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17 de maio de 2012
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17:09

Kit anti-homofobia volta a ser cobrado no Dia Nacional de Combate à Homofobia

Por
Sul 21
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Beijaço - beijo coletivo em protesto contra os recuos do governo Dilma foi cancelado./Foto Marcello Casal Jr./ABr

Rachel Duarte

Um dos principais fatores de bullying nas escolas é a homofobia. A afirmação é dos especialistas e educadores que debateram o tema em Brasília nesta semana, durante as comemorações do Dia Internacional Contra a Homofobia, 17 de maio. Segundo dados da Unesco, nos países da América do Sul, mais de 50% dos jovens gays já sofreram bullying e muitos abandonam a escola por causa do preconceito. Na Argentina, foi aprovado o kit contra homofobia nas escolas públicas. Já no Brasil, a data está sendo utilizada para os movimentos sociais LGBT pressionarem o governo federal a rever o recuo na distribuição dos materiais. Os kits brasileiros foram suspensos em maio do ano passado por pressão da bancada evangélica no Congresso Nacional.

O dia 17 de maio foi uma vitória do Movimento LGBT internacional que instituiu a data para marcar a decisão da Organização Mundial de Saúde que retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças. No Brasil, um Decreto Presidencial de 4 de junho de 2010 incluiu o Dia Nacional de Combate à Homofobia no calendário oficial. De lá para cá, algumas conquistas de direitos aos homossexuais foram alcançadas. A principal foi a decisão do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, o Congresso Nacional ainda se mostra conservador e omisso.

De acordo com o texto de chamamento para a III Marcha Nacional Contra a Homofobia, ocorrida nesta quarta-feira (16), em Brasília, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) declara que “desde a Constituição de 1988 o parlamento brasileiro não aprovou nenhuma lei que garanta direitos à população LGBT. O projeto de lei que criminaliza discriminações, ofensas e violências em virtude da orientação sexual ou identidade de gênero, o PLC 122, permanece paralisado no Senado”.

Conforme a entidade, no último ano o governo Dilma Rousseff apresentou atitudes de retrocesso na luta contra a discriminação por orientação sexual. “Primeiro foi o veto ao material didático-pedagógico do projeto Escola sem Homofobia. Depois veio a indiferença da presidenta Dilma a respeito da realização da II Conferência Nacional LGBT. O ápice foi quando houve veto direto do Palácio do Planalto às peças publicitárias produzidas pelo Ministério da Saúde direcionadas a jovens gays e transexuais, na campanha de prevenção de Aids no Carnaval. Um moralismo tacanho censurou filmetes que mostravam afetividade entre pessoas do mesmo sexo. Nunca antes houvera intervenção direta do Palácio do Planalto nas ações do Programa de Aids do Brasil, elogiado do mundo inteiro, entre outros fatores, por seu compromisso com os direitos humanos”, diz o texto.

“Brasil não pode ser só Carinhoso, tem que ser anti-homofóbico”, cobra ABGLT

Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuai (ABGLT), Toni Reis./Foto: Divulgação

Mais contido do que no texto ao conversar com o Sul21, o presidente da ABGLT, Toni Reis, diz que a principal cobrança da entidade na conversa com o Conselho Nacional LGBT da Secretaria Nacional de Direitos Humanos nesta quinta-feira (17), será pelos kits anti-homofobia nas escolas. “A suspensão dos kits está entalada na nossa garganta ainda. Estamos esperando que a presidenta se pronuncie. Não precisa ser um posicionamento como fizeram Cristina Kirchner e Barack Obama, pode ser no estilo Dilma mesmo. Mas, o Brasil não pode ser só carinhoso, tem que ser anti-homofóbico”, cobrou.

De acordo com o presidente da entidade, que articula a aprovação do PL 122 no Senado Federal, alguns parlamentares se posicionaram declaradamente favoráveis durante o 9º Seminário Nacional LGBT na última terça-feira (15). “A senadora Ana Amélia (PP) e o senador Paulo Paim (PT) se posicionaram totalmente a favor da criminalização da homofobia. Estamos unificando o parlamento em favor do PL. Já aprovamos o texto na Comissão de Assuntos Sociais do Senado”, conta. “Vamos articular para colocar em votação em breve”, afirma.

Ocupar para garantir políticas públicas

Manifestantes ocupam a Praça dos Três Poderes e estendem uma bandeira do movimento LGBT, em Brasília./Foto: Marcello Casal Jr./ABr

O grito dos discriminados que aguardam há anos pela tramitação e aprovação da lei que pode criminalizar o preconceito por orientação sexual foi dado nesta quarta-feira (16). Pela terceiro ano consecutivo, militantes e ativistas ocuparam o Congresso Nacional. A III Marcha Nacional Contra Homofobia reuniu 1,5 mil pessoas que estenderam a bandeira nas cores do arco-íris, que simboliza a luta LGBT, em frente a rampa do Congresso.

Para esta quinta-feira (17) estava programado um ‘Beijaço’, protesto em forma de beijo coletivo, em frente ao Palácio do Planalto. O ato seria no estilo do beijo banido pela polícia da Espanha na visita do Papa Bento XVI a Madri, em 2011. “Mas, achamos que o Brasil ainda não está preparado. Preferimos cancelar”, admitiu Toni Reis.

Protesto neste estilo já foi realizado em estados brasileiros. O mais recente foi em São Paulo, em frente à Prefeitura de Maringá devido ao fechamento de uma boate gay pela administração municipal.

Unesco recomenda políticas públicas para o combate ao bullying homofóbico  

No caso específico do bullying homofóbico, prática comum nas escolas do mundo todo, a preocupação é urgente, devido aos sucessivos casos que chegam ao conhecimento dos organismos públicos. Uma consulta internacional feita pela Unesco em 25 países e apresentada em 2011 mostra que o problema, apesar de ser maior ou menor em determinada nação, é generalizado em todas as escolas do globo. No Brasil, mais de 40% dos homens gays relatam ter sofrido agressões na escola. Na Guatemala 53%, no Chile mais de 60%, no México 61%, no Peru 66% e na França 58% dos homossexuais do Ensino Médio sofreram agressões.

“Mundialmente é importante combater a homofobia nas escolas. A situação é grave. A partir desta consulta, a Unesco levantou um guia de ações de combate a homofobia que já ocorrem no mundo para demonstrar bons exemplos aos governos. Em Israel, por exemplo, existe um trabalho educativo para diversidade que começa na educação infantil”, explica a representante da Unesco no Brasil, Maria Rebeca Gomes.

Segundo ela, o estudo com as boas práticas para combater o bullying homofóbico foi divulgado nesta quarta-feira (16), na sede da Unesco em Paris (França). A intenção, explica, é orientar os países sobre como combater o problema. “É preciso preparar a escola para enfrentar a homofobia. Não podem acontecer situações relacionadas a este tipo de bullying e não serem tomadas providências. É na escola que se trabalha a perspectiva da defesa dos direitos humanos”, explica Rebeca.

De acordo com a consultora da Unesco, os impactos do bullying são nocivos a saúde mental e física dos alunos e tem maior intensidade quando se referem a orientação sexual. “Torna as vítimas mais vulneráveis ao sexo inseguro, ao uso de drogas, traz transtornos psíquicos e pode levar ao suicídio. No caso dos homossexuais ainda é pior. Tem a questão do esteriotipo”, alerta.

Um dos vídeos do Kit anti-homofobia vetado por Dilma em 2011:

http://youtu.be/2vfxsoFFXGc

De modo geral, ainda que o Brasil não tenha os kits anti-homofobia, políticas públicas podem ser criadas para reduzir a violência por orientação sexual no ambiente escolar. A Unesco recomenda aos países que registrem os casos ocorridos junto a direção das escolas e convoquem os pais, mesmo se as agressões não forem físicas. Os governos também podem proteger as vítimas com as normas e leis já estabelecidas para proteção dos direitos humanos e integridade da pessoa. “É preciso discernimento sobre o que configura bullying homofóbico e o que é assédio ou outra prática. Não se pode censurar as pessoas também”, alerta Rebeca Gomes.

A Unesco também estimula o trabalho pedagógico da educação sexual, desde as primeiras faixas etárias. “Com a linguagem e especificidade adequada a cada fase da vida, devemos explicar as diferenças, a questão da diversidade e a tolerância”, explica a consultora.

Governo gaúcho lança seu próprio ki anti-homofobia

Mesmo sem uma política nacional sobre o tema, o governo gaúcho elabora desde o primeiro ano da gestão de Tarso Genro (PT) uma versão local do programa Escola Sem Homofobia. Nesta quinta-feira (17), a primeira comemoração do Dia Estadual de Enfrentamento à Homofobia será marcada pelo lançamento das cartilhas confeccionadas pelas Secretarias de Educação e Justiça e Direitos Humanos. “Contra a discriminação de todos os tipos e principalmente a homofóbica, porque sabemos que é a principal causa de bullying”, afirma a diretora de Direitos Humanos da SJDH, Tâmara Soares.

Segundo a diretora do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania, o objetivo é mobilizar as escolas no combate à homofobia e contra a violência sexual de crianças e adolescentes. “A escola é o local propício para essa sensibilização, para prevenir a violência homofóbica e informar os alunos que são vítimas que eles têm que coibir essa violação denunciando esses casos, e reproduzindo os direitos LGBT. E o professor tem de estar capacitado para treinar o seu olhar e identificar esse tipo de violência”, diz Tâmara.

III Marcha Nacional contra Homofobia pede liberação dos kits anti-homofobia ao MEC./Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Às 16h, será realizado no Palácio Piratini um ato em comemoração ao Dia Estadual de Enfrentamento à Homofobia e o lançamento da carteira de nome social para travestis e transexuais. Simone Rodrigues será a primeira travesti a receber a carteira simbolicamente. Durante o ato, o governador Tarso Genro assinará o decreto que autoriza a expedição da carteira de identidade com os nomes que os travestis e transexuais escolherem para si. Por enquanto, o documento só terá validade no RS.

Os interessados no documento poderão procurar os postos de identificação, mesmo local onde é feita a carteira de identidade, 90 dias após a publicação do decreto. Será cobrada a mesma taxa da confecção do Registro Geral (RG), R$ 40, mas quem não tiver o valor pode fazer uma declaração de pobreza e ficará isento da taxa.

Sobre a capacidade do governo estadual em aplicar medidas que ainda não foram concretizadas no âmbito federal, a diretora estadual de Direitos Humanos considera mérito da sociedade gaúcha. “Chegam inúmeras denúncias de violação dos direitos humanos de toda ordem. Precisamos agir. Começamos nas escolas e ainda vamos combater o preconceito na rede de saúde e na segurança pública”, informa.


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