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6 de agosto de 2012
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08:30

Não saio do cargo sem resolver Presídio Central, diz Airton Michels

Por
Sul 21
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Secretário de Segurança do RS diz que é "demorado" eliminar violência policial, mas garante estar atuando nesse sentido | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Antes de completar meio mandato a frente da Secretaria Estadual de Segurança Pública, o promotor de justiça Airton Michels reforça que não deixará o cargo sem resolver o problema do Presídio Central. A extinção da cadeia considerada como uma das piores do Brasil não está descartada, mas deverá ser parcial. A intenção é construir uma casa de passagem, com menor capacidade. Ele estima abrir 3,140 mil vagas no sistema prisional gaúcho até o final de 2013. Segundo Michels, as questões de gênero, diversidade sexual e ressocialização estão sendo priorizadas nas políticas públicas da segurança pública.  “Até setembro estará funcionando a Patrulha Maria da Penha. Percebemos na nossa prática a vulnerabilidade das vítimas de violência doméstica que tem medidas protetivas.  As mortes de mulheres são anunciadas. A patrulha vai atuar nesta lacuna”, informou em entrevista ao Sul21.

Sem se furtar de responder sobre os temas levantados pelo Sul21, Airton Michels falou por mais de uma hora sobre a gestão da segurança pública no RS. Como iniciativas concretas, ele citou as ações emergenciais para lidar com a insalubridade das instalações no Presídio Central, formação de policiais no conceito de Polícia Comunitária e a instauração de sete Territórios da Paz para combater a violência no estado. Já as mudanças mais profundas, como a integração das polícias e o fim da violência policial, devem aparecer a longo prazo. “Nós estamos encarando esta realidade, essa postura de alguns policiais. Mas mudar esta cultura demora. Realmente ocorrem abusos, nós temos notícia disso. Não é tanto a ponto de causar pavor na sociedade, mas é mais do que gostaríamos e esperávamos”, admitiu.

“Este movimento (em nome do Presídio Central) é legítimo, mas transcorreram oito anos e dois governos anteriores e não se teve a mesma preocupação”

Sul21 – Estamos nos aproximando da metade do governo. Como o senhor avalia a estrutura atual da segurança pública gaúcha?

Airton Michels – No primeiro ano de gestão trabalhamos com o orçamento elaborado pelo governo anterior, esta foi a dinâmica da administração em todas as áreas do governo. Como somos uma administração muito diferente da anterior, fizemos uma série de debates entre as áreas da Segurança Pública (IGP, Susepe, Polícia Civil e Brigada Militar). Temos ações concretas e nossa principal tarefa é reduzir os índices de homicídios, que compreendemos ser algo de médio e longo prazo. É algo que aflige todo o processo civilizatório e o Brasil principalmente. Vamos ampliar investimentos para reverter isso. Primeiro, mais do que uma questão programática, é prioridade o sistema prisional. Vamos transferir muito em breve 1,6 mil presos do Presídio Central para a Penitenciária Arroio dos Ratos e para os dois anexos da Penitenciária de Charqueadas. Na área prisional, estamos agilizando a construção da casa prisional de Canoas. O convênio está acelerado e coincide com o trabalho de prevenção a violência que já foi desenvolvido pelo município junto ao Ministério da Justiça, no bairro Guajuviras. Nossa gestão também criou o segundo Território da Paz lá, no bairro Mathias Velho. Geraremos 400 vagas em Canoas e a construção não ultrapassará nove meses, será um sistema modular. Faremos com recursos do orçamento de 2012, sem Parcerias Público Privadas (PPPs). Com recursos do empréstimo do BNDES estamos prevendo mais 600 vagas em Venâncio Aires. Em Guaíba, estamos dando andamento a obra de uma penitenciária masculina com recursos do Depen (Departamento Nacional Penitenciário). A nossa projeção é que, somando tudo isso, até o final de 2013 já tenhamos gerado 3,140 vagas. Entregamos 396 vagas que estão ocupadas em Santa Maria. Essas unidades que estou mencionando são investimentos que ousamos fazer por se tratarem de obras já em andamento da gestão anterior. A nossa primeira disponibilidade orçamentária irá para a casa de Canoas.

Intenção é reaproveitar instalações ainda utilizáveis do Presídio Central e transformá-lo em casa de passagem, explica Michels | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Já decidiram se vão recuperá-lo ou extingui-lo até o final do mandato?

Airton Michels – Até o primeiro semestre do ano que vem vamos definir o destino do Presídio Central. Nós temos duas hipóteses. Uma delas é fazer uma avaliação do valor total da área e reformar aquela cadeia, direcionando as estruturas ainda aproveitáveis para uma cadeia de presos provisórios. Como temos um estudo, por cima, do valor da área, não poderíamos gerar apenas mais 200 vagas. Então, a outra possibilidade seria investir em uma reforma e manter apenas mil vagas. O bairro onde está o Presídio Central, o bairro Partenon, não tem valor comercial expressivo no comércio imobiliário. Mas, geograficamente está próximo da universidade e está numa região central. Então trabalhamos dentro de uma perspectiva de futuro do que pode desenvolver na região. A empresa que conseguir me entregar 2 mil vagas naquela estrutura física leva o presídio, com todo o potencial da área que está no entorno. Isso deve se definir até a metade do ano que vem, dentro de uma linha ou de outra.

Sul21 – O governo irá incorporar as sugestões dos movimentos organizados que estão fazendo movimentos paralelos, liderados pela Ajuris (Associação dos Juízes do RS), para decisões sobre o Presídio Central?

Airton Michels – Não vou incorporar nada do que está sendo feito paralelamente. Este movimento é legítimo, mas o detalhe é que transcorreram oito anos e dois governos anteriores e não se teve a mesma preocupação. O quadro atual do Presídio Central tem no mínimo seis anos e só agora há este movimento. Nosso governo ataca esta realidade desde a transição. Eu disse desde que assumi que não entregaremos o governo sem resolver o problema do Presídio Central e caminhamos para isso. Mas algumas entidades alardeiam uma situação de absoluta irracionalidade. Não se transfere uma quantidade significativa de presos de um ano para outro. Falta uma compreensão sobre isso. Esta provocação seria boa se nós estivéssemos inertes diante deste tema, e não estamos.

“Percebemos na prática a vulnerabilidade das medidas protetivas a vítimas de violência doméstica. As mortes de mulheres são anunciadas”

Sul21 – As custas judiciais, relativas aos serviços forenses, eram uma das arrecadações mais significativas do Fundo Penitenciário Nacional. Não seria uma ajuda mais efetiva do judiciário recuperar esta lei, alterada no Congresso Nacional?

Airton Michels – Sem dúvida. Até 2004, metade das custas judiciais no Brasil era destinada ao Fundo Penitenciário Nacional. Esta emenda suprimiu esta contribuição. Isso significou uma redução de 40% da receita do Depen. O parlamento retirou esta possibilidade de recurso. É algo contraditório, a partir do momento em que eles mesmo cobram a qualidade do sistema prisional. Certamente seria uma forma de contribuir mais efetivamente com o problema se o Judiciário voltasse a repassar estes recursos. Mas agora é um movimento muito mais difícil, quem irá se dispor a abrir mão deste recurso?

Airton Michels: "não estamos preocupados apenas em gerar vagas no sistema prisional" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Além da ampliação de vagas, é preciso políticas públicas para recuperação dos apenados e ressocialização. O que acontece neste sentido?

Airton Michels – Não estamos preocupados apenas em gerar vagas. No Presídio Central, por exemplo, diante de toda aquela exposição dos esgotos e situação calamitosa daquela cadeia, nós já tínhamos liberados recursos para reformas no Central. Não íamos conviver com aquilo. Implantamos duas Unidades Básicas de Saúde lá dentro em agosto de 2011. E isso já tem resultados. Em 2009 morreram 24 presos de causas naturais dentro do Presídio Central. Em 2010, morreram 15. Ano passado morreram seis e este ano não morreu nenhum por enquanto. Estamos fazendo alguns paliativos enquanto elaboramos as políticas de resolução do problema dos presos. Realizamos parceria com a Secretaria Estadual de Educação e estamos discutindo aperfeiçoamentos para a criação de um sistema estadual de ensino para apenados. Criamos uma coordenadoria das Mulheres dentro da Susepe para melhor atender as especificidades das mulheres presas. Em 54 prisões do RS já está instalada a separação de presos primários e condenados. Isto é inédito no Brasil. Por enquanto nas prisões do interior, mas vamos evoluir para a totalidade das cadeias. Também queremos separar por perfil dos crimes. Na unidade de Charqueadas, por exemplo, houve a parceria com duas empresas para produção de insumos com mão de obra de apenados e estamos gestando novas ações para geração de empregos no sistema prisional. Instalamos uma cela específica para as travestis do Presídio Central. É outra iniciativa inédita no país e que já concretizamos.

Sul21 – Na ausência de uma legislação para criminalizar a homofobia no Brasil, o governo enfrenta de que forma estes casos? Não se pretende criar uma Delegacia Especializada para Diversidade Sexual como tem São Paulo, por exemplo?

Airton Michels – Com a reforma do Código Penal, a comissão de juristas que já conclui o relatório, há uma especificidade de punição para crimes por homofobia. Aqui no Rio Grande do Sul não vemos a necessidade de uma Delegacia específica, porque não temos um surto como já tivemos na década de 90. Um homicídio passional, por mais que a vítima seja homossexual, é um crime passional. Ainda não temos uma circunstância diferente do resto ou uma situação que exija trabalho específico. O governo também criou a carteira social e outras políticas para mudar culturas, que é isto que tem que mudar. A essência dos crimes é o desrespeito ao outro.

Sul21 – O que está sendo feito para enfrentar a violência contra mulheres no RS?

Ariton Michels – Até setembro estará funcionando a Patrulha Maria da Penha. Percebemos na nossa prática a vulnerabilidade das medidas protetivas a vítimas de violência doméstica. As mortes de mulheres são anunciadas. A patrulha vai atuar nesta lacuna. Trouxemos uma major que foi promovida a Tenente-Coronel e comanda o 19º Batalhão, que abrange a Lomba do Pinheiro. Ela tinha um trabalho parecido por iniciativa própria no município de Estrela, de onde ela veio. E absorvemos esta ideia e gestamos ela em nível estadual. Todas as mulheres com medidas protetivas serão conhecidas da patrulha, que irá visitar cotidianamente as vítimas para acompanhar as circunstâncias do caso e o distanciamento do agressor. Dependendo dos casos, a patrulha também visitará o agressor para lembrá-lo de que ele deve se manter distante da mulher. Isso é inédito e terá impacto no bairro onde ela mora. Estamos contratando 4 mil pulseiras eletrônicas para o regime semiaberto e podemos estudar a aplicabilidade futura nos agressores, dependendo dos casos.

“Temos feito muitos esforços para agregar a Prefeitura de Porto Alegre ao projeto dos Territórios da Paz. Mas está muito difícil”

Sul21 – O RS possui quantos Territórios de Paz atualmente e como estão as políticas de geração de emprego, atividades culturais e outras previstas neste programa?

Airton Michels – Estamos com quatro em funcionamento em Porto Alegre, dois em Canoas, dois em Passo Fundo e um em Vacaria. Sempre com a ressalva de que o primeiro de Canoas já estava instalado pelo próprio município. Porém, nosso planejamento teve que se adaptar a mudanças com o corte de recursos do governo federal para o Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania). Ele foi praticamente extinto. Não tínhamos uma rubrica orçamentária para este projeto, dependíamos dos repasses federais. Então, em 2011 criamos uma rubrica no orçamento deste ano para isso no Plano Plurianual. Adaptamos o programa para Proesci (Programa Estadual de Segurança com Cidadania) e transformamos em RS na Paz. Criamos uma coordenação exclusiva dentro da Secretaria. Mas a possibilidade orçamentária foi diminuta para este ano, apenas R$ 2,5 milhões. Metade para investimentos e metade para custeio. O governador, por ter desenvolvido essa política do Pronasci no governo federal e entender a importância para a prevenção à violência, que todas as secretarias com diretrizes de ações sociais (13 pastas) sempre que tiverem ações de aplicações orçamentárias deverão ser desenvolvidas com prioridade nos territórios de paz. Claro que isso faz com o programa se desenvolva em outro ritmo, porque todas as secretarias tem seu tempo e fluxo. Não acontece na mesma velocidade que seria com o Pronasci. Eu creio que até o final deste ano vamos ter mais ações nos territórios.

"Realmente ocorrem abusos policiais, nós temos notícia disso. Não é tanto a ponto de causar pavor na sociedade, mas é mais do que gostaríamos e esperávamos" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Há críticas por parte de especialistas em segurança, ONGs e políticos que andaram visitando os territórios de Porto Alegre sobre a precariedade da execução do programa. Pouco efetivo para atuação, relação não integrada entre Guarda Municipal e BM, falta de serviços na unidade móvel do Rubem Berta…

Airton Michels – Em agosto nós vamos inaugurar uma sede do projeto no território da Rubem Berta. Nós já recuperamos um prédio que era da Brigada Militar onde funcionará também uma Cia Da BM. Anexo a ela, colocaremos um escritório do projeto. Terá um funcionário da secretaria para ser o agente organizador da implantação das ações. O mesmo acontecerá no Morro Santa Tereza, onde a própria comunidade está cedendo um local para sede do RS na Paz. Já temos um local definido na Lomba do Pinheiro e outro na Restinga, mas ainda estamos buscando prédios. Temporariamente, vamos instalar contêineres para os agentes da paz atuarem nas comunidades. Terá infraestrutura, ar condicionado e equipamentos dentro dos contêineres. Vamos articular com as secretarias e os movimentos sociais para reforçar as ações nos territórios. Estamos flexibilizando a faixa etária do público alvo do programa. Primeiramente era para alunos de ensino médio mas, na verdade, os que se envolvem com a violência e o crime são os que abandonaram o colégio ainda no ensino fundamental. E para incluí-los será mais trabalhoso. A nossa maior parceria no governo para esse programa é a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos. O conselho gestor se reúne a cada 15 dias e fazemos também reuniões ampliadas com a Prefeitura de Porto Alegre, que tem a Guarda Municipal, fundamental neste processo. Nós temos feito muitos esforços para agregar a Prefeitura de Porto Alegre neste projeto. Eventualmente eles têm alguma proximidade ou gesto, mas está muito difícil.

Sul21 – Qual a compreensão do governo estadual sobre o papel dos municípios no trabalho da segurança pública?

Airton Michels – A grande novidade deste conceito de enfrentamento da violência e criminalidade é o chamamento dos municípios para a responsabilidade com a segurança pública. Isto é essencial. Os equipamentos e serviços são realizados pelos órgãos municipais. A polícia comunitária está formada. Em Canoas, por exemplo, estes policiais já recebem R$ 450 reais a mais para atuar como polícia comunitária. Também faremos isso com as demais prefeituras que têm o RS na Paz. Teremos Núcleos de Polícia Comunitária. Em Caxias já temos 11 núcleos instalados, com 34 policiais comunitários. Eles recebem até um salário mínimo para atuar como polícia comunitária, desde que residam no bairro onde funciona o território. Ele irá dispor de uma viatura para levá-la para casa ao final do turno. Vamos trabalhar princípios culturais com a população com isso. Demonstrando confiança na polícia que levará a viatura para casa e dar ideia de polícia de proximidade. Os policiais que foram formados neste conceito já tem vocação mais comunitária, fizemos uma pré-seleção. Nós formamos em 2011 cerca de 250 policiais em Polícia Comunitária. Todos irão morar próximo ao território, até Canoas, que hoje não acontece, vamos evoluir para isso. Eles têm que conhecer os moradores, conversar, e resgatar a confiança dos cidadãos.

Sul21 – Ainda há críticas sobre a existência de abuso policial no estado. O que está sendo feito para coibir a violência policial?

Airton Michels – Nós estamos encarando esta realidade da postura de alguns policiais. Mas mudar esta cultura demora. Realmente ocorrem abusos, nós temos notícia disso. Não é tanto a ponto de causar pavor na sociedade, mas é mais do que gostaríamos e esperávamos. Depois de tanta formação, com o incentivo do Bolsa Formação para reciclagem, com a evolução dos oficiais que hoje buscam ensino superior, ainda assim há alguns comandos resistentes. Não o comando central da BM, porque o comandante Sérgio Abreu é uma pessoa preparada e atenta tanto aos direitos humanos quanto a condutas corretas para o policiamento. Em São Paulo é uma situação mais aterradora. Lá, a cada cinco homicídios, um é cometido pela polícia. Aqui no RS é um a cada 200 homicídios. Exceto o caso do policial civil de Gravataí que se precipitou em sua ação e na tentativa de salvar um refém acabou provocando uma morte, não temos caso este ano. A população não precisa temer.

"Os cidadãos gaúchos não precisam conviver com o medo de morrer por policiais", assegura Secretário de Segurança do RS | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Qual população? Porque negros, homossexuais, torcedores de futebol e até mesmo trabalhadores são discriminados. Um de nossos colegas do Sul21 foi agredido em cobertura esportiva pela Brigada Militar.

Airton Michels – Isso é lamentável. A abordagem mal feita e discriminatória ainda ocorre. Mais do que deveria, mais do que gostaríamos e esperávamos. Mas tudo que chega ao nosso conhecimento nós investigamos e apuramos. Os cidadãos gaúchos não precisam conviver com o medo de morrer por policiais. A Justiça Militar nos garante que é severa na investigação e punição dos policiais que cometem estas ações.

Sul21 – O Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou o fim das polícias militares no Brasil como forma de acabar com a violência policial. O senhor concorda?

Airton Michels – Esta discussão é antiga. Logo que saímos da ditadura militar, os inquéritos policiais deveriam ser feitos pelo Ministério Público. Depois, veio a discussão sobre a unificação das polícias. Agora esta ideia de acabar com a Polícia Militar. A questão dos abusos e da violência policial não se resolve desmilitarizando a polícia. Aqui eu posso afirmar que, razoavelmente, a Brigada Militar tem uma postura democrática. O militarismo para policiamento urbano, sim, é algo ultrapassado. Mas nós compreendemos o processo histórico da instituição militar e o processo histórico que vive o país. Não seremos nós aqui no RS que vamos puxar este debate. Aqui a BM tem nos servido bem. E não é o militarismo que torna a polícia mais violenta. A Polícia Civil também pode ser violenta. É uma questão de mudar posturas, comandos e cultura. Ainda há casos isolados, mais recorrentes com a BM. Concordo que deveriam acontecer menos casos do que acontece hoje. Mas não é regra. Estamos atentos a isso e enfrentando isso.

Sul21 – Como?

Airton Michels – Temos as corregedorias, que atuam da forma mais firme possível. Estamos investindo em formação para os policiais. O nosso Departamento de Ensino e a Assessoria de Direito Humanos também está atuando na realização de seminários e qualificação na formação mais humana da polícia. Fizemos um seminário internacional de Polícia Comunitária em 2011 para reciclar a atuação da polícia. Queremos que se cumpra a lei. O estado de direito não permite abusos ou violações aos direitos humanos pela polícia. Não quer dizer que a polícia não tenha que ser dura para ser eficiente. Mas não precisa humilhar, agredir ou discriminar. Isto é o que buscamos.

“A violência urbana tende a tornar fascista a sociedade. Gera uma sociedade com medo. E essa sociedade tende a exigir providencias cada vez mais autoritárias”

Sul21 – Haverá um Centro Integrado de Comando e Controle para a Copa do Mundo de 2014? Como será?

Airton Michels – Todos os estados tinham a expectativa de aproveitar a Copa do Mundo de 2014 para obter um mundo de dinheiro, mas não é isso que ocorre. São repassados recursos para projetos importantes, como o Centro Integrado de Comando. Serão vários equipamentos fornecidos pelo governo federal, mas as viaturas e pessoal continuam sendo o que nós temos. A grande novidade do Centro Integrado é que, para seu funcionamento efetivo, deve haver uma integração entre as polícias estaduais, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Obrigatoriamente, depois de instalado o Centro, ele seguirá operando no RS. Reservamos um andar e meio para implantação deste sistema. A tecnologia irá nos obrigar a mudar uma cultura que levaria muito tempo para mudar, que é a integração policial. Hoje as polícias, de modo geral, trabalham absolutamente desintegradas. Às vezes uma interfere no trabalho da outra. Há algumas exceções de comandos da Brigada Militar que trabalham bem com a Polícia Civil. Mas há dificuldades nesta integração de modo geral. Então, a Copa será uma boa oportunidade não de enriquecer em equipamentos e viaturas, mas de conseguir a integração das polícias. Este será o grande legado da Copa no que se refere a segurança.

Integração das polícias será grande legado da Copa 2014 no sistema de segurança do RS, acredita Michels | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O governo gaúcho estudava a criação de um controle de placas de veículos por monitoramento eletrônico. Ele funcionará até a Copa do Mundo?

Airton Michels – Nós estamos com o termo de referência pronto para fazer a licitação. Assim que conseguirmos os recursos, vamos licitar. Nós ampliamos o projeto inicial sugerido pela Grampal. Aquele não incluía Esteio, Sapucaia, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Agora faremos Porto Alegre e estas cidades. A implementação deverá ser parcial, mas rapidamente vamos incluir estas cidades para evitar da migração dos furtos pela Região Metropolitana. Prevemos até agosto de 2013 estarmos com o que estamos chamando de Sistema Integrado de Monitoramento (SIM). Não gostamos do nome “cerco eletrônico”, embora a essência seja essa.

Sul21 – Muitas pessoas criticam esses equipamentos de monitoramento por acreditarem que eles interferem negativamente nas liberdades individuais. Qual é o limite para a tecnologia deixar de ser aliada da segurança pública e passar a cercear a liberdade das pessoas?

Airton Michels – Hoje nós sabemos que os aparatos tecnológicos estão sendo democraticamente utilizados pelos governos. Mas, como gestores, temos que nos perguntar se no futuro não podem acabar sendo mais problemáticos do que a própria criminalidade. Este sistema que estamos fazendo visa coibir os furtos, apurar antecedentes e detectar fugas de criminosos. Temos como ler todas as informações pelo controle das placas, mediante cadastro prévio. Mas a violência urbana tem uma tendência a tornar fascista a sociedade, seja por medo real ou aparente, mas o fato é que gera uma sociedade com medo. Esta sociedade sob medo tende a exigir providencias cada vez mais autoritárias. No Brasil, segundo pesquisa recente do Ipea, 52% das pessoas são a favor da pena de morte, por exemplo. Então, nós temos que agir rápido no combate à criminalidade com o auxilio da tecnologia, e depois reavaliar a utilização destes equipamentos. Eu não tenho uma resposta definitiva para esta tua pergunta, mas é uma questão altamente pertinente, é importante pensarmos sobre essa nossa prática. Temos que diminuir a criminalidade no Brasil até o ponto em que ela não preocupe mais a sociedade. Mas, se não rompermos esta cultura do autoritarismo sob as ações, teremos um resultado muito pior e que vai além do caráter invasivo destas providências tecnológicas.

Sul21 – Com as eleições municipais, muitos candidatos prometem ampliar o efetivo da Brigada Militar, o que depende do governo estadual. É possível mais 2 mil homens para Porto Alegre a partir do ano que vem?

Airton Michels – Sim. Estamos com concurso para 2 mil policiais militares. Sendo 1,4 mil para policiamento e 600 para Bombeiros. Até o começo de setembro eles se formam. A partir disso, 750 policiais militares já serão convocados a assumir. Já estamos encaminhando novo concurso para Susepe, para mais 1,6 novas vagas. Em 2011 já chamamos 700 servidores aprovados no último concurso para a Susepe. Os que entram agora vão suprir a demanda gerada com as novas prisões que estamos abrindo. Assim, retiraremos gradativamente a Brigada Militar da força tarefa dos presídios. Avalio que, neste um ano e meio de governo, conseguir estruturar os principais projetos da Secretaria e estamos atuando para longo prazo. Temos um norte na nossa política, estamos seguros quanto à aplicabilidade dela. A situação econômica está estável, tivemos aumento do poder aquisitivo, mas ainda nos deparamos com elevados índices de homicídios. Temos 20% de aumento no estado este ano. Mas, conseguindo resolver o problema do Presídio Central, criando o Centro Integrado e aperfeiçoando e digitalizando a comunicação das policias, estaremos dando um grande salto na redução destes índices. A gestão das polícias é vital neste processo. É por aí que passa a nossa inoperância no combate a criminalidade.


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