Geral
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24 de abril de 2012
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06:00

Déficit previdenciário, contribuição progressiva, justiça e equidade social

Por
Sul 21
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A questão da previdência social é um sério problema hoje em todo o mundo. Não é diferente no Brasil e não é diferente no Rio Grande do Sul. A mudança do perfil demográfico da população, com o aumento da longevidade e a diminuição da natalidade, conjugada à mudança do padrão produtivo, com o aumento da produtividade do trabalho e a diminuição da contratação de novos trabalhadores/servidores tem resultado na incapacidade de as agências de previdência arcarem, com recursos próprios, com o pagamento das aposentadorias de trabalhadores da iniciativa privada e também dos servidores públicos.

Na iniciativa privada, a solução adotada em diversos países tem sido a privatização dos sistemas previdenciários, o que os tem transformado em grandes fundos de investimentos e de controle acionário de inúmeras empresas (privadas e de economia mista), sem que os benefícios de seus ganhos tenham se transferido, de modo efetivo, para os seus contribuintes. No setor público, visando minimizar os déficits previdenciários, muitos países têm elevado as alíquotas de desconto sobre os vencimentos dos servidores e, ao mesmo tempo, muitos governos têm adotado políticas de corte de pessoal e enxugamento da máquina pública, sem conseguirem, entretanto, reestabelecer o equilíbrio entre contribuições e pagamentos de benefícios.

No caso brasileiro, o chamado déficit previdenciário tem sido agravado pela ampliação dos direitos sociais e pelo aumento das atribuições atribuídas ao sistema previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada pela Constituição de 1988, sem que tenham sido ampliadas as fontes de recursos colocados à disposição do sistema. Desde a vigência da nova Constituição Federal, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) passou a se responsabilizar não apenas pelo pagamento e a gestão das aposentadorias dos trabalhadores da iniciativa privada, mas também pela prestação de um grande número de benefícios de segurança social prestados para o conjunto da população, sejam os usuários contribuintes ou não do sistema previdenciário oficial.

Além disto, parte das receitas proveniente dos impostos e das contribuições sociais que deveriam financiar o sistema previdenciário federal tem sido utilizada, ao longo dos anos, para outros fins. O exemplo mais marcante é o da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cujos recursos não têm sido destinados exclusivamente para a seguridade social, como seria de se esperar, considerando-se o próprio nome da contribuição. Durante muito tempo também, notadamente durante o regime ditatorial-militar (1964/1985), os recursos previdenciários, que eram superavitários naquela época, foram transferidos para outras áreas governamentais sem que nunca tenham sido restituídos aos cofres originais.

No caso do Rio Grande do Sul, durante muitos anos todo o custo do pagamento dos inativos e pensionistas foi arcado integralmente pelo tesouro público estadual. Foi a partir do governo de Antônio Britto que os servidores públicos estaduais passaram a contribuir para o sistema previdenciário estadual, recolhendo algo em torno de 3% de seus salários para este fim. Ao longo dos anos, estes percentuais foram sendo aumentados, sendo que no governo Yeda Crusius, acompanhando o que ocorre no plano federal e em 15 dos 26 estados brasileiros, chegou-se a proporção de 2 para 1, com o erário público passando a contribuir com 22% e os servidores, inativos e pensionistas com 11% de seus vencimentos mensais.

Não obstante estes recolhimentos, o déficit previdenciário tem crescido ano a ano em todo o país. Hoje, no RS, ele atinge a casa dos R$ 5 bilhões anuais. O aumento dos anos de sobrevida dos servidores públicos após a aposentadoria fez com que se alongasse o período de recebimento de vencimentos de inativos e pensionistas que passou da média anterior de 15 a 20 anos para a média atual que já supere os 30 anos.  Além disso, o desmonte sistemático do Estado, promovido durante o período de hegemonia neoliberal, com o corte sistemático de servidores e com as demissões voluntárias incentivadas, fez com que a proporção de servidores ativos/inativos chegasse hoje a uma relação de 1 servidor ativo para 1 inativo. Para ser exato, o quadro funcional no Rio Grande do Sul hoje é composto por 51% de servidores ativos e por 49% de servidores inativos ou pensionistas.

Agrava-se ainda mais a situação previdenciária gaúcha, pois continuam vigentes aqui muitas das vantagens e benefícios conquistados pelos servidores públicos ao longo do período do Estado de padrão Varguista (grosso modo, construído após a Revolução de 1930 e desmontado, ao menos parcialmente, durante os governos de FHC) e que foram extintas em diversos estados do país. Exemplo é o fato de o servidor público inativo gaúcho continuar recebendo o mesmo vencimento que recebia no momento em que requereu seu desligamento do serviço ativo, com todas as vantagens, promoções e incorporações ocorridas ao longo do seu período de trabalho, desde que tenha recebido os seus valores durante cinco anos consecutivos ou 10 anos intermitentes.

Visando minorar o déficit previdenciário no Rio Grande do Sul, o governo Tarso Genro conseguiu fazer aprovar leis estaduais que criaram: a) um Fundo de Capitalização Previdenciário, para os servidores que ingressarem no serviço público estadual a partir de 2011, e b) alíquotas diferenciadas de contribuição previdenciária para os servidores públicos estaduais integrantes do quadro atualmente existente. O Fundo de Capitalização já começou a recolher as contribuições dos servidores ativos e só passará a pagar aposentadorias no ano de 2026. Criado a partir de cálculos atuariais que se espera sejam corretos e realistas, ele terá tempo para se solidificar, desafogando os cofres públicos em médio prazo. As alíquotas diferenciadas de contribuição foram, entretanto, barradas pelo poder Judiciário, que, por meio de ação provisória, as considerou inconstitucionais, já que estabeleceriam um sistema de contribuição progressivo não previsto na Constituição Federal de 1988.

Estivessem vigentes as alíquotas previdenciárias então aprovadas, continuariam existindo as parcelas de contribuição de 22% por parte do Estado e de 11% por parte da maioria dos servidores e seria instituído um recolhimento de cerca de 14% sobre as parcelas salariais que superassem o teto da previdência social privada, hoje de R$ 3.900,00. De acordo com os cálculos da Fazenda estadual, perto de 80% dos servidores públicos estaduais continuariam contribuindo com 11% de seus vencimentos, sendo que os demais recolheriam parcelas salariais que oscilariam entre 11,5%, 12%, 12,5%, 13%, 13,% e 14%. Afirma o governo estadual, que apenas algo em torno de 5% dos servidores contribuiriam com 14% sobre a parcela de seus salários que excedesse o teto estabelecido.

O impedimento judicial da aplicação destes percentuais fez com que o governo enviasse agora um novo projeto de lei para a Assembleia Legislativa propondo a criação de uma alíquota de contribuição previdenciária única de 13,5%, que deverá incidir sobre o total dos vencimentos de todos os servidores públicos do RS. A imposição desta nova alíquota não eliminará o déficit previdenciário no estado, mas minorará seus efeitos, aliviando, em parte, os cofres públicos. Mais uma vez, no entanto, a prevalecer a decisão judicial e a se implantar a legislação ora proposta, a conta será paga pelas parcelas mais fracas e de menores rendimentos dos servidores públicos estaduais. Ainda que a parcela a ser recolhida seja a mesma para todos os servidores, independente do valor de seus vencimentos, o impacto do desconto será tanto maior quanto menor for o salário recebido pelo servidor. Não foi por outro motivo que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul (CDESRS), reunido nesta segunda feira (23), sugeriu ao governador que encabece um debate nacional pela mudança da Constituição Federal, visando permitir o critério da progressividade.

Independente do que o tenha gerado e das (i)responsabilidades dos governos, o déficit previdenciário existe e precisa ser sanado, tanto no Rio Grande do Sul quanto na maioria dos estados do país e também no âmbito federal. Diante disto, o melhor que se pode fazer é dividir os ônus e os sacrifícios do modo mais equilibrado e equânime possível. Ou seja, os que ganham mais devem recolher parcelas nominalmente e percentualmente maiores de seus salários e os que ganham menos devem pagar recolher parcelas menores, tanto em termos nominais quanto em termos percentuais. Além disto, será preciso que as dívidas históricas contraídas com a previdência sejam quitadas e que seja modificado o modo de repartição das vantagens e benefícios salariais entre o conjunto dos servidores. Não é justo, por exemplo, que se continue concedendo reajustes salariais mais elevados para as categoriais de servidores melhor pagas e com maior poder de pressão e menos elevados para os servidores pior remunerados e com menor poder de pressão.


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