Geral
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2 de dezembro de 2010
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07:30

A criminalização da pobreza, corrupção e violência

Por
Sul 21
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A entrevista com Celso Athayde, publicada pelo Sul21, dá a real dimensão do problema social das favelas e das drogas no Rio de Janeiro e no Brasil hoje.

Não adianta a ocupação pura e simples dos territórios. Não adianta a varredura, nem a permanência das forças policiais-militares por seis, sete meses ou por anos a fio. Quanto mais tempo as forças armadas permanecerem em ações deste tipo, maiores serão as chances de sua contaminação pelo tráfico e, pior ainda, pelas milícias para-policiais. As polícias Civil e Militar carioca estão dando provas contínuas de sua contaminação. O noticiário de hoje traz denúncias de moradores do Complexo do Alemão, relatando ações de vandalismo promovidas por policiais, como a destruição de móveis e equipamentos domésticos, bem como a suspeita de apropriação (roubo) de dinheiro vivo.

A repressão é necessária, Celso Athayde tem consciência disto e o declara na própria entrevista, mas é insuficiente, conforme o Sul 21 vem insistindo neste espaço há algum tempo. A fala de Athayde é reveladora:

Desses 600 criminosos que a polícia estima que fugiram da Vila Cruzeiro, 460 têm na média de 13 anos de idade. Como provar alguma coisa contra um deles? E adianta prender para depois ficarmos refém de manter preso em cadeia? Tem que ter oportunidade para todos. A estimativa de vida dos criminosos é de 25 anos de idade. As iniciativas dos governantes direcionadas a isso são positivas, mas são insuficiente.

Estamos pagando por não termos distribuído de forma igualitária as riquezas do país, com todos que ajudaram a conquistá-la. Não é a toa que no Complexo do Alemão apenas 20% são brancos.”

No Brasil, país vice-campeão mundial da desigualdade social, onde cerca de 49% da população ocupada não contribui para a previdência social e mantêm-se à margem dos direitos sociais, onde mais de 28% desta mesma população ocupada têm instrução que varia de nenhuma a apenas três anos e onde, finalmente, os 50% mais pobres detêm parcela equivalente à 14,8% da renda gerada enquanto o 1% mais rico detém 13,3%, a pobreza continua a ser criminalizada e os pobres continuam a ser vistos como perigosos e potencialmente violentos.

Mesmo que estes indicadores tenham melhorado nos últimos anos, a situação ainda não se alterou de modo satisfatório. A marginalização da população pobre e principalmente negra manteve-se durante séculos no país e foi agravada pelo processo de urbanização acelerado durante o período da ditadura militar (1964-1984), no qual não foram criadas condições de incorporação da maioria da população pobre, oriunda da área rural, e exacerbou-se pela omissão dos governos posteriores, em um período já de crise do modelo de desenvolvimento. Esta marginalização e discriminação não serão superadas em curto espaço de tempo.

A adoção de políticas repressivas, sem a implantação de ações sociais permanentes e sem a criação de perspectivas de trabalho e remuneração condigna para os jovens, tem contido apenas momentaneamente a criminalidade e provocado explosões periódicas de violência.

Lembre-se que em maio de 2006, em São Paulo, como reação à política de encarceramento desenvolvida pelo governo daquele estado, ocorreu a eclosão de 62 rebeliões nos presídios estaduais e, em decorrência da exacerbação dos conflitos entre policiais e as facções criminosas, contabilizou-se a morte de cerca de 140 pessoas, considerando-se marginais, policiais e moradores das periferias pobres da capital paulista. Destes mortos, mais de 40, segundo levantamento do ministério público estadual de São Paulo, eram cidadãos sem qualquer antecedente criminal.

Sem que se adotem políticas sociais efetivamente inclusivas, que garantam além de uma renda familiar mínima também habitação popular digna, transporte coletivo decente, educação básica e saúde públicas e gratuitas de qualidade e universais, requisitos indispensáveis para a cidadania social plena, não se construirá, de maneira efetiva e duradoura, política alguma de segurança pública, por mais que se apresentem ações pontuais exitosas e até planos nacionais bem intencionados e participativos, como os elaborados pelos dois últimos governos federais.


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