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18 de setembro de 2012
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18:45

TCE-RS questiona valores gastos em loteamentos pela prefeitura de POA

Por
Sul 21
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Rachel Duarte

Já em obras, loteamento Irmãos Maristas será um dos locais que abrigará reassentados da Vila Nazaré | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A Prefeitura de Porto Alegre está explicando ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) um possível prejuízo ao erário de mais de R$ 7 milhões. O prefeito José Fortunati (PDT) e o diretor geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) Jorge Luis Vani Dusso buscam esclarecer junto ao órgão fiscalizador os custos de contratos firmados com a empreiteira Conterra para realização de obras de infraestrutura nos loteamentos Bom Fim e Irmãos Maristas, no bairro Sarandi. Os terrenos abrigarão habitações para 1,2 mil famílias da Vila Nazaré, por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida. Os esclarecimentos foram apresentados ao tribunal pelos gestores municipais na segunda-feira (17).

A medida cautelar foi publicada no Diário Oficial Eletrônico no final de agosto e determina que a prefeitura de Porto Alegre suspenda os pagamentos à empreiteira e faça nova verificação dos custos dos contratos firmados.  A decisão do conselheiro-relator Pedro Henrique Poli de Figueiredo está baseada em informações da Inspeção Especial realizada pelo TCE-RS no Departamento Municipal de Habitação (Demhab).

TCE-RS alega dano ao erário ao final das obras e pede procedimento de sindicância | Foto: Reprodução

De acordo com levantamento realizado na autarquia, as planilhas orçamentárias para quantificar os serviços nos dois loteamentos apresentam inconsistências que ocasionaram sobrepreço e pagamentos por trabalhos não executados ou realizados parcialmente. O relator aponta que a Prefeitura alocou, sem necessidade aparente, recursos próprios na ordem de R$ 15.062.905,22, dos quais R$ 7.057.946,51 milhões já foram utilizados para pagamento à empresa contratada – sendo que o aporte financeiro deveria ter origem em financiamento da Caixa Federal, por meio do Ministério das Cidades, e não nos cofres do município, a quem caberia apenas a contrapartida de R$ 1.677.725,64.

O valor alocado nos últimos meses pela Prefeitura já ultrapassa o valor total de uma das obras, a do loteamento Bom Fim, orçada em R$ 13.105.407,17. Dos mais de sete milhões apontados pelo TCE-RS como possível dano ao erário ao final das obras, R$ 2.433.413,55 foram gastos em serviços que não foram executados ou foram executados parcialmente e R$ 5.098.061,48 foram executados com valores apresentados pela Conterra, considerados pelo TCE-RS como acima dos do mercado local, o que consolidaria o sobrepreço no contrato.

De acordo com o diretor do Demhab, Jorge Dusso, os valores apresentados tem base de preço adotada comumente nos contratos de prestação de serviços públicos de mesma natureza na administração municipal e a licitação segue a lógica do custo mais baixo ao poder público. “As planilhas de custo seguem padrão. As empresas que participam da licitação concordam com os valores ou fazem com desconto. Nós acatamos esta medida acautelatória. Entendemos que são apontamentos normais do TCE-RS para esclarecimentos do que está sendo feito pela administração pública”, afirma.

Obras no loteamento Senhor do Bom Fim estão sendo tocadas pela empresa Conterra | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sobre os valores alocados dos cofres da Prefeitura, o diretor explica que foram utilizados recursos próprios devido aos valores das futuras moradias excederem os limites previstos no convênio com o governo federal. “É uma obra complexa e de ampla engenharia no valor total de R$ 100 milhões, envolvendo recursos de três fontes federais: o Orçamento da União, o programa Minha Casa, Minha Vida e o programa Pró-moradia. Pelo previsto no convênio, a soma dos recursos, dividido pelo número de famílias não poderia ultrapassar R$ 80 mil por família beneficiada. Como no caso dos loteamentos Bom Fim e Irmãos Maristas chegava a ultrapassar R$ 85 mil, tivemos que renegociar”, explica.

Uma negociação teria sido feita com a Caixa Econômica Federal (CEF) e a integralidade dos recursos da União teria sido retirada, conta o diretor. “Para não perder os valores disponíveis pelo governo federal para Porto Alegre, destinamos os recursos para outras obras, no bairro Restinga. Mas, como tiramos recursos da União, tivemos que repor, então, substituímos por recursos próprios”, fala.

Valores citados pela Prefeitura são diferentes dos apresentados no Portal da Transparência do Ministério das Cidades | Imagem: Portal Transparência/Reprodução

Por meio de nota, a Caixa Econômica Federal informa que o contrato para as obras apontadas pelo TCE-RS foi firmado em fevereiro de 2009, quando o Demhab era administrado pelo candidato a vereador Humberto Goulart (PTB). Conforme a CEF, o previsto é um financiamento por meio do Programa Pró-moradia com recursos do FGTS. E ainda, qualquer etapa que não seja a de obras de infraestrutura ainda não foi liberada pelo banco. Na nota, a Caixa não especifica o valor do convênio e se houve qualquer repasse de recursos ao município. Porém, no Portal da Transparência do Ministério das Cidades, valores distintos ao citado pelo atual diretor do Demhab (R$ 42.727.376,33) aparecem como disponíveis para as obras de reassentamento das famílias da Vila Nazaré, beneficiadas pela obra. No site também aparece uma última e pequena liberação, no valor de R$ 137,61, efetuada pelo governo federal à Prefeitura em dezembro de 2011.

Após terem sido informados sobre os dados do Portal da Transparência, a assessoria de imprensa da CEF enviou novas informações em relação ao caso e passou a admitir liberação de recursos. Em complemento à primeira nota, a Caixa informou que “o valor do financiamento dos empreendimentos Irmãos Maristas e Senhor do Bom Fim, em Porto Alegre é de R$ 33.825.130,10 e que até o momento houve o desembolso de 4.750.000,00 referente à aquisição de terrenos, não havendo nenhuma liberação de recursos referente às obras”.

Corte de árvores teria sido superfaturado

No Portal de Transparência do Ministério das Cidades, constam valores distintos dos citados pelo Demhab | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Também foi constatado na inspeção do Tribunal de Contas do RS, por meio de avaliação in loco e levantamento fotográfico, a utilização de insumos diferentes daqueles estabelecidos no orçamento, sem a devida compensação. “Diante dos indícios de inconformidades, é prudente que os custos sejam melhor verificados antes de novo pagamento, como forma de evitar prejuízo ao erário”, relatou  o conselheiro Pedro Henrique.

A constatação do TCE-RS foi que nos serviços de corte de árvores também ocorreram procedimentos de sobrepreço e pagamento por serviços não condizentes com o orçado. Para isso, não foram apresentadas informações do Demhab sobre a quantidade de entulho e respectivos transportes, o que permitiria auferir precisamente o serviço realizado.

Em visita ao local, o Sul21 presenciou as máquinas executando a terraplanagem nos dois terrenos. De acordo com os trabalhadores, o ritmo é acelerado e não raro o expediente é também noturno. Nas placas de identificação das obras estão os nomes de dois engenheiros responsáveis pela obra e de uma bióloga que cuida das licenças ambientais. Os vegetais derrubados e o total da mancha verde também são informados, mas podem estar calculados de forma a elevar o valor dos serviços de corte.

“Diante dos indícios de inconformidades, é prudente que os custos sejam melhor verificados antes de novo pagamento, como forma de evitar prejuízo ao erário”, diz conselheiro do TCE-RS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

De acordo com o diretor do Demhab, Jorge Dusso, a Prefeitura de Porto Alegre concorda que possam ter ocorrido equívocos na forma de cálculo dos serviços. E garante que já foram providenciadas as adequações conforme sugeridas pelo TCE-RS. “Os valores foram repassados pela Secretaria de Meio Ambiente, mas concordamos que não estavam adequados ao serviço realizado no empreendimento. Fizemos um serviço muito mais rápido, diferente do que dizia nas planilhas. Fizemos uma adequação e enviamos ao tribunal, mas o serviço já foi executado”, reconhece.

Segundo a nota da Caixa Econômica Federal, pelo contrato firmado com a Prefeitura para a infraestrutura dos loteamentos, não estão previstas a remoção da vegetação e a decapagem dos terrenos. “É de responsabilidade da Prefeitura, sendo a sua conclusão uma das condições para o início do desembolso de recursos referentes às obras de infraestrutura dos loteamentos”. O diretor do Demhab insiste que os contratos prevêem recursos para todas as etapas. “O total desta etapa é R$ 34 milhões, sendo que R$ 26 milhões são da União”, afirma Dusso.

Prefeitura sanciona lei para pagar futuras casas com valores acima do subsídio da CEF

Ordem de início das obras de infraestrutura dos loteamentos apontados pelo TCE-RS foi dada pelo prefeito José Fortunati e o ex-diretor do Demhab, Humberto Goulart em abril de 2012 | Foto: Divulgação/Dr.Goulart

A Vila Nazaré é uma ocupação irregular formada há mais de 30 anos na Avenida Sertório. Para reassentar as mais de 1,2mil famílias, a Prefeitura de Porto Alegre desapropriou os terrenos Bom Fim e Irmãos Maristas. Em junho deste ano, o executivo municipal sancionou lei para facilitar a construção das novas unidades habitacionais. A Lei Complementar nº 699 autoriza o Executivo a conceder contrapartidas financeiras e serviços de infraestrutura para os empreendimentos. Foram assinados três editais para mais de 3,3 mil novas moradias.

Com a lei, o município poderá complementar o valor para cada unidade habitacional construída que exceder em até seis vezes o índice do Custo Unitário Básico da Construção Civil (CUB). Assim, se a empresa comprovar necessidade de recursos que ultrapassem os R$ 56 mil previstos pelo programa para esse tipo de imóvel, a prefeitura tem autorização para repassar a diferença do valor, ampliando os recursos para o projeto. O valor atual unitário do CUB está em torno de R$ 1,1 mil. De acordo com o projeto, o subsídio máximo seria de aproximadamente R$ 6,6 mil para cada unidade habitacional. A notícia desta lei, datada também de julho, foi publicada na capa do site do Demhab nesta segunda-feira (17).

De acordo com a nota da Caixa Econômica Federal (CEF), as próximas etapas do convênio, como a construção das unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida, ainda estão em análise no banco.


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