Geral
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7 de julho de 2011
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18:33

Res Publica: coisa pública ou cosa nostra?

Por
Sul 21
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A demissão de dois ministros de pastas importantes do governo Dilma Rousseff em apenas um mês, acusados de corrupção, (Antônio Palocci – Casa Civil – e Alfredo Nascimento – Transportes) deixa claro a existência de sérios problemas na estrutura do Estado brasileiro.

O próprio ministro chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, encarregado da fiscalização interna dos ministérios, afirmou que as irregularidades no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estariam “no DNA” do órgão. Estas irregularidades, ainda segundo o ministro, incluiriam “superfaturamento, licitações direcionadas e serviços malfeitos e pagos”.

Na verdade, poder-se-ia afirmar que a propensão para as irregularidades estão no DNA de todos os órgãos públicos e instâncias de governo no Brasil e, sem exagero, no mundo. Para aumentar a eficiência dos serviços prestados e diminuir a possibilidade de corrupção é preciso que existam mecanismos de fiscalização e controle efetivos, com metas a serem atingidas e transparência nos procedimentos.

A diferença do que ocorre no mundo para o que ocorre no Brasil é que, nas nações de democracia avançada, esses mecanismos existem e funcionam. No Brasil, assim como nos demais países de democracia incipiente, ou eles não existem ou, quando existem, não funcionam a contento.

Veja-se, por exemplo, o caso das agências reguladoras, que foram criadas para regulamentar e fiscalizar os serviços públicos cuja excecução foi privatizada, mas que se tornaram agências de defesa e acomodação de interesses de apaniguados políticos, do lado do concessor (governo) e das próprias concessionárias (empresas privadas).

Outro exemplo notório são os Tribunais de Contas, órgãos auxiliares do Poder Legislativo, que viraram (ou sempre foram ?) cabides de empregos milionários e meio de premiar parceiros e conciliar interesses políticos.

Nem mesmo o Poder Judiciário fica de fora: o Conselho Nacional de Justiça, criado, após muita resistência dos magistrados, para fiscalizar e regulamentar os atos administrativos daqueles servidores, concedeu, por ato administrativo, há poucas semanas, regalias salariais e funcionais aos juízes cujos interesses deveria controlar.

Diz o jornal argentino La Nación, referindo-se aos episódios recentes de demissão de ministros no Brasil, que Dilma enfrenta uma nova “herança maldita”; esta, recebida de Lula e relativa às questões políticas de montagem da coalizão de governo. Dilma manteve no seu ministério figuras ligadas a Lula e que haviam sido ministros durante o governo de seu antecessor e/ou que lhe foram impostas pela necessidade de assegurar maioria parlamentar.

Seria o caso dos dois ministros recém demitidos (ou que “se demitiram”) e ainda de outros, como, por exemplo, os ministros do Turismo, da Defesa e da Educação, que serviram ao governo Lula e foram mantidos por indicação do ex-presidente e, ainda, dos ministros da Agricultura e de Assuntos Estratégicos, apadrinhados por Michel Temer, vice-presidente. Em todos os casos, a determinação maior seria a conciliação dos interesses dos diferentes partidos políticos que integram o governo sem compartilhar, muitas vezes, as mesmas concepções de Estado ou, sequer, plataformas políticas.

O caso do ex-ministro Alfredo Nascimento e de seu partido é emblemático. O ex-ministro integra e é alto dirigente do Partido da República (PR), cujo nome é, em si, um enorme disparate. Sucessor do Partido Liberal (PL), dominado pela Igreja Universal e seus bispos e envolvido profundamente no episódio do “mensalão”, o PR ficaria mais bem definido caso se autodenominasse PCN (Partido da Cosa Nostra).

O caso é emblemático porque expressa, na verdade, a concepção generalizada no Brasil a respeito das “coisas públicas” ou da “res publica”. As “coisas do povo”, entre nós, são as coisas que são tidas como sendo de ninguém e que, portanto, podem ser apossadas por qualquer um, principalmente se este “qualquer um” for alguém graduado e com cargo de poder, em qualquer das instâncias e órgãos de governo. Como os serviços públicos são serviços para o povo, leia-se, para os “pobres” – vejam, por exemplo, os casos do SUS e do INSS – eles não precisam ser de qualidade e os recursos que lhes são destinados podem ser objeto de desvios e corrupção.

Foi assim tradicionalmente no Brasil e é assim ainda hoje, por mais que os governantes recentes (Itamar, FHC, Lula e agora Dilma) tenham se empenhado e venham se empenhando para modificar esta situação. Muita coisa precisa mudar.

Um bom começo seria a realização de uma reforma política que alterasse a forma como se elege e se compõem governos no Brasil. Enquanto continuarmos com um sistema eleitoral que favorece a eleição de personalidades carismáticas, que incentiva a fragmentação partidária e obriga a barganha de cargos para constituição de maiorias parlamentares, continuaremos alimentando os conchavos, os interesses de grupos em detrimento dos interesses da maioria e, o que é ainda pior, a corrupção e os maus serviços públicos. É bom que comecemos a pensar seriamente na possibilidade da adoção do financiamento público de campanha, do voto em lista fechada ou do sistema distrital e da cláusula de desempenho eleitoral.

O passo seguinte seria a realização de uma reforma administrativa profunda, que instituísse salários decentes, carreiras atraentes, avaliação periódica dos servidores e obrigatoriedade de realização de concursos para o provimento da grande maioria dos cargos públicos, com a eliminação de milhares de cargos de comissão em todos os níveis da administração brasileira.

Não teríamos a panacéia, com a eliminação de todos os males, mas daríamos passos importantes na direção das soluções para os problemas que nos afligem a todos, com a diminuição da corrupção pública e o aumento da estabilidade de governo no país.


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