Notícias
|
28 de setembro de 2012
|
17:30

Cidades Sustentáveis: muito além de uma agenda ambiental

Por
Sul 21
[email protected]
Mauri Cruz
Foto: Arquivo Pessoal

Mauri Cruz *

Porto Alegre se orgulha de ser a cidade pioneira na criação de uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente, lá nos idos dos anos 70, sob influência de nosso ambientalista maior José Antônio Lutzenberger. Mas se formos olhar estes quase quarenta anos de “gestão ambiental” poderíamos afirmar que a cidade propõe um modelo de cidade sustentável? A cidade é reconhecida mundialmente como praticante de uma nova visão de relação dos seres humanos com seu meio ambiente urbano construído de forma a valorizar a preservação da vida, o desenvolvimento harmoniosos e duradouro e a justiça socioambiental?

Infelizmente uma resposta sincera a estas perguntas será negativa. Porto Alegre foi a primeira a ousar priorizar a temática ambiental — mas, de lá para cá, pouco fez para honrar este pioneirismo. Do ponto de vista da mobilidade a cidade se moldou para priorizar os automóveis. Não há nenhum incentivo aos modos não motorizados ou de energia limpa. Do ponto de vista do uso e ocupação do solo o que vige são os interesses das grandes corporações imobiliárias, cortando e recortando o tecido urbano para seus empreendimentos nada sustentáveis. A gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU) após mais de 20 anos de coleta seletiva quase nada avançou e a Câmara Municipal, ao invés de buscar novas saídas, só se preocupou em criminalizar os carroceiros e carrinheiros, optando novamente pela supremacia dos automóveis em detrimento da valorização destes que, apesar de pobres e discriminados, são os verdadeiros heróis da ecologia.

Na temática da proteção das nascentes dos arroios e riachos, ou mesmo da recuperação e preservação dos corpos de água doce, o que se viu nestes anos todos é a política de “canalização” e soterramento com muito ferro e cimento. E em relação à preservação dos morros e áreas verdes nada se fez. Para coroar esta política nada ambiental, nos últimos oito anos a Prefeitura Municipal liderou a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) e transformou toda a zona rural em zona urbana, liberando uma vasta área do território municipal antes destinado a pequenas propriedades produtoras de frutas e hortaliças para a construção de condomínios e prédios de projetos habitacionais nada planejados.
A ironia maior é que toda esta política de expansão urbana desordenada, que trará prejuízos socioambientais pelos próximos 20 anos, tem sido praticada ao som do discurso dos gestores público de que isso é desenvolvimento sustentável.

Para aqueles que defendem outra agenda, está claro que Porto Alegre ainda pode recuperar o seu tempo perdido e assumir uma agenda realmente ambientalmente sustentável e socialmente justa. E isso não significaria ser novamente pioneira porque cidades menos “modernas” como Roma na Itália, Barcelona na Espanha e Stutgard na Alemanha ou mesmo Bogotá na Colômbia, só para citar algumas, já implementam novas políticas há vários anos. E o que é esta Agenda?

Do ponto de vista da mobilidade urbana significa democratizar o espaço de circulação, dando prioridade absoluta aos deslocamentos a pé, de bicicleta e de transporte público — aqui entendidos os veículos leves sobre trilhos (VLT), as linhas de ônibus, de lotações, taxis e transporte escolar. Só investir em transporte público não resolve: é urgente criar políticas de uso racional e até restrição ao automóvel, em especial nas áreas centrais da cidade.

Do ponto de vista do uso e ocupação do solo urbano, repensar a distribuição das atividades urbanas permitindo que cada cidadão e cidadã atenda as suas necessidades de trabalho, estudo, lazer ou diversão o mais próximo possível de sua moradia. Uma cidade policêntrica com corredores de desenvolvimento tal como o PDDUA previa lá em 1999. Assim, não se pode aprovar um condomínio de centenas de apartamentos sem estar agregado a este projeto o sistema viário e de mobilidade urbana, o saneamento e esgotamento sanitário, as políticas de atendimento do direito ao acesso à escola, a saúde e ao lazer. Sustentabilidade significa redesenhar a cidade sob uma ótica social e não recortá-la ao bel prazer dos interesses do mercado.

Do ponto de vista da recuperação e preservação do patrimônio ambiental é fundamental que haja uma legislação restritiva da destruição dos morros, dos bosques e áreas verdes ainda remanescentes, em especial, na zona sul da cidade. Investir nas soluções de preservação dos morros e nascentes dos arroios com o incentivo ao ecoturismo, a constituição de agrovilas e o mapeamento e valorização de qualquer elemento da flora e fauna ainda resistente a expansão urbana desordenada.

A sustentabilidade não pode ser uma retórica política onde cabem as velhas soluções. Deve ser uma nova Agenda de Desenvolvimento — melhor dizendo, uma nova Agenda do Bem Viver. Sim, porque o modelo de desenvolvimento contemporâneo é sinônimo de crescimento econômico e não representa um modo de vida sustentável. Como disse e escrevi em artigo recente sobre os debates da Rio+20, dado o grau de consciência dos limites do planeta, as perguntas certas neste momento não é o que fazer e sim quando fazer, como fazer e quanto fazer. O desafio é a constituição de acordos sobre novos paradigmas da relação dos seres humanos entre si e com o meio ambiente que tenham como centro a ética do cuidado e a certeza de que precisamos de um novo futuro para que ainda seja possível algum futuro. Esta mudança ou começa em nossas cidades ou não começará nunca. E, infelizmente, em Porto Alegre, os gestores e seus eleitores ainda não se deram conta desta emergência.

* Mauri Cruz é advogado socioambiental com especialização em direitos humanos. Fez parte do Comissão Nacional de Organização da Rio+20, é dirigente nacional da ABONG e membro do Comitê Local de Apoio ao FSM

.oOo.

O Sul21 está publicando desde o dia 5 de setembro uma série de artigos sob o tema “A Porto Alegre do Século 21”. Neles, personalidades de notório conhecimento aprofundam a discussão sobre temas centrais como habitação, mobilidade urbana, saneamento, educação, cultura, cidades digitais, saúde, acessibilidade e meio ambiente, oferecendo subsídios para uma reflexão não-alienada sobre as necessidades da capital gaúcha.

Artigos anteriores:
– Política Habitacional em Porto Alegre: cinco eixos estratégicos
– Urbanismo e meio ambiente: dez pontos para um projeto de cidade
– Saúde pública: Compromisso com a Vida
– Cidade Digital e Cidadania digital
– Mobilidade urbana: há caminhos para o trânsito de Porto Alegre
– A cultura dá sentido à vida: uma reflexão sobre Porto Alegre
– Acessibilidade: Porto Alegre é mesmo uma cidade para todos?
– Políticas de saúde: melhorar a vida em Porto Alegre
– Educação municipal em Porto Alegre: indicativos e desafios
– Cultura em Porto Alegre: fomentar a produção em todas as vertentes


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora