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5 de novembro de 2012
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08:00

“É preciso encerrar contratos de desoneração fiscal”, cobra Cláudio Augustin

Por
Sul 21
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Claudio Augustin diz que estado deixa de receber R$ 10 bilhões por causa de incentivos fiscais | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

Para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Sindisepe-RS), Claudio Augustin, o governo gaúcho deve abortar a política de desoneração tributária concedida a grandes empresas. O sindicalista entende que, por meio dessa prática, o estado deixa de arrecadar recursos que poderiam ser investidos em outras áreas, como saúde e educação.

Nesta entrevista ao Sul21, Claudio Augustin avalia os dois primeiros anos do governo de Tarso Genro (PT) e fala, também, sobre a conjuntura política do movimento sindical no Rio Grande do Sul. Petista e fundador do partido, Augustin avisa que não deixará de fazer críticas ao governo por pertencer ao PT. “ Não podemos esquecer que, no imaginário popular, o PT veio da luta. E os petistas que continuam lutando são os petistas de fato”, opina.

Na avaliação do presidente do Sindisepe-RS, durante o governo de Yeda Crusius (PSDB) os trabalhadores tiveram que lutar para não perder direitos e, agora, no governo Tarso, a pauta de reivindicações é por avaços nas conquistas – como o estabelecimento de uma negociação coletiva com os servidores e reajustes para os funcionários que recebem abaixo do salário mínimo no estado.

“A dívida do estado com a União possui cláusulas leoninas e inaceitáveis. É um atentado ao princípio federativo e precisa ser renegociada”

Sul21 – Como o senhor avalia esses dois primeiros anos do governo Tarso?
Claudio Augustin – O governo Tarso foi eleito no primeiro turno com amplo apoio social e com grandes expectativas de muitos setores. Acreditávamos que ele enfrentaria os grandes problemas do estado.

“O estado gasta 13% da sua receita com o pagamento de juros de uma dívida impagável” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Quais, por exemplo?
Augustin – Um deles é o da receita pública. O Rio Grande do Sul deixa de arrecadar mais de um terço de sua receita potencial por causa dos benefícios fiscais. Em 2010, deixaram de ser arrecadados R$ 10 bilhões. Em 2011 já chegou perto dos R$ 13 bilhões. Há, também, a desoneração das exportaçoes decorrentes da Lei Kandir, que deixa de cobrar ICMS de produtos semi-elaborados. Assim, ensacamos soja e exportamos empregos. Cabe ao estado fazer a disputa política com o governo federal para que isso mude. Um outro problema é a dívida do estado com a União, que possui cláusulas leoninas e inaceitáveis. É um atentado ao princípio federativo e precisa ser renegociada. O estado gasta 13% da sua receita com o pagamento de juros de uma dívida impagável. Já pagamos várias vezes o seu valor e ela segue aumentando.

Sul21 – Quanto aos incentivos fiscais, uma das iniciativas do governo foi a reforma do Fundopem. Para o governador, as medidas implementadas fortalecem a economia local ao condidicionar a desoneração à compra de insumos da base produtiva, por exemplo. Como o senhor avalia essa argumentação?
Augustin – No meu entendimento, a prática de concessão de incentivos fiscais continua sendo perversa. A lógica de benefício fiscal é vinculada a uma empresa, não a um ramo produtivo. O estado interfere, inclusive, na concorrência intercapitalista: beneficia uma empresa em detrimento de outras. A lógica do Fundopem não gera crescimento econômico. Todas as vezes que o Rio Grande do Sul aumentou os benefícios fiscais houve aumento do déficit do tesouro. A lógica da guerra fiscal destrói economias e só beneficia alguns empresários, não o conjunto da sociedade. Muitas vezes, as empresas se apropriam dos incentivos e logo depois encerram o contrato, fecham a fábrica e demitem os funcionários.

“O estado não cumpre os investimentos mínimos previstos da Constituição, não garante saúde nem educação, mas garante isenção fiscal a empresários?”
Para o sindicalista, os contratos de desoneração a empresas devem ser rompidos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O senhor defende que não sejam concedidos novos incentivos fiscais ou que as desonerações contratadas no passado sejam extintas?
Augustin – É preciso acabar com esses contratos, que são renovados a todo momento. Não podemos acabar com um contrato, mas podemos rasgar a Constituição? Qual o poder desses contratos em relação à Constituição? O estado não cumpre os investimentos mínimos previstos da Constituição, não garante saúde nem educação, mas garante isenção fiscal a empresários?

Sul21 – O senhor foi um crítico das tentativas de reformar a previdência pública estadual.
Augustin – O Rio Grande do Sul tem um passivo previdenciário de cerca de R$ 100 bilhões. O estado ainda não se adequou às alterações constitucionais que, inclusive, estão sendo questionadas, já que o STF considerou que houve compra de votos nessas votações do Congresso Nacional. O Rio Grande do Sul ainda não regulamentou um regime previdenciário próprio. Isso significa que vários direitos previdenciários dos servidores não estão sendo cumpridos. E o governo segue dizendo que há um déficit previdenciário. Esse déficit não existe, o que existe é uma dívida que o estado tem para com o sistema de previdência.

Sul21 – Qual a diferença entre déficit e dívida, nesse caso?
Augustin – Na nossa avaliação, há equilíbrio financeiro e a previdência é superavitária. O governo gasta R$ 5 bilhões por ano para conseguir pagar as aposentadorias dos servidores e chama isso de déficit. É, na verdade, uma dívida que o estado tem com os servidores, por nunca ter contribuído com a sua parte, como determina a Emenda 20. Se estamos falando de um passivo, esses R$ 5 bilhões são, na verdade, uma amortização da dívida e não um déficit do sistema.

Sul21 – Qual a sua avaliação dos projetos de reforma previdenciária propostos pelo governo estadual?
Augustin – São duas alterações. Na parte que trata do aumento da alíquota de contribuição, entendemos que é isso é ilegal. A posição do Tribunal de Justiça está correta. Mas o problema maior dos projetos aprovados pela Assembleia Legislativa é o fundo de capitalização. O conjunto das entidades do funcionalismo estadual irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra esse fundo.

“Até o padrão 12 do quadro-geral, os servidores recebem abaixo do mínimo e só conseguem chegar ao piso regional através de uma parcela autônoma”

Sul21 – E qual a situação das diversas carreiras do funcionalismo estadual? Há um abismo entre o menor e o maior salário.
Augustin – Temos 51 quadros de pessoal com grandes distorções funcionais e salariais. As constituições federal e estadual determinam que haja plano de carreira com isonomia de vencimentos. No Rio Grande do Sul, as distorções são gritantes. Ao mesmo tempo em que temos um grande número de servidores recebendo acima do teto salarial, há milhares com o vencimento básico abaixo do salário-mínimo. Até o padrão 12 do quadro-geral, os servidores recebem abaixo do mínimo e só conseguem chegar ao piso regional através de uma parcela autônoma, um complemento que não faz parte do rendimento básico.

Presidente do Sindisepe-RS acusa Tarso de aprofundar distorções salariais no funcionalismo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Que tipo de trabalhadores recebem abaixo do mínimo?
Augustin – Motoristas, datilógrafos, trabalhadores de áreas administrativas, auxiliares de enfermagem… É um grande número de servidores.

Sul21 – A solução seria incorporar essa parcela autônoma ao básico?
Augustin – Não apenas isso. O salário-mínimo regional é exigido pelo estado ao setor privado, mas o próprio governo não o paga aos seus servidores, é um absurdo. Além desse problema, a remuneração dos servidores está muito abaixo do salário de mercado e muito abaixo do que recebem trabalhadores de um mesmo setor em outras secretarias. Ao invés de solucionar esses problemas, o governo Tarso está aprofundando as distorções salariais. Já deu reajustes a oficiais da Brigada Militar, a delegados, a procuradores da PGE, a técnicos do Tesouro…

Sul21 – O senhor é um dos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão. Qual sua avaliação do funcionamento desse órgão?
Augustin – O processo constituinte estadual aprovou a existência de um conselho de caráter deliberativo. O governador criou um conselhão de caráter consultivo e com uma composição pessoal. Vejo o Conselhão como um espaço de discussão que ficou muito aquém do que poderia ser.

Sul21 – O modo de agir de algumas entidades sindicais mudou no estado com a chegada de um governo petista? Muitos dirigentes sindicais são filiados ao PT.
Augustin – Eu sou filiado ao PT, sou fundador do partido e sou das direções estadual e nacional da CUT. Nossa postura é a mesma, independente de quem seja o governo. Temos que ter uma postura séria e fazer as lutas. Não é pelo fato de mudar o governo que iremos mudar a posição política da entidade. Nossas decisões são tomadas em assembleia geral. Independentemente de quem estiver no governo, vamos fazer as disputas políticas necessárias. Muita gente, dependendo do partido, muda sua posição em relação aos governos. Nós temos uma postura muito clara de independência. Para nós isso é princípio, e princípio não se negocia.

“Há uma disputa de hegemonia entre as várias correntes e visões de organização sindical. É uma guerra. Boa parte disso decorre do imposto sindical”

Sul21 – Como está a correlação de forças políticas no movimento sindical? Há pouco tempo, o presidente da CUT-RS foi vaiado num ato político do CPERS, com forte presença de militantes da CSP-Conlutas. Há uma disputa por hegemonia em curso?
Augustin – Temos que fazer uma análise mais profunda. Nas últimas duas décadas, houve uma profunda alteração das relações de trabalho, com um processo de fragmentação dos trabalhadores. Hoje, há no mesmo ambiente de trabalho vários tipos de trabalhadores. Junto com isso, houve um processo muito grande de fragmentação das organizações sindicais. Temos cinco centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho e várias outras que não chegaram a índices de representatividade ou não cumpriram as exigências formais da legislação. Há uma disputa de hegemonia entre as várias correntes e visões de organização sindical. É uma guerra. Boa parte disso decorre do imposto sindical, que é um absurdo. Somos totalmente contrários. Em especial, em relação aos servidores públicos, não existe qualquer legislação que sustente isso. Essa divisão enfraquece o movimento sindical como um todo. Os empresários e a burguesia não fazem isso. Reestabelecer padrões de unidade entre os trabalhadores é um desafio que precisa ser feito, senão continuaremos tendo derrotas.

“A chegada do PT e, principalmente, do Lula ao governo federal fez com que vários setores fossem cooptados” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – É comum setores mais à esquerda do movimento sindical dizerem que muitas organizações foram cooptadas com a chegada de Lula ao poder.
Augustin – Não é esse o corte. O processo de fragmentação já existia. A chegada do PT e, principalmente, do Lula ao governo federal fez com que vários setores fossem cooptados. Há políticas concretas nessa linha de cooptação, isso está colocado. Agora, só isso não explica, é um processo anterior.

Sul21 – O senhor já enfrentou problemas dentro do PT por conta das críticas ao governo estadual? A presidente do CPERS, Rejane de Oliveira, já disse ter sofrido represálias no partido.
Augustin – No caso concreto da Rejane, houve a ação de um vereador de Porto Alegre (Adeli Sell) e houve toda uma pressão contra ele em resposta. Ele saiu mais enfraquecido do que fortalecido com essa proposta (de expulsar Rejane do PT). Talvez o resultado dessa ação tenha se dado nas urnas. Não podemos esquecer que, no imaginário popular, o PT veio da luta. E os petistas que continuam lutando são os petistas de fato. Eu continuo filiado ao PT e não tenho problema nenhum com a base dos servidores. Não tenho problema em circular onde vou. Não abri mão dos princípios que fundaram a CUT e o PT. Temos que recuperar esse campo com a luta. Há tensionamentos pesados, não gostam quando se faz um tensionamento para cima dos governos estadual e federal dirigidos pelo PT. Mas não vamos abrir mãos da defesa dos trabalhadores. É nosso dever fazer isso enquanto militante do PT, da CUT e do movimento sindical.


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