Rachel Duarte
A cultura como ação social para além dos palcos e espetáculos. Este é o sentimento dos representantes da área sobre o novo momento do estado do Rio Grande do Sul. Depois de anos de atraso no acesso aos recursos do Plano Nacional de Cultura, a atual gestão do governo gaúcho ampliou o ainda enxuto orçamento da Cultura e abriu editais na ordem de R$ 25 milhões para prefeituras, projetos de livro e leitura, modernização de bibliotecas e novos Pontos de Cultura. Do montante destinado aos editais, R$ 18 milhões são para ampliar o circuito cultural do estado envolvendo periferias e pequenos municípios. Para garantir o desenvolvimento da cultura, descrito pelo governo como uma prioridade de Estado, está sendo encaminhado também um Plano Estadual de Cultura. O projeto de lei está sendo elaborado com os representantes da diversidade artística e será entregue ao governador Tarso Genro até setembro deste ano.
Um dos mais tradicionais pontos de cultura de Porto Alegre, o Quilombo do Sopapo, é um dos que está na disputa dos recursos dos editais para Pontos de Cultura. Com o convênio junto ao Ministério da Cultura encerrado, o coordenador Leandro Artur Anton já se organiza para inscrever o projeto que desenvolve há mais de quatro anos no bairro Cristal. “Os editais para Pontos de Cultura foram fundamentais para nós. Embora esta fosse à política nacional desde a gestão de Gilberto Gil (2003-2008), não era prioridade do governo gaúcho. O estado deve apresentar contrapartidas aos editais e a antiga gestão (Yeda Crusius) alegava problemas orçamentários. Mas outros estados com menor capacidade financeira como do Norte e Nordeste acessavam. A União entra com 2/3 do edital. Agora podemos acessar aquilo nos é de direito”, fala.
O Quilombo do Sopapo realiza por meio da OSCIP Guayí alternativas de produção cultural e audiovisual além de capacitação na área de tecnologia da informação para jovens. Em todo território gaúcho não chega a 100 o número de pontos de cultura que poderiam estar ativos e incentivando ações comunitárias com arte e cidadania. “Em Porto Alegre não se promoveu nem mesmo um edital. Por outro lado, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, que têm uma população menor que a capital, lançaram juntas 15 editais”, compara Leandro Anton.
O secretário de Estado da Cultura, Luiz Antonio de Assis Brasil, afirma a compreensão da gestão pública no papel de fomentador para a valorização da diversidade cultural do estado. “Nós passamos para R$ 10 milhões o Orçamento da Cultura e buscamos R$ 42 milhões em convênios com o Ministério da Cultura, além dos editais e capacitações em andamento”, fala.
O adjunto Jéferson Assumção fala que a intenção do governo ao apostar na maior fatia para os editais é dar autonomia para os produtores culturais e projetos independentes com cada vez menor dependência da Lei de Incentivo a Cultura (LIC). “Temos os R$ 35 milhões abertos este ano, o que já ultrapassa os R$ 28 milhões que tínhamos por meio da LIC em 2011. Isto nunca existiu no estado”, salienta.
“Cultura tem que ser planejada, assim como Educação e Saúde”, diz secretário
Outra conquista está sendo a construção coletiva do Plano Estadual de Cultura. A proposta consiste no primeiro planejamento de longo prazo voltado ao desenvolvimento da cultura na história do Rio Grande do Sul. Por dois meses foram percorridos 14 municípios e colhidas sugestões de produtores culturais, representantes das artes visuais, audiovisual, circo, dança, leitura e literatura, museus, música, teatro, memória e patrimônio e culturas populares.
Um encontro na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, encerrou as etapas de discussões presenciais na última quarta-feira (11). Ideias ainda são aceitas por email [email protected] até 27 de julho. “Convocamos a sociedade a participar ativamente desse processo, independente de partido ou posição. Queremos que o Plano Estadual de Cultura seja ponto de união entre diversas tendências ideológicas”, explicou o secretário Assis Brasil. “Uma política se constroi com planejamento. A Cultura precisa ser organizada na gestão pública assim como acontece com Saúde, Educação e Segurança”, complementa o adjunto Jefferson Assumção.
A elaboração da caravana ocorreu por meio do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-RS), para possibilitar a participação da sociedade na elaboração das prioridades para o futuro Plano Estadual de Cultura. “A população recentemente pediu maior apoio à cultura e mais participação da sociedade. Estamos consolidando uma cultura de participação, fundamental para o desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural do Rio Grande do Sul”, afirmou o secretário do CDES-RS, Marcelo Danéris.
Representantes da classe artística sugerem propostas
Reinaldo Luiz dos Santos, que realiza oficinas de audiovisual com os moradores de rua do jornal Boca de Rua, defende que seja inserida nas diretrizes do texto-base que será finalizado até setembro a previsão de ampliação orçamentária para a pasta da Cultura. Atualmente, os recursos mesmo dobrados em relação ao governo anterior representam 0,014% do Orçamento Estadual. “Se não fizermos esta garantia no projeto de lei, corremos o risco de não conseguir implementá-lo”, ressalta.
Já a funcionária do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Hilda Gastal reivindica a inclusão de um item ausente no esboço apresentado na última reunião do CDES-RS. “Não está contemplada a preservação e divulgação da biodiversidade. Isso também é cultura”, defende.
O secretário Assis Brasil diz que as reivindicações e indignações de alguns setores fazem parte do processo de construção coletiva e serão acolhidas pela Comissão Técnica que irá sintetizar o texto.
Como é recente no país a compreensão de que a área cultural deve ser planejada estrategicamente a longo prazo, o coordenador do Quilombo do Sopapo comemora a compreensão do governo atual em assumir o papel de fomentador da promoção da cultura popular. “Incluir municípios com menos de 10 mil habitantes, irrigar recursos para organizações não-governamentais e dar visibilidade para a cultura como projeto social é função do estado. Isso é se preocupar com o meio ambiente, com a assistência social e prevenção a violência. Para nós, isto não acontecia até agora por omissão ideológica do estado”, avalia.