da pandemia, com as taxas de ocupação crescendo rapidamente nos últimos dias.

Nesta terça-feira (23), publicamos no Sul21 o relato de que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Moacyr Scliar, principal unidade de saúde da zona norte de Porto Alegre, superou os 300% de superlotação. Por toda a imprensa, circulam notícias de um sistema que já precisa escolher quem recebe atendimento ou não. Isto é, quem tem mais chances de viver e aqueles cuja morte é inevitável. Reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a epidemiologista Lucia Pellanda aponta em postagem nas redes sociais que a dramática falta de profissionais de saúde faz com que psiquiatras sejam acionados a intubar pacientes graves da doença.

Em Milão, o prefeito recuou de sua convicção contrária ao fechamento do comércio diante da evidência de que a inação diante do vírus fracassou, quando se provou que era falso o dilema entre salvar vidas ou salvar CNPJs. Chegaremos, nesta quarta (24), a 12 mil vidas perdidas no RS. O mundo já compreendeu que não há como salvar a economia sem salvar vidas. Os países que, hoje, vivem mais próximo da normalidade são aqueles que melhor contiveram o contágio.

O fracasso da tentativa de distanciamento controlado em conter a pandemia é estampado nos próprios boletins de dados do governo do Estado, que apontam, por exemplo, que o índice de isolamento social atingiu, na última sexta-feira (19), a menor taxa desde o início da pandemia.

O que falta para o senhor governador Eduardo Leite e o senhor prefeito Sebastião Melo recuarem de suas convicções e tomarem as medidas necessárias para conter a mortandade?

Foi amplamente noticiado que os comitês científicos e de dados do governo do Estado já recomendaram a aplicação de medidas mais severas de restrição à circulação de pessoas.

É hora de ouvir os pesquisadores e os profissionais da saúde que estão na linha de frente da luta pela vida nos hospitais e postos de saúde. E não ficar refém de uma visão empresarial obscurantista, criminosa e ignorante que acha que a economia vai se salvar expondo cada vez mais pessoas à morte.

Não é, por outro lado, hora de discutirmos o retorno das aulas presencias ou quaisquer liberações que possam resultar em mais aglomerações e mais risco à população.

É hora de agir para proteger os gaúchos e portoalegrenses que têm visto familiares e amigos morrerem às centenas e às dezenas, respectivamente, nos últimos dias e que não sabem se, por ventura adoecerem, seja covid-19 ou não, terão acesso a um tratamento médico mínimo. Seja na rede pública ou privada.

É hora de compreender que se perdeu tempo em escolhas equivocadas, como a distribuição do inútil kit de tratamento precoce, e que a responsabilidade por governar e de tomar decisões, ainda que impopulares, é do chefe do Executivo, estadual ou municipal, e que não se pode ceder diante de uma situação grave. Cabe ao Estado comandar a política de saúde pública, não terceirizar responsabilidades para indivíduos.

Já passou da hora, senhores prefeito e governador, de assumir suas responsabilidades como governantes e defender a vida da população. Ou, então, caberá aos senhores assumir a responsabilidade pelas vidas perdidas que poderiam ter sido protegidas.

Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2021.


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