Geral
|
21 de outubro de 2010
|
10:22

Brincando com fogo

Por
Sul 21
[email protected]

A exaltação dos ânimos eleitorais relembra campanhas passadas na história do país. Como se voltássemos, todos, no tempo e pousássemos nos idos de 1989, no segundo turno da disputa Collor x Lula.

Depois de 29 anos de jejum eleitoral para a eleição à Presidência da República, preparávamos para eleger o primeiro mandatário do novo regime democrático no Brasil. Éramos, então, novatos em campanhas eleitorais e em votações efetivamente democráticas. Pela primeira vez teríamos escolhas livres de candidatos e projetos. Só que não sabíamos, ainda, fazer campanhas eleitorais democráticas.

A grande mídia nitidamente escolheu e apoiou um candidato. O “monstro brizolula”, que aterrorizara a direita no primeiro turno, tinha sido parcialmente desfeito com a eliminação de Leonel Brizola da disputa. A passagem de Luis Inácio Lula da Silva ao segundo turno reacendeu, no entanto, a luz vermelha nas hostes conservadoras. Instalou-se o terrorismo midiático.

Mario Amato, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, desferiu uma frase alarmista e que se tornou famosa: “Oitocentos mil empresários deixarão o país se Lula ganhar as eleições”. Lula era acusado de ser ateu e “comer criancinhas”, de morar em uma “mansão no Morumbi, em São Paulo”. Integrantes da campanha Collor, vestindo camisetas do PT, percorriam bairros de classe média com pranchetas e trenas nas mãos, medindo casas e apartamentos e “informando” seus proprietários que, em caso de “vitória de Lula”, outras famílias seriam levadas para dividir sua habitação.

Agroboys e caratecas rondavam comícios e manifestações de apoio à Lula intimidando simpatizantes e promovendo confrontos. Mirian Cordeiro, ex-namorada de Lula, foi levada ao horário eleitoral de Collor para denunciar que Lula havia tentado induzi-la ao aborto, para impedir o nascimento da filha de ambos. Como a legislação não impedia, a Rede Globo editou o último debate entre os dois candidatos, escolhendo os piores momentos de Lula e os melhores de Collor e o reproduziu em todos os seus telejornais do dia anterior à votação, mesmo após o término do horário eleitoral gratuito.

Collor ganhou a eleição, adotou como primeira medida depois de sua posse o seqüestro das contas-correntes e das poupanças das pessoas – uma das acusações que ele próprio havia imputado à Lula como medida de combate à inflação. Dois anos depois, Collor foi caçado por decisão democrática do Congresso Nacional, depois de os “caras pintadas” saírem às ruas e a Rede Globo, oportunisticamente, aderir à campanha por sua destituição.

Passados 21 anos, ainda não atingimos a maioridade democrática? Já não vimos este filme? Teremos agora que suportar nova campanha calcada nas mesmas teclas, acusações e práticas? Novamente acusações morais, novamente clima de terror midiático e novamente agressões simuladas. Mudaram as moscas, mas o entulho continuou o mesmo.

O serenamento dos ânimos é urgente e necessário. O enfrentamento desmedido que se avizinha só interessa aos inimigos da democracia e aos amantes do atraso. Acautelemo-nos todos.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora