Geral
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9 de dezembro de 2011
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04:28

“Prefiro a liberdade com perigos a uma escravidão tranquila”

Por
Sul 21
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Merece ser lida com atenção e cuidado a matéria com a filósofa Marilena Chauí, publicada ontem (9) no Sul21. Nela, Chauí reafirma a legitimidade e a necessidade do conflito político e que ele é o coração da democracia. Antes que os conservadores se assustem e proclamem que se tratam de afirmações subversivas, de um esquerdismo retrógrado, vale lembrar aqui que as afirmações de Chauí são muito semelhantes às escritas por Thomaz Jefferson, um dos “pais da pátria” estadunidense, redator da Declaração de Independência, segundo vice-presidente e terceiro presidente daquele país, um dos fundadores do Partido Democrata-Republicano (já extinto) e que, convenhamos, não é nenhum incendiário.

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Nos Escritos Políticos, que reúnem a correspondência de Jefferson durante os anos de 1785 e 1788, o autor é claro quando afirma: “A meu ver, uma pequena rebelião, de quando em vez, é boa medida e tão necessária no mundo político como tempestades no mundo físico. Rebeliões mal sucedidas, de fato, geralmente criam usurpações dos direitos do povo que as produziu. A observação desta verdade deve fazer com que os governantes republicanos honesto amenizem as punições contras as rebeliões de sorte a não as desencorajar demais. É um remédio necessário à saúde saudável do governo” (Carta a James Madison, Paris, 30 de janeiro de 1787).

Referindo-se à Rebelião de Shays, em Massachusetts, que impediu a execução de hipotecas e de leilões pelos tribunais, Jefferson assim se referiu: “Tivemos 13 Estados independentes durante onze anos. Houve apenas uma rebelião. Isso vem a ser uma única rebelião em um século e meio para cada Estado. Que país existiu, antes, sem uma rebelião durante um século e meio? E que país poderá preservar a liberdade se seus governantes não forem advertidos, de tempos em tempos, de que o provo preserva o espírito de resistência? Deixemo-lo levantar-se em armas. O remédio está em esclarecê-los quanto aos fatos, perdoá-los e pacificá-los. Que significam poucas vidas perdidas em um século ou dois? Deve-se regar a arvore da liberdade, de quando em vez, com o sangue de patriotas e tiranos. É sua adubação natural” (Carta a William S. Smith, Paris, 13 de novembro de 1787) (grifos nossos).

Segundo Marilena Chauí, “o núcleo da sociedade brasileira é um grupo oligárquico que não admite contestação e que transforma o conflito na ideia de desordem, crise, perigo, de que é preciso um Estado forte”. Fica claro o quanto estamos atrasados.  Sem que se considere a democracia norte-americana a referência máxima das liberdades políticas e da participação popular, é forçoso, no entanto, constatar que ainda não superamos, passados já 189 desde nossa independência como Nação e 112 anos desde a instalação da República, o domínio oligárquico referido por Chauí.

Mais do que a “cordialidade” que nos caracteriza, precisamos reforçar a disposição de contestação de nosso povo. Mesmo que estejamos atravessando um período de predomínio de governos progressistas e que estão se esforçando por reduzir as desigualdades sociais e econômicas tão profundas existentes em nosso país, é preciso que nosso povo se convença que de que temos ainda uma longa e árdua caminhada a percorrer. Há muitas conquistas ainda a realizar, com a derrubada de barreiras de gênero, de etnia, de renda e de orientação sexual, para citar apenas alguns exemplos, e, também, com a eliminação das oligarquias que há séculos dominam nossa política.

Foi a truculência de nossas elites, por um lado, com sua disposição de eliminar as divergência e de impor a ordem a todo custo, e a incapacidade de se organizar e de resistir de nosso povo, por outro, que nos forçou, como país e como Nação, a nos submeter às vontades e ao domínios das minorias retrógradas que nos dominaram durante séculos e que teimam em nos dominar ainda hoje, a tolerar as ditadura que nos assolaram e a suportar desigualdades sociais extremas que nos envergonham.

Sem a rebeldia apregoada por Chauí e sem a irrupção dos conflitos próprios da democracia nunca construiremos uma nação de igualdade e de justiça. Os governos, quaisquer que sejam eles, mesmo que sejam democráticos e populares, precisam sempre ser incomodados pela possibilidade da contestação popular. Sejam bem vidas, pois, as manifestações dos jovens, dos trabalhadores, dos indígenas, dos homossexuais, das mulheres, dos negros e dos indignados, bem como as ocupações em Wall Street e das praças em todo o mundo e de quantos se levantem contra o consenso e as vontades majoritárias

Na mesma carta a Madison, citada acima, Jefferson afirma, em latim, que malo periculosam libertatem quam quietam servitutem, ou seja, que prefere a liberdade com perigos a uma escravidão tranquila. Façamos nossas suas palavras.


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