Samir Oliveira
Nesta quinta-feira (28), dia internacional do orgulho gay, a Câmara dos Deputados discute um projeto que, se for aprovado, permitirá que psicólogos brasileiros proponham a “cura” de homossexuais. A medida é defendida por integrantes da bancada evangélica e contraria as convenções nacionais e internacionais sobre o tema, como a resolução da Organização Mundial da Saúde, que em 1990 retirou o a homossexualidade da lista internacional de doenças.
O projeto de decreto legislativo (PDL) 234/11 é de autoria do deputado federal João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica e pastor da igreja Assembleia de Deus. A proposta suspende os dispositivos da resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que determinam que “os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura da homossexualidade” e que “os psicólogos não se pronunciarão nem participarão de pronunciamentos públicos nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica”.
Uma audiência pública debate o projeto nesta quinta-feira na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. O ato foi convocado pelo deputado federal Roberto de Lucena (PV-SP), relator do PDL 234/11 e líder nacional da igreja “O Brasil para Cristo”.
O Conselho Federal de Psicologia não irá participar da reunião por considerá-la antidemocráica, já que as quatro autoridades da sociedade civil presentes, de acordo com o CFP, são abertamente favoráveis à “cura” dos homossexuais. Uma das convidadas do deputado para participar da audiência é a psicóloga evangélica Marisa Lobo, que mantém o site Psicologia Cristã e defende abertamente a possibilidade de se “converter” uma pessoa à heterossexualidade.
“A resolução do conselho é discriminatória”, diz presidente da Frente Parlamentar Evangélica
Autor do PDL 234/11, João Campos diz que a resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia é “discriminatória”, já que, na visão do deputado, proíbe que psicólogos ofereçam tratamento de “cura” a homossexuais que desejarem esse tipo de terapia. “A resolução é discriminatória. O profissional deve ter liberdade para atender a todos”, entende.
Na opinião do tucano, não cabe ao CFP regular o tema, pois se trata de “um direito humano fundamental”. “Houve uma invasão das competências do Congresso pelo Conselho Federal de Psicologia”, observa.
Questionado pela reportagem do Sul21 sobre sua posição a respeito da possibilidade de se “curar” um homossexual, o deputado desconversou: “Amigo, não estou fazendo essa discussão”, disse.
Ele assegura que, caso seu projeto seja aprovado no plenário, a resolução do CFP cairá e, portanto, caberá ao Congresso editar uma nova norma – que poderá resultar ou não na permissão de oferta de tratamentos de cura a homossexuais.
“Não tem cabimento dizer que homossexuais precisam ser curados”, critica presidente do Conselho Federal de Psicologia
O presidente do Conselho Federal de Psicologia, Humberto Verona, baseia sua crítica ao PDL 234/11 em dois pontos: o jurídico e o conceitual. Juridicamente, ele alega que não cabe ao Congresso Nacional editar um decreto legislativo para interferir em uma resolução do CFP.
“É um recurso que o Legislativo utiliza para controlar excessos do Executivo. Somos uma autarquia especial, não temos ligação com o governo”, explica.
Humberto Verona diz que entidades ligadas à área da saúde no mundo inteiro não tratam homossexuais como doentes e que “não há cabimento ou justificativa” para oferecer tratamento de cura a gays. “Afirmamos com muita clareza que dentro da nossa ciência não há nenhum cabimento ou justificativa em dizer que pessoas de orientação homoafetiva precisam ser curadas”, assegura.
Para ele, o projeto do deputado evangélico representa “um discurso ideológico ligado a um certo tipo de pensamento de ordem moral”.
Para o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, o PDL 234/11 é “um acinte à cidadania”. “Sugerimos que o deputado João Campos procure o que fazer. Ele está procurando chifre em cabeça de cavalo”, critica.
O militante diz que o projeto “incentiva o preconceito” e “não tem pé nem cabeça”. “Vão querer curar canhotos também, que eram considerados endemoniados antigamente?”, compara.