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25 de agosto de 2012
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20:30

André Liohn: “Me considero um interlocutor da guerra”

Por
Sul 21
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Samir Oliveira

André Liohn é o único brasileiro e latinoamericano a receber o prêmio Robert Capa de fotografia | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Nos pés, as botas que já pisaram na terra de mais de 12 países em conflito. Nos braços, tatuagens que marcam culturas marcadas pela opressão e pela incompreensão. Aos 39 anos, o fotógrafo André Liohn se considera um interlocutor da guerra.  “Se bem informadas, as pessoas podem abstrair mais contexto sobre o que está acontecendo. Para isso precisam de interlocutores, e eu me vejo assim, como um interlocutor da guerra. Espero que durante ou após a guerra, o meu trabalho possa servir para contextualizá-la”, resume.

Único brasileiro e latinoamericano a receber o prêmio Robert Capa de fotografia, Liohn esteve em Porto Alegre nesta semana para participar do FestFoto e conversou com a reportagem do Sul21. Ele começou a fotografar aos 30 anos de forma despretensiosa. “Tinha acabado de me separar quando passei em frente a uma loja e comprei uma máquina fotográfica. Comecei a fotografar tudo, foi um momento de bastante isolamento”, recorda. Nessa época, em 2003, ele vivia na Noruega e era diretor comercial de uma empresa.

Histórico de trabalho em guerras começou em 2005, na Somália | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Com o tempo, Liohn começou a sentir necessidade de expandir sua mensagem. Não se conformava em fotografar amenidades e resolveu retratar a vida dos viciados em heroína de Tronehai. Até que, em 2005, a guerra lhe chamou.

“Em Oslo, um refugiado da Somália havia assassinado duas pessoas no bonde. Isso gerou novamente o debate em torno dos imigrantes. Eu tinha um amigo da Somália que sempre me contava histórias de lá, então resolvi ir para Mogadishu com ele”, conta.

Essa foi a primeira incursão de André Liohn num território em conflito, num país que até hoje vive em guerra civil. Posteriormente, ele passou por Etiópia, Uganda, Congo, Sudão, Quênia, Líbia, Egito, Iêmen, Quirquistão, Uzbequistão, Síria e Haiti.

“As pessoas acham que fotografia de conflito é alguém atirando. Não é isso. Sebastião Salgado não retrata pessoas atirando e faz fotografia de conflito” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para Liohn, ser um fotógrafo de guerra não significa estar necessariamente no local onde os combates acontecem. “As pessoas acham que fotografia de conflito é alguém atirando. Não é isso. Sebastião Salgado não retrata pessoas atirando e faz fotografia de conflito”, compara.

Ele conta que é muito difícil chegar aos locais onde os combates ocorrem e que tão importante quanto flagrar a luta física é registrar as vidas afetadas pelos conflitos. “Não tem como chegar num país, pegar um taxi e perguntar onde tem bala. É muito difícil e raro chegar aos locais onde as pessoas realmente se atacam”, explica.

Fotógrafo já registrou imagens de guerras em 12 países | Foto: André Liohn

Uma exceção para essa regra foram as revoltas ocorridas na Líbia e na Siria, já que os jornalistas puderam chegar aos lugares quando os conflitos ainda estavam se desenvolvendo. “A primeira rebelião na Líbia começou em 17 de fevereiro e eu cheguei no dia 23. Ainda não havia a figura do rebelde e, mais ou menos três semanas depois, os civis entraram no conflito”, conta.

Desde o início, a opção do fotógrafo foi não se sujeitar ao controle imposto pelo regime de Muammar Kaddafi na capital do país. “Em Tripoli, os jornalistas só podiam sair do hotel acompanhados de um guia que determina os lugares que poderiam ser visitados. Eu não queria ser bonequinho do governo”, critica.

Acostumado a peregrinar por regiões em conflito, André Liohn diz que consegue lidar bem com o medo e que diversas vezes já sentiu que iria morrer. “Estar com os civis significa ter consciência de que corro os mesmos riscos que eles. O medo sempre existe, mas ele nos preserva. A questão é como administramos esse sentimento. Eu lido bem com isso”, revela.

Apesar de viver afastado do Brasil, fotógrafo diz que quer desenvolver projeto no país

“Estar com os civis significa ter consciência de que corro os mesmos riscos que eles", acentua André Liohn | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

André Liohn é natural de Botucatu, em São Paulo. Filho de padeiro, ele não chegou a concluir o primeiro grau e viu muitos amigos se perderem no crime e nas drogas pesadas. Radicado na Itália, onde vive atualmente, ele resolveu deixar o país há mais de uma década e já viveu como imigrante na Suíça e na Noruega.

Com uma postura bastante crítica em relação a seu país de origem, ele não faz questão de ser lembrado como “o primeiro brasileiro a receber o prêmio Robert Capa” e já declarou, em outra entrevista, que o Brasil não tem nada a ver com essa conquista. Ao Sul21, Liohn disse que “o Brasil é um país muito injusto, não quis isso para mim”.

Apesar das críticas, ele pretende desenvolver no país um projeto que está em andamento em outras regiões. “Tenho um trabalho que explora o momento em que o trauma se realiza na vida de uma pessoa ou de uma sociedade. Gostaria de incluir o Brasil nesse projeto”, avisa. Um dos exemplos de trauma no país, segundo o fotógrafo, é o momento em que alguém perde um familiar por não ter acesso a medicamentos ou a atendimento na rede de saúde pública.


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