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7 de maio de 2012
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09:00

Não tem outra saída que não veto total ao Código Florestal, diz ambientalista

Por
Sul 21
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Felipe Prestes

“Se ela vetar pontos específicos da lei, o que vai sobrar é uma grande colcha de retalhos, um queijo suíço”. Assim o advogado André Lima explica porque os ambientalistas defendem que a presidenta Dilma Rousseff deve vetar o novo Código Florestal por inteiro, não apenas partes dele. “Não tem outra saída razoável que não seja o veto total”, defende.

AF2 Comunicação / Portal do Desenvolvimento Local / Divulgação
Colaborador de instituições de defesa do meio ambiente pede que palavra final sobre novo Código venha via Senado e não pela Câmara Federal | Foto: AF2 Comunicação / Portal do Desenvolvimento Local / Divulgação

Mestre em Política e Gestão Ambiental pela UnB e colaborador de três instituições que lutam pela proteção ao meio-ambiente — Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Desenvolvimento e Sustentabilidade (IDS) — Lima não crê que o Congresso derrubaria o veto da presidenta, porque o Senado aprovou um texto que tinha apoio do Governo. “O Senado fez um trabalho que foi completamente desfigurado pela Câmara. Não acho que o Senado seria tão incoerente e contraditório com o que aprovou”, diz.

Após o veto, o advogado defende que o Governo promova discussões sobre política florestal e que um projeto seja elaborado via Senado, para que esta casa tenha a palavra final, não a Câmara. Lima cobra maior participação do Planalto que, segundo ele, só entrou em campo aos 48 do segundo tempo. Em conversa com o Sul21, o advogado também critica pontos específicos do texto final do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), como o fato de permitir que os estados definam onde deve se recuperar áreas de preservação permanente e onde se pode consolidar ocupações. “Os estados estão muito mais vulneráveis à pressão econômica local”, explica.

“O texto do Senado já estava aquém do que seria razoável. O texto do Piau chutou o pau da barraca de vez”

Sul21 – Porque o senhor acredita que a presidenta deve vetar o código inteiro e não apenas alguns pontos, editando também medidas provisórias, como vem sendo cogitado?

André Lima – Ela necessariamente terá que vetar vários pontos, se for cumprir o compromisso que assumiu nas eleições de não referendar incentivos a desmatamento, anistia a crimes ambientais e redução de área de proteção. São três elementos do compromisso dela. Se ela vetar pontos específicos da lei, o que vai sobrar é uma grande colcha de retalhos, um queijo suíço, com muitas lacunas, muitas ambiguidades. Consequentemente, teremos um texto legal que trará muito mais insegurança jurídica tanto para a produção quanto para a conservação. A não ser que ela faça vetos periféricos e, portanto, cosméticos. Considerando isto, não tem outra saída razoável que não seja o veto total.

André Lima não acredita que Congresso derrubaria veto de Dilma ao Código Florestal: "Senado defendeu o que ela está defendendo" | Foto: Antônio Cruz/ABr

Sul21 – Ainda assim, os ruralistas, que têm demonstrado força no Congresso, poderiam derrubar o veto. Como o senhor vê isto?

André Lima – Acho muito improvável que isto aconteça, por duas razões. A primeira delas é que o veto tem que ser pautado pelo presidente do Congresso e acho muito improvável que o senador Sarney o faça em meio à eleição municipal. Antes da Rio+20 nem se fala, no meio de eleição municipal dificilmente há quórum… O veto significa que a lei atual continua em vigor até que ele seja apreciado. Segundo, que o veto tem que ser derrubado pelas duas casas. Não acredito que isto aconteça. A presidente vetar e um parlamentar votar contra o veto não é impossível, mas é uma rebeldia ao extremo. E o Senado fez um trabalho que foi completamente desfigurado pela Câmara. Não acho que o Senado seria tão incoerente e contraditório com o que aprovou. O Senado não derrubaria o veto da presidente, porque defendeu o que ela está defendendo.

Sul21 – De que forma o senhor avalia a proposta do Senado? Ela era realmente boa?

André Lima – Não. Caso o texto do Senado tivesse sido aprovado na íntegra pela Câmara, aí sim seriam necessários vetos pontuais, para resgatar algum equilíbrio no resultado. Então, na nossa visão o texto do Senado já estava aquém do que seria razoável para a legislação florestal brasileira. O texto do Piau chutou o pau da barraca de vez.

Sul21 – Você defende que o Governo reúna especialistas e proponha um texto alternativo?

André Lima – O que a gente defende é que seja encaminhado um projeto via Senado, porque aí você inverte o polo da decisão. Da forma como foi encaminhado, a palavra final foi da Câmara. O projeto entrando pelo Senado, ele poderia eventualmente ser desfigurado pela Câmara, mas voltaria ao Senado, que devolveria certa lógica e razoabilidade ao texto.

“Se isto entrar em vigor da forma como está, daqui quatro ou cinco anos vamos ter que refazer a lei”

Sul21 – Que bases precisaria ter um texto mais razoável?

André Lima – A gente defende que o Poder Executivo pudesse fazer um debate prévio, para que este novo projeto fosse encaminhado. Ou a partir do senador Jorge Viana, que apresentou um novo projeto de lei, e, em cima deste projeto de lei, o Executivo trabalhe desde o início para que ele seja aprimorado. O que a gente defende é que o Governo não faça novamente o que foi feito neste processo todo do Código Florestal, em que ele só aparece aos 48 do segundo tempo para evitar perdas maiores. A resultante deste modus operandi foi o texto do Paulo Piau. Num primeiro momento, teve o relatório do Aldo, que foi muito ruim. Num segundo momento, no Senado, o Governo também deixou o PMDB conduzir o processo; só na última hora é que o projeto caiu na mão do senador Jorge Viana, que tentou repor certo equilíbrio, mas acabou prevalecendo as posições do PMDB. Ou seja: o Governo comeu bola em todas as fases do processo – supondo que estamos falando do Governo da presidente Dilma, não do vice Michel Temer. Se estivermos falando do Governo do Michel Temer, ele conseguiu levar a conversa do jeito que o PMDB quis do primeiro tempo até o terceiro tempo da peleja.

Antônio Cruz / ABr
Relatório de Paulo Piau (PMDB-MG), que modificou texto do Senado, trouxe "uma série de retrocessos na legislação", diz André Lima | Foto: Antônio Cruz / ABr

Sul21 – O texto de Paulo Piau tem, na prática, brechas que permitem que praticamente nenhuma propriedade precise recompor reserva legal e áreas de preservação permanente. Como se dão estas brechas?

André Lima – Recomposição de reserva legal é uma espécie em extinção no Brasil. Primeiro que 93% das propriedades não terão que recompor nada, porque são imóveis abaixo de quatro módulos fiscais. Segundo que há possibilidade de comprovação, ante mera declaração – a gente brinca que é um papel de padaria – que permite que o camarada declare que desmatou antes da vigência da reserva legal e fique dispensado de recompor. Permite que zoneamento ecológico-econômico reduza área de reserva legal. Permite que haja compensação da reserva legal em floresta em outro estado. São tantas flexibilizações que, cumulativamente, a regra será a não recomposição de reserva legal, vai ser a consolidação das áreas desmatadas ilegalmente – boa parte disto, inclusive, depois da Lei de Crimes Ambientais, que foi aprovado em 1998. A exceção vai ser um ou outro que, eventualmente, não consiga se enquadrar em uma das muitas possibilidades de consolidação. Sem contar que há outros problemas, que têm a ver mais com governança. Dispositivos que o projeto de lei estabelecia que davam efetividade à governança florestal, como o impedimento de acesso a crédito público para quem não se cadastrar no Cadastro Ambiental Rural, caíram no projeto do Piau. Tem uma série de retrocessos na legislação que, se isto entrar em vigor da forma como está, daqui quatro ou cinco anos vamos ter que refazer a lei.

Sul21 – O texto do Piau afeta a reforma agrária?

André Lima – É a questão das terras abandonadas ou subutilizadas. O parâmetro utilizado pela legislação em vigor para definir se é possível abrir ou não abrir novas áreas é a produtividade. Uma propriedade que tem baixa produção nas áreas que estão abertas não pode pedir autorização para novos desmatamentos. Isto cai pela definição de pousio que foi dada pelo texto do Piau, porque qualquer proprietário agora vai dizer que a propriedade dele está em descanso e, portanto, não é uma área improdutiva.

Sul21 – Que impacto o texto causa aos manguezais?

André Lima – Abre a perspectiva de consolidar um volume de ocupações ilegais hoje nestas áreas, principalmente nas áreas chamadas apicuns, que fica entre as áreas de restinga e os manguezais, que hoje vêm sendo ocupadas por grandes criatórios de camarão. O problema não está só no desmatamento e no impacto no regime hídrico dos mangues, mas também no risco de contaminação por uso de defensivos, de fertilizantes, de remédios. Então, há um impacto grave, não só na consolidação no uso destas áreas ilegalmente ocupadas, mas também permite que zoneamento estaduais autorizem novas ocupações. O texto do Senado estabelecia limites e objetivos para esta ocupação: percentual máximo de ocupação, critérios, procedimentos de licenciamento, salvaguardas. Todas elas caíram no texto do Piau.

Fábio Rodrigues Pozzobom / ABr
"O Governo não pode repetir o que foi feito neste processo todo do Código Florestal, em que ele só aparece aos 48 do segundo tempo para evitar perdas maiores" | Foto: Fábio Rodrigues Pozzobom / ABr
“Pelo texto atual, cada estado define a seu critério. E os estados estão muito mais vulneráveis à pressão econômica local. É como se fosse um cheque em branco”

Sul21 – Que impacto pode gerar para áreas alagadas, como várzeas e igapós?

André Lima – Tem a ver com o método de dimensionamento das áreas de preservação permanente. Pela lei em vigor, você conta as APPs (Áreas de Preservação Permanente) a partir do leito maior, sazonal, ou seja: uma área onde o rio sobe regularmente a cada ano, a cheia máxima anual. Isto mudou para o leito regular do rio. Isto significa uma redução muito grande de APP, especialmente na região da Amazônia e no Pantanal. Segundo o INPA, este novo cálculo pode resultar em 400 mil km2 que perdem proteção, apenas na Amazônia.

Sul21 – Se discutiu muito a questão dos topos de morro e encostas. Como ficam estas áreas no novo código?

André Lima – Tem a questão específica da pecuária, que está autorizada nestas áreas de topos de morro, chapadas, encostas pelo projeto do Piau. Isto significa você induzir mau uso destas áreas, porque são áreas de risco e atividades de baixíssima produtividade econômica, com raras exceções.

Fábio Rodrigues Pozzobom / ABr
Enquanto bancada ruralista comemora votação a favor do novo Código Florestal, deputada Rosana Ferreira (PV-PR) ergue cartaz pedindo ação da presidenta Dilma contra o texto recém-aprovado | Foto: Fábio Rodrigues Pozzobom / ABr

Sul21 – O texto dá mais poder para os estados. Porque isto é criticado pelos ambientalistas?

André Lima – Ele resgata a emenda 164, que foi aprovada no texto do Aldo, que devolve para os estados o poder de definir quais as áreas de APP que poderão ser consolidadas e quais devem ser recuperadas. É como se fosse um cheque em branco, está tudo em aberto. Cada estado define a seu critério. Os rios não respeitam limites burocrático-administrativos, você tem rios que cruzam vários estados. Cada estado vai definir o que vai recuperar ou não? Um estado pode, inclusive, estar comprometendo a qualidade e o abastecimento de água em outro estado. Além do que, obviamente os estados estão muito mais vulneráveis à pressão econômica local. No estado de Mato Grosso, por exemplo, o agronegócio tem um poder político muito maior e vai exercer este poder na hora de definir as diretrizes para consolidação. Inclusive, o Mato Grosso já o fez através do zoneamento ecológico-econômico, que foi derrubado pela Justiça. É uma prova real de que passar este poder para os estados é criar mais conflito do que resolver. No caso do Mato Grosso, esta liberdade ao estado está causando um conflito que não tem solução, porque foi para o Judiciário e o processo pode se alongar por anos até uma decisão final. Esta lógica de delegar aos estados vai criar muito mais problema e insegurança jurídica do que tendo parâmetro federal mínimo na lei.


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